Internacional
Guerra antidrogas das Filipinas continua letal sob Marcos
Novo presidente filipino assegura ter abandonado os métodos assassinos de seu antecessor, Duterte, no combate ao narcotráfico. Porém média diária de mortes até aumentou. ONGs contam com cifras ocultas bem mais altas
Tin (nome modificado), de 27 anos, é do norte de Metro Manila, a região em torno da capital das Filipinas. A localidade não tem sido poupada da onda de assassinatos desencadeada pela guerra total ao narcotráfico, declarada pelo presidente Rodrigo Duterte entre 2016 e 2022.
No entanto ela nunca imaginara que um dia vivenciaria na própria família uma morte relacionada à questão, até porque na época seu marido não estava envolvido com substâncias ilegais. No entanto, em 3 de outubro de 2023, um ano após Duterte renunciar e Ferdinand Marcos Jr. assumir, Chrismel Serioso foi alvo de disparos, perseguido e espancado por um policial, sob alegação de estar vendendo drogas.
Um vídeo do incidente mostra a vítima de 29 anos caída no chão, enquanto o policial se afasta. Só cerca de uma hora mais tarde uma patrulha o levou para o hospital, onde foi imediatamente declarado morto. “O álibi do policial foi que o meu marido estava vendendo drogas, mas as autoridades não encontraram nenhuma no local”, relata Tin. O agente envolvido foi dispensado e agora responde a processo.
6.200 mortos em oito anos de guerra às drogas
Não se trata de um caso isolado, pois a violência relacionada aos entorpecentes continua nas Filipinas, apesar de Marcos afirmar que seu governo mudou a abordagem e tem feito progressos em coibir o tráfico ilegal. Durante visita recente à Alemanha, ele afirmou ao chanceler federal Olaf Scholz que, durante seu mandato, a campanha antidrogas fora “totalmente mudada” para prevenção e reabilitação.
Contudo os números dos homicídios relacionados a essa “guerra” formam um quadro bem diferente: segundo dados do projeto Dahas, uma iniciativa da Universidade das Filipinas, a violência ligada às drogas se mantém no mesmo nível que na gestão anterior.
Entre1º de julho de 2022 a 30 de junho do ano seguinte registraram-se 342 homicídios no contexto das drogas, ou 0,9 por dia, uma média ligeiramente superior à 0,8 morte diária do último ano de Duterte. No segundo semestre de 2023, o Dahas computou mais 165 assassinatos, além de 58 em janeiro e fevereiro últimos.
Seja em operações policiais ou em execuções extrajudiciais, os oito anos da campanha antidrogas do político democrata-socialista resultaram em milhares de mortos. Segundo o governo, a polícia matou cerca de 6.200 suspeitos de tráfico que resistiram à prisão, porém grupos de direitos humanos calculam cifras muito mais altas.
O fato de o Tribunal Penal Internacional (TPI) ter iniciado um inquérito sobre os casos pelo foi pretexto para que Duterte desligasse as Filipinas da instituição judiciária em 2019. Em 2023, porém, esta rejeitou o apelo de Manila para suspender as investigações, abrindo o caminho para a continuação do processo.
A organização Rise Up for Life and for Rights (Erguer-se pela vida e os direitos), que presta assistências às famílias afetadas pelos homicídios extrajudiciais, afirma que essa guinada deu esperança a quem não tem perspectivas de reparação na Justiça. Marcos, entretanto, assegura que sua presidência não vai cooperar com o inquérito do TPI, o qual descreve como “uma ameaça e nossa soberania”.
Menos ação oficial, mais vigilantismo nas mortes
O pesquisador-chefe do projeto Dahas, Joel Ariate, observa uma diferença notável entre as matanças da guerra às drogas de Duterte e aquelas sob Marcos: o envolvimento de agentes da lei.
Antes, de 70% a 75% dos homicídios ocorriam durante operações de falsa compra e detenção da Polícia Nacional e da Agência Antidrogas Filipina (PDEA). Sob Marcos, essa proporção caiu para 45%, enquanto subiram os assassinatos por grupos não identificados.
“Sem dúvida, tem havido menos envolvimento do Estado nas mortes. Mas o alarmante é que o total de mortes não se alterou, com 0,8 a 0,9 por dia, e achamos que não vai cair”, preocupa-se Ariate.
Carlos Conde, pesquisador-chefe do Departamento Ásia da ONG Human Rights Watch (HRW), confira que as medidas de Duterte seguem em vigor, apesar das alegações do governo em contrário: “As ordens executivas e mandados que operacionalizavam a guerra às drogas ainda estão valendo. O Sr. Marcos não as aboliu, portanto não se sabe o que ele quer dizer, quando assegura que a política de seu governo é diferente.”
Conde afirma que os problemas que afetavam a ofensiva antidrogas da gestão anterior não desapareceram, inclusive a ausência de um processo justo e o descaso pelas leis internacionais de direitos humanos. Mas há também variantes regionais na implementação.
Na cidade de Davao, cujo atual prefeito é Sebastian Duterte, filho do ex-presidente, os agentes policiais e antinarcóticos estão implicados em quase 99% das mortes, afirma Ariate. Se antes a maioria dos assassinatos se concentrava na região da capital nacional, agora eles ocorrem cada vez mais em províncias como Cebu e Negros Occidental.
Segundo o pesquisador da HRW, para que a mortandade tenha fim, é preciso Ferdinand Marcos Jr. declarar publicamente o fim da guerra às drogas. Ele defende que se siga uma abordagem “holística”, tratando as substâncias ilegais como um problema de saúde pública, em vez de um caso para as forças de segurança.