Internacional
França quer frear indústria de Fast Fashion
País europeu avança em uma nova lei que irá regulamentar o setor para tornar roupas de baixo custo e alto impacto ambiental, geralmente produzidas na China, menos atraentes para os consumidores
Deputados na França aprovaram uma nova lei que promete frear o consumo de produtos da chamada fast fashion, a moda rápida, baseada na venda de roupas de baixo custo (e com grande impacto ambiental) produzidas geralmente na China.
As novas regras afetarão empresas que lançam um determinado número mínimo de produtos por dia – limite esse que vai ser estabelecido mais para frente por decreto.
O governo tem como alvo as gigantes da moda rápida, como por exemplo a fabricante Shein e a plataforma online Temu, ambas com sede na China, e que disponibilizam por volta de “7.200 peças por dia”, como destacou uma deputada.
Segundo a proposta, essas empresas terão de publicar mensagens claramente visíveis em seus websites indicando o impacto ambiental dos seus produtos e incentivando os clientes a reciclar itens – ou então enfrentarão multas de até €15.000 (mais de R$ 82 mil).
Um novo sistema de ecopontos vai avaliar as empresas de moda. Aqueles que tiverem um mau desempenho terão de pagar uma taxa inicial de €5 (R$ 27) e depois, até 2030, até €10 (R$ 54) por artigo.
O governo também vai proibir a partir de 2025 a publicidade de produtos vendidos por essas empresas. A violação dessa lei acarretará multas de até € 100 mil (mais de R$ 546 mil).
O projeto passou com unanimidade na câmara baixa do Senado francês, criando um raro consenso na Assembleia Nacional, onde o governo carece de maioria absoluta e enfrenta frequentemente forte oposição. Agora, a proposta precisa receber luz verde do Senado para poder entrar em vigor já nos próximos meses.
‘Vencemos uma batalha cultural’
Para Julia Faure, designer de moda e presidente do grupo En Mode Climat, que inclui cerca de 600 empresas que produzem moda de forma sustentável, o projeto de lei já é uma “ótima notícia”.
“Vencemos uma batalha cultural, já que o fast fashion é um desastre ambiental, social e cultural que destrói tudo, com exceção do setor de luxo, como um enorme rolo compressor”, disse ela à DW.
Hoje, estima-se que 10% das emissões das emissões de CO2 venham da indústria da moda, certamente potencializadas pelo ritmo de produção em larga escala da moda rápida.
Mas o impacto da fast fashion vai além e inclui a poluição de oceanos, o desperdício de água, a utilização de derivados de combustíveis fósseis nos tecidos, o incentivo ao descarte excessivo de roupas, que na maioria das vezes não é reciclada corretamente e, é claro, as condições de trabalho análogas à escravidão.
Faure acredita que o governo está enviando a mensagem correta quando a moda feita de algodão e produzida localmente obtém uma boa pontuação ecológica, enquanto os produtos fabricados longe e a partir de tecidos sintéticos são mal ranqueados.
“No entanto, precisamos de permanecer alertas e garantir que o limite [de peças por dia através] a partir do qual as empresas de fast fashion serão definidas não seja tão alto”, acrescentou.
Vozes contrárias à proposta
O professor de economia na Paris Cité University e fundador da empresa de pesquisa de mercado ObSoCo, Philippe Moati discorda do método do governo.
“O projeto de lei estigmatiza os clientes dessas marcas que, de acordo com um estudo que estamos realizando, são os menos instruídos e menos abastados. É importante que eles possam comprar moda para se sentirem parte da sociedade”, disse Moati à DW.
O economista estima que o que chama de “moda ultrarrápida” representa apenas cerca de 3% do mercado de moda francês – não existem números exatos.
Moati defende que os negócios de fast fashion sejam regulamentados de forma mais rigorosa, mas com as ferramentas já existentes.
“O governo deveria implementar leis francesas, como a garantia de dois anos para artigos de moda, a proibição de vender abaixo do custo e a obrigação de calcular descontos usando preços de referência realistas”, observou.
Shein, Temu, Zara e H&M recusaram ou não responderam aos pedidos de entrevistas com a DW.
Antoine Vermorel-Marques, um deputado no departamento do partido conservador Les Republicains aprova a ideia, mas não concorda com todos os parágrafos do projeto de lei.
“A proibição da publicidade irá bloquear o mercado em vez de o regular. Deveríamos concentrar-nos apenas no sistema de ecopontos que nos permitirá ter em conta as externalidades negativas, ou seja, fazer com que as empresas paguem pelo impacto ambiental e social negativo dos seus produtos, ” ressaltou.
“Mais medidas necessárias” para atingir as metas climáticas
Para Pierre Condamine, porta-voz do grupo Stop Fast Fashion, que inclui várias ONG que lutam pela proteção do ambiente, as novas regras não vão suficientemente longe.
“O limite que define o fast fashion deve ser diretamente consagrado no projeto de lei e ser baixo o suficiente para abranger também empresas francesas, como a varejista de artigos esportivos Decathlon”, disse.
Condamine acrescentou que as empresas de fast fashion deveriam ter a obrigação de publicar os seus números de vendas na França.
“Essa é a única maneira de podermos realmente compreender o que estamos enfrentando e tentar trabalhar para cumprir o Acordo Climático de Paris”, afirmou o porta-voz.
A França pode liderar o caminho
Gildas Minvielle, diretor do observatório econômico do Institut Français de la Mode, uma escola de moda sediada em Paris, acredita que o tempo dirá se a abordagem do governo é a correta.
“Este é um território desconhecido – precisamos testar o que funciona e o que não funciona”, disse ele à DW. “Em qualquer caso, porém, é crucial lembrar os consumidores do impacto devastador do fast fashion no meio ambiente”.
Para ele, a votação unânime no parlamento mostra que os políticos franceses compreenderam que há urgência em agir.
“O projeto de lei é uma reação à profunda crise que o setor prêt-à-porter [roupa assinada por alguma marca feita industrialmente] atravessa desde 2022, com inúmeras marcas entrando em falência”, disse ele.
“A França, o lar da moda, poderia agora liderar o caminho. Estas regras deveriam ser alargadas a toda a Europa, uma vez que o mercado da moda é europeu”, afirmou.