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Radicalismo de Lula afasta Brasil de posição de liderança na América do Sul
Desde que assumiu o Palácio do Planalto no último ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definiu a política externa como uma das prioridades de seu terceiro mandato. O petista tentou se projetar com um líder mundial mas, na avaliação de analistas, não atingiu nem o objetivo de ser reconhecido como uma liderança regional, segundo analistas ouvidos pela reportagem. Usando discursos cada vez mais radicais e ideológicos, o mandatário brasileiro tem dificuldade para se aproximar de lideranças de direita, o que dificulta sua projeção como líder e até mesmo como intermediador de crises na América Latina.
“O Lula, neste primeiro momento, busca aproximação de fato somente com seus pares. Ele conversa bastante com o Gustavo Petro (Colômbia), tenta apaziguar a questão da Venezuela, se aproximou até mesmo da Guiana, vai para o Chile em maio… Ele busca essa aproximação com pares antes de tentar expandir sua influência política para aqueles que não são”, analisa Vito Villar, que é consultor de política internacional da BMJ Consultores Associados.
Nesse contexto, o brasileiro não tem uma proximidade com os presidentes direitistas Daniel Noboa, do Equador, Javier Milei, da Argentina, e Santiago Peña, do Paraguai. Uma evidência disso é que o petista não foi convidado em abril para o Foro Llao Llao em Buenos Aires, um tradicional encontro econômico e tecnológico promovido pela Argentina em Bariloche. Além de empresários, o evento contou com a participação dos presidentes do Uruguai e do Paraguai, que foram convidados por Milei.
“Tem sido difícil a aproximação dos dois polos políticos, normalmente presidentes de esquerda e presidentes de direita têm se aglutinado no seu próprio grupinho e tem sido difícil a aproximação de ideias diferentes. Ou seja, promover uma caminhada juntos mas com ideias divergentes”, afirma Vito.
O presidente brasileiro buscou uma integração da América do Sul logo no início de seu terceiro mandato. Para tentar mostrar força, organizou em maio de 2023 no Brasil uma reunião de presidentes da América do Sul no âmbito da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). A ideia era reviver o bloco com o objetivo de negociar com o resto do mundo com mais força.
Porém o evento fracassou após Lula dar um tratamento especial ao líder venezuelano, Nicolás Maduro, e minimizar a ditadura na Venezuela, dizendo que o autoritarismo no país seria apenas uma narrativa. Líderes de direita e de esquerda deixaram o Brasil se queixando das declarações feitas pelo petista.
Os acenos ao ditador de esquerda Daniel Ortega, da Nicarágua, que vinham ocorrendo desde antes da eleição do petista e as tentativas do governo de atrapalhar a eleição de Javier Milei, na Argentina, também geraram desconforto a Lula.
Durante Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), em março de 2023, o governo Lula propôs o “diálogo” com a Nicarágua. Em declaração, o embaixador Tovar da Silva Nunes em Genebra, na Suíça, afirmou que “o Brasil está pronto para explorar meios para que essa situação seja tratada construtivamente em diálogo com o governo da Nicarágua e todos os atores relevantes”.
De forma indireta, o governo de Lula também buscou apoiar a reeleição do presidente Alberto Fernández, na Argentina. Após a piora da crise econômica do país, Fernández apresentava altos índices de rejeição entre os argentinos. Um amigo de longa data de Lula, o brasileiro não chegou a declarar apoio ao candidato peronista, mas buscou formas de fortalecer seu governo como uma tentativa de melhorar sua imagem frente ao eleitorado.
Em uma dessas tentativas, o petista tentou incluir a Argentina nos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para que o país tivesse acesso aos financiamentos o Banco dos Brics. Lula também tentou destravar um financiamento ao país através do BNDES para a conclusão do Gasoduto Néstor Kirchner, em Vaca Muerta. As tentativas, contudo, não deram certo e Javier Milei saiu vitorioso da disputa.
Lula diz, por sua vez, que tem boas relações com todos os presidentes e países. Sua aproximação de ditadores é um dos fatores que o afastam de um papel de liderança na América Latina, especialmente porque o presidente brasileiro não usa essa proximidade para defender soluções diplomáticas para o fim do autoritarismo desses regimes.
Vito Villar afirma que dificilmente Lula vai conseguir articular seu desejo por uma integração regional. O mal-estar com o argentino Javier Milei ainda torna essa possibilidade mais distante, conforme avalia o especialista da BMJ. “As duas principais potências da região que mal conversam, como você cria um grupo político e de articulação política regional sem a segunda maior potência da região?”, questiona Villar.
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Para os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a ausência de um discurso moderado por parte do mandatário brasileiro, a proximidade com Maduro e a aposta frustrada no bloco de inclinação esquerdista Unasul afastaram Lula de uma melhor articulação com os líderes latino-americanos, sobretudo aqueles com quem Lula não compartilha a mesma visão ideológic
A Unasul foi fundada em 2008 por doze presidentes da época, a maioria deles de esquerda, entre os quais Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Michelle Bachelet (Chile), Rafael Correa (Equador), Hugo Chávez (Venezuela) e o próprio Lula.
O viés ideológico sobre as discussões do grupo afastaram países que contrastavam ao posicionamento político esquerdista. Entre 2018 e 2019, a Unasul foi desmembrada por completo. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi o responsável pela saída do Brasil, mas países como Argentina, Colômbia e Paraguai também deixaram o bloco.
Lula tentou reativar a Unasul quando reuniu os presidentes sul-americanos em Brasília em 2023. Mas encontrou resistência de alguns países, principalmente após defender a ditadura de Maduro. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle-Pou, foi um dos mais críticos à declaração do petista. O mandatário uruguaio também fez críticas à possibilidade de reativação da Unasul devido ao seu viés ideológico.
Para o cientista político Leandro Gabiati, falta à maioria dos países latino-americanos o mesmo que falta ao Brasil: políticas de Estado. “A falta de consolidação de políticas de Estado fazem com que as mudanças políticas, ideológicas e de governos inviabilizem determinados acordos e aproximações. Isso não é um problema só do Lula, mas da América Latina”, afirma.
A tentativa de reintegrar a Venezuela ao cenário geopolítico foi o que mais afastou Lula do seu papel de liderança na América Latina. Enquanto Nicolás Maduro abusava de manobras eleitorais para se manter no poder, Lula chegou a pedir “presunção de inocência” para o pleito convocado pelo ditador venezuelano para o fim de julho deste ano.
Os acenos que fez à Rússia no contexto da guerra contra a Ucrânia também colocaram o Brasil do lado oposto ao de nações ocidentais e de outros países da América Latina. Em junho do ano passado, seis meses após Lula assumir o Executivo, o jornal francês Libération colocou o petista na capa de sua edição com o título “Lula, a decepção” e afirmou que o mandatário vem agindo como “um falso amigo do Ocidente”.
“O presidente brasileiro não é o precioso aliado que imaginávamos, especialmente quando se trata de ostracizar o novo pária do Ocidente: a Rússia, culpada de uma invasão intolerável da Ucrânia”, escreveu a publicação.
As críticas severas contra Israel também ajudaram a afundar a imagem internacional de Lula. O petista acusou o país de cometer genocídio contra o povo palestino na Faixa de Gaza e criou um grave incidente diplomático com os israelenses ao comparar a ofensiva de Israel contra o grupo terrorista Hamas ao Holocausto promovido por Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial.
As declarações ajudaram a tumultuar ainda mais as relações diplomáticas na América Latina. O presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, da Colômbia, apoiou Lula e o argentino Milei reprovou as declarações.
As questões da América do Sul e a divergência na região
Apesar da resistência do países sul-americanos em retomar a Unasul, os líderes concordaram em criar o Consenso de Brasília, um acordo que prevê que mais reuniões sejam feitas, com o alegado objetivo de aumentar o comércio e melhorar a infraestrutura e logística na região com “enfoque social e de gênero”. A próxima acontece em maio, no Chile, e Lula já confirmou sua presença. O petista destacou que o encontro tem o objetivo de encontrar uma maneira de alinhar os países ao mesmo objetivo.
O cenário da América do Sul, contudo, passou por transformações nos últimos meses e um clima de instabilidade paira sobre alguns países. No Equador, por exemplo, o governo de Daniel Noboa invadiu a embaixada mexicana na cidade de Quito, capital equatoriana, para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, que é acusado de estar envolvido em esquemas de corrupção pelo país.
As ameaças de Maduro sobre uma possível invasão à Guiana também romperam os laços entre os dois países. O Brasil tenta intermediar uma resolução pacífica no que diz respeito à disputa pelo Essequibo — território rico em petróleo e que representa cerca de 70% da Guiana — , mas Maduro não dá o braço a torcer. Ainda que tenha se comprometido a encontrar uma solução através do diálogo para a disputa, o ditador venezuelano insiste em anunciar decisões unilaterais para tomar a região, a maioria delas voltada mais ao público interno, como divulgar mapas mostrando a região de Essequibo como se fosse venezuelana.
Javier Milei também enfrenta problemas com Maduro. Diferentemente de Lula, o argentino adotou um posicionamento crítico contra a Venezuela. Em meio às ofensas, o clima entre os dois países piorou depois que Buenos Aires enviou para os Estados Unidos um avião da estatal venezuelana Emtrasur que estava retido na capital argentina. A decisão aconteceu após um acordo judicial entre os dois países.
A aeronave chegou à Argentina em junho de 2022 com tripulantes venezuelanos e iranianos suspeitos de espionagem. A Emtrasur é uma subsidiária da aérea estatal Conviasa. Ambas são alvos de sanções do Departamento de Tesouro americano. O regime de Maduro acusou a Argentina de “roubar” o avião e, em resposta, fechou o espaço aéreo do país para voos argentinos. A decisão elevou a uma crise diplomática entre as nações.
Para especialistas, a preferência de Lula para aproximação com seus pares esquerdistas afasta o Brasil de exercer um papel de liderança na região. Sem uma boa articulação com os direitistas Daniel Noboa, do Equador, Javier Milei da Argentina, e Santiago Peña, do Paraguai, o presidente brasileiro não conseguirá incentivar, e muito menos liderar, qualquer tipo de integração na América Latina.