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Judiciário

Os refugiados climáticos e a aplicabilidade da litigância climática como mecanismo de garantir uma vida digna

As decisões judiciais podem preencher temporariamente as lacunas legislativas para proteção dos direitos humanos dos refugiados climáticos

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a preocupação com as questões ambientais atingiu um nível sem precedentes, devido aos impactos irreversíveis que os eventos têm causado no meio ambiente. O surgimento iminente de catástrofes, a extinção em massa e a escassez de recursos vitais, como água e alimentos, têm levado a uma reflexão sem precedentes, destacando-se a emergência dos refugiados climáticos como um dos temas centrais.

Como resultado das mudanças negativas nos ecossistemas, segmentos da população são forçados a deslocar-se dentro e fora de seus países em busca de condições mínimas para sua sobrevivência, revelando lacunas legais e deficiências de infraestrutura nos países que os recebem. Isso desencadeia desafios internacionais para oferecer suporte a esses indivíduos, evidenciando uma negligência estatal alarmante.

Uma das questões mais urgentes é o aumento do número de pessoas deslocadas devido a distúrbios ecológicos, resultando no abandono de seus lares em busca de locais que possam garantir suas necessidades básicas. Os sinais de desequilíbrio ecológico incluem desertificação, inundações, ondas de calor extremo, aumento do nível do mar e escassez de recursos hídricos, afetando drasticamente o modo de vida de comunidades inteiras, que agora exigem do Estado medidas para proteger seus direitos básicos.

Nesse contexto, surgem no campo jurídico litígios ambientais que buscam fazer valer as normas existentes e promover a formulação legislativa para preencher lacunas que deixam os indivíduos vulneráveis. A litigância climática emerge como uma ferramenta crucial para combater a negligência humana, desafiando estigmas e preconceitos arraigados na questão ambiental.

Esta pesquisa tem como objetivo principal explorar e discutir os efeitos da falta de normas legais específicas para proteger os eco-migrantes, garantindo um mínimo existencial ecológico e preservando a dignidade humana. Pretende-se também destacar a relação entre a migração contemporânea e as políticas de sustentabilidade ineficazes, além de esclarecer o papel inovador da litigância climática na conscientização dos agentes públicos.

Para este artigo, serão utilizadas pesquisas básicas, com base em dados bibliográficos de fontes como Google Acadêmico, Revista dos Tribunais, Alto Comissariado das Nações Unidas e Scielo. A pesquisa qualitativa será empregada para avaliar a percepção dos atores sociais sobre as mudanças climáticas e suas consequências. Quanto aos objetivos, será aplicada uma abordagem descritiva para expor o fenômeno do aquecimento global, e uma abordagem explicativa para identificar os fatores que contribuem para a ocorrência das migrações decorrentes da crise climática.

Por fim, busca-se compreender como a exploração desenfreada dos recursos naturais durante o desenvolvimento humano gerou problemas que transcendem as fronteiras nacionais, afetando globalmente as populações mais vulneráveis. Assim, torna-se evidente a necessidade de políticas públicas eficazes e de um ordenamento jurídico abrangente para garantir o mínimo existencial e preservar a dignidade humana.


1. REFUGIADOS AMBIENTAIS E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A trajetória da humanidade é pontuada por uma variedade de eventos, perspectivas e estruturas distintas. É notável perceber que, ao longo dessa jornada, os seres humanos demonstraram um interesse significativo em compreender os elementos que os cercam e em buscar melhores condições de vida. Os movimentos migratórios surgem como resultado do desejo e da necessidade intrínseca do ser humano de sobreviver e se adaptar às circunstâncias impostas. Esses eventos apresentam uma multiplicidade de motivações, que podem resultar em deslocamentos internos ou nacionais, de forma voluntária ou forçada. Independentemente das razões, aqueles que se deslocam procuram desesperadamente garantir um mínimo existencial.

O contexto que propicia os movimentos migratórios, tanto no presente quanto no passado, destaca a necessidade de efetivar os direitos humanos fundamentais (Khan, 2017, p. 89-98). As causas e consequências desses deslocamentos expõem a vulnerabilidade dos indivíduos e violam diretamente o princípio da dignidade humana. Os movimentos migratórios, desde os primórdios da humanidade, afetam diretamente a segurança global individual, ampliando a dependência das dimensões da proteção dos direitos fundamentais e reforçando a ideia de que as pessoas estão sujeitas à existência de determinadas condições básicas sociais e ambientais (Preston, 2018, p. 131-164).

Os direitos humanos, os movimentos migratórios e as mudanças climáticas estão intrinsecamente interligados, pois a crise entre essas esferas é enraizada em características que envolvem crises econômicas, sociais e políticas (Humphreys et al., 2010, p. 01-33). A interseção entre direitos humanos e mudanças climáticas começou a ser analisada conjuntamente no âmbito do regime internacional de direitos humanos, especialmente após as preocupações expressas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU com a situação global (Peel; Osofsky, 2018, p. 37-67). O ponto em comum entre essas esferas é a massa populacional vulnerável, que necessita de ações de mitigação e adaptação que priorizem os direitos fundamentais.

Atualmente, as mudanças climáticas representam uma das questões mais cruciais e desafiadoras no cenário político, econômico e social. A manutenção da ordem e da paz mundial, bem como o crescimento socioeconômico das nações, dependem de estratégias de desenvolvimento sustentável e de medidas de mitigação e adaptação (Sanchez, 2020, p. 02). Nesse contexto desafiador, os Estados, preocupados em conter as consequências das mudanças ambientais, muitas vezes negligenciam questões importantes, como os deslocamentos climáticos (Chaves, 2017, p. 01-07).

Assim, ao alimentar o desejo desenfreado de conter o crescimento da migração, as nações acabam construindo empobrecidas políticas públicas, com as quais o estipulado pelo Acordo de Paris:

[…] devem, ao adotar medidas para enfrentar as mudanças climáticas, respeitar, promover e considerar suas respectivas obrigações em matéria de direitos humanos, direito à saúde, direitos de povos indígenas, de comunidades locais, de migrantes, de crianças, de pessoas com deficiências e de pessoas em situações vulneráveis e o direito ao desenvolvimento, assim como igualdade de gênero, empoderamento das mulheres e equidade intergeracional. (Conferência das Partes, 2015, p. 2)

Os discursos políticos contemporâneos das elites globais frequentemente idealizam um progresso que, na prática, tem se mostrado catastrófico. Esse futuro almejado parece ser mais um ato de fé do que uma realidade tangível, resultando em exclusão social, aumento da desigualdade de renda, subdesenvolvimento e danos ao meio ambiente (Dupas, 2012, p. 1). É evidente que o aumento alarmante das emissões de gases de efeito estufa (GEE), principalmente devido à intensa atividade industrial, tem provocado mudanças significativas no sistema climático global, resultando em eventos naturais cada vez mais desafiadores (Persch, 2023, p. 34).

Após a Revolução Industrial, a humanidade passou a emitir quantidades alarmantes de GEE. Dados revelam que a concentração desses gases na atmosfera aumentou consideravelmente, sendo que o dióxido de carbono, óxido nitroso e metano são os principais gases emitidos, provenientes de atividades industriais, agrícolas, pecuárias e de geração de energia (Blank, 2015, on-line). Essas atividades humanas, como desmatamento e queima de combustíveis fósseis, têm contribuído para eventos climáticos extremos, como inundações e secas prolongadas, afetando diretamente a agricultura, pecuária e a sobrevivência de diversas espécies, resultando em perdas irreparáveis de biodiversidade (Guevara et al., 2019, p. 21).

Nos próximos anos, espera-se que o aumento do nível do mar seja um dos principais impulsionadores dos deslocamentos populacionais. Estima-se que cerca de 287 milhões de pessoas que residem em áreas costeiras terão que deixar suas casas (KIREZCI et al., 2020, on-line). Esse aumento é causado principalmente pela expansão térmica dos oceanos e pelo derretimento das calotas polares e mantos de gelo da Antártida e Groenlândia (Warrick; Oerlemans, 2020, p. 266).

Embora o termo “refugiados climáticos” seja recente, as causas desses deslocamentos remontam à antiguidade (Sterinman, 2011, p. 1-7). Eventos como a erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. e o terremoto no Haiti em 2010 demonstram que os desastres naturais sempre provocaram deslocamentos populacionais (Geggel, 2019, on-line). Esse cenário de mudanças ambientais drásticas resulta em fenômenos como desertificação, enchentes e escassez de recursos hídricos, forçando grupos populacionais a se deslocarem (Ramos, 2011, p. 37-38). O termo “refugiados ambientais” foi cunhado pela primeira vez em 1970 por Lester Brown do World Watch Institute (Amorim, 2020, p. 07).

Esses deslocamentos, sejam por motivos naturais, humanos ou uma combinação de ambos, levam os indivíduos a buscar refúgio em novos lugares, muitas vezes deixando para trás suas vidas e famílias (Oakes et al., p. 19). Embora esses eco-migrantes enfrentem condições desafiadoras, o reconhecimento oficial e a proteção legal dessas pessoas ainda são limitados (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, 1951, p. 2). É crucial que a comunidade internacional reconheça e proteja os direitos humanos desses deslocados ecológicos (Contipelli et al., 2020, p. 11)., garantindo-lhes condições básicas de vida, como moradia, alimentação, saúde e educação (Mirra, 2018, on-line).

Diante desse cenário, a litigância climática surge como uma ferramenta importante na proteção dos direitos dos eco-migrantes e no preenchimento das lacunas jurídicas existentes (Squeff, 2019, p. 235). É fundamental que a governança climática global promova políticas públicas que priorizem a proteção dessas pessoas e o desenvolvimento sustentável (Ntoniazzi et al., 2020, p. 13).


2. A LITIGÂNCIA CLIMÁTICA COMO INSTRUMENTO DE AMPARAR OS REFUGIADOS CLIMÁTICOS

As mudanças ambientais são uma realidade inegável, representando uma ameaça aos direitos humanos, à preservação dos ecossistemas-chave e até mesmo à existência da humanidade. O aquecimento global e suas consequências, resultado da interferência humana, são temas de discussões que clamam por medidas urgentes e eficazes de preservação ambiental por parte do Poder Público, organizações internacionais, científicas, empresariais e pela sociedade em geral. A elevação da temperatura, desertificação gradual, escassez de recursos hídricos e deslocamento populacional são objeto de análise nos litígios climáticos, os quais desempenham um papel crucial na formulação de estratégias jurídicas para mitigar os impactos ecológicos (Markell; Ruhl, 2012, p. 27).

Diante dos deslocamentos populacionais por razões ambientais, a litigância climática desempenha um papel fundamental na efetivação dos compromissos constitucionais e na garantia do direito a um planeta saudável. Seu posicionamento jurídico diante das mudanças catastróficas no meio ambiente visa conectar direitos humanos fundamentais aos impactos ambientais, influenciando diretamente o processo de licenciamento ambiental. Essa forma de litigância aborda questões administrativas ou judiciais relacionadas aos impactos das mudanças climáticas e às políticas ambientais (Ataputtu, 2016, p. 71. apud Tokar, 2019, p. 40).

Os litígios climáticos estão intrinsecamente ligados ao conceito de justiça ambiental, buscando reconhecer a responsabilidade da humanidade pelos impactos negativos das emissões de gases de efeito estufa sobre o ecossistema e as populações vulneráveis (Coutinho; Marques; Faria, 2013, p. 193-194). Enfrentam desafios, como a dificuldade de estabelecer uma relação direta entre as mudanças climáticas e eventos específicos, bem como a lacuna na legislação para lidar com violações dos direitos humanos decorrentes das alterações ecológicas (Alberto; Mendes, 2019, p. 117).

No Brasil, a Constituição integra tratados internacionais, impondo à administração pública a obrigação de impedir práticas que ameacem a função ecológica, causem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (art. 225, §1º, VII). Assim, o papel da administração pública inclui estabelecer normas, realizar ações, promover pesquisas e garantir o mínimo existencial ecológico (Alberto; Mendes, 2019, p. 117).

A constituição “amarra” diversas fontes, reunindo, sobre o mesmo compromisso jurídico, diversos dispositivos, nacionais e internacionais, que definem os parâmetros da política climática. Também vincula esse compromisso a competências e responsabilidades jurídicas de órgãos e entidades administrativas nacionais, cujas tarefas específicas vêm sendo previstas em três níveis: o constitucional, o de geral internacional de cuidar da ambiental e das normas legais e infralegais de competência. É, pois, por meio da Constituição, e das normas jurídicas que nela se fundamentam, que a política climática pode ser abordada como “política de Estado” (ALBERTO; MENDES, 2019, p. 120)

Na análise desse contexto, é evidente que a litigância climática se fundamenta na tradição constitucional, combatendo a inércia do poder público e servindo como referência para a revisão e formulação de políticas, tanto atuais quanto futuras. Seu papel se desdobra em duas frentes: mitigação e adaptação social, política e jurídica, visando garantir um ambiente equilibrado para as futuras gerações e protegendo o direito a um meio ambiente saudável (Araripe et al., 2019, p.177-189). Dessa forma, conforme observado por Nusdeo (2019, p. 153), a litigância climática possui o potencial de impulsionar avanços significativos nas políticas climáticas, especialmente em ações que requerem iniciativas e programas mais ambiciosos dos governos, bem como naquelas que discutem a extensão e aplicação de certos direitos.

O papel proeminente assumido pelas decisões judiciais na regulação e responsabilização das questões climáticas no Brasil revela uma deficiência na efetividade das leis, já que a legislação atual carece de diretrizes claras em relação à preservação ambiental versus interesses econômicos e políticos. Isso tem levado o judiciário a preencher essas lacunas (Nusdeo, 2019, p. 144). No entanto, o atual cenário de negação da importância de discutir e agir em relação às mudanças climáticas indica que mudanças sistemáticas devem ser implementadas em tempo hábil para evitar impactos desumanos na vida de milhares de pessoas (Riaño, 2019, p. 216-217).

Nesse contexto, a litigância climática emerge como um agente crucial na regulação estatal para a adoção de padrões mais rígidos de emissão de gases de efeito estufa e na responsabilização das atividades econômicas relacionadas às mudanças climáticas (Carvalho, 2018, p. 2). Assim, as decisões judiciais temporariamente preencherão as lacunas legislativas e protegerão os direitos humanos dos eco-migrantes, estendendo suas conquistas. Portanto, a litigância climática busca combater preconceitos e estigmas associados ao tema, promovendo uma reforma na visão da população sobre questões ambientais e estimulando mudanças institucionais (Guerra, 2021, p. 16).

Os impactos das mudanças climáticas são os principais impulsionadores dos deslocamentos humanos, resultando em realidades distintas conforme a vulnerabilidade dos indivíduos. Isso destaca a necessidade da litigância climática na efetivação das normas legais que priorizam a dignidade humana. Portanto, a litigância climática é um instrumento fundamental do judiciário para preencher as lacunas existentes no ordenamento jurídico ambiental, tanto internacional quanto nacional, em relação às mudanças climáticas e seus impactos nos seres humanos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, a pesquisa revelou que os movimentos migratórios atuais são impulsionados pelas mudanças climáticas, representando uma das questões mais prementes enfrentadas pela humanidade. Como resposta aos efeitos adversos da nova dinâmica ambiental, pessoas de todas as classes sociais são compelidas a deixar seus lares em busca de novas condições de vida, sendo os economicamente mais vulneráveis os mais afetados por essa dura realidade. Isso agrava ainda mais sua vulnerabilidade, aumentando os sentimentos de insegurança e medo.

Nesse contexto, o estudo permitiu entender o conceito de refugiados climáticos, abrangendo aqueles que não conseguem viver com dignidade em seus países devido às mudanças ambientais, à extrema pobreza resultante da escassez de recursos naturais e à busca incessante por lucro. Os eco-migrantes são indivíduos que, de repente, se veem confrontados com uma realidade inimaginável, tendo que abandonar suas rotinas. Portanto, fica evidente a obrigação do Estado de auxiliar as vítimas das mudanças climáticas, cujas causas estão ligadas à falta de medidas sustentáveis por parte do governo.

Ao longo do estudo, ficou claro que os litígios envolvendo deslocamentos ambientais carecem de técnicas legais para efetivar os compromissos constitucionais existentes e sensibilizar os poderes estatais. Nesse sentido, destacou-se o papel da litigância climática como uma ferramenta capaz de chamar a atenção do Estado para essa questão. A tradição constitucional sobre a qual a litigância climática se fundamenta poderia servir como referência para revisar as políticas existentes e desenvolver ações para erradicar a violação sistemática dos ecossistemas.

Conforme evidenciado, a problemática dos refugiados ambientais decorre do desrespeito humano pelos elementos naturais essenciais para o desenvolvimento humano. Os catalisadores dos deslocamentos humanos resultam em realidades diversas dependendo do grau de vulnerabilidade social, evidenciando desigualdades globais e a ineficácia das normas legais que garantem o mínimo necessário para uma vida digna.

Ficou claro que, na ausência de instrumentos adequados, a litigância climática se torna o único e crucial meio para preencher as lacunas no ordenamento jurídico ambiental nacional e internacional. Portanto, o papel desempenhado pelo judiciário hoje é fundamental para desafiar os caminhos trilhados pelas leis existentes e pela falta de ações sustentáveis da indústria, que são os principais impulsionadores da falta de responsabilização e das medidas de mitigação dos deslocamentos populacionais.


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