Judiciário
Barroso: Vamos ter que julgar aqui no STF, se Congresso não regular plataformas digitais
Sob o biombo da liberdade de expressão, há um negócio de ódio, afirmou o presidente do STF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou na última quinta-feira (13/6) que a Corte vai avançar na regulação das plataformas digitais se o Legislativo não se movimentar. A declaração foi dada durante a conferência proferida no IX Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em Curitiba nesta semana.
“Temos que fazer a regulação das plataformas digitais. Espero que venha do Congresso. Mas vamos ter que julgar aqui no Supremo se ela não vier”, disse Barroso. “Infelizmente, a mentira, a agressividade e o sensacionalismo trazem mais engajamento do que fala moderada. Há um incentivo perverso, porque se ganha mais dinheiro fomentando ódio. Sob o biombo da liberdade de expressão, há um negócio de ódio”, acrescentou.
O ministro considera que o mundo chegou a uma realidade em que as pessoas já não compartilham dos mesmos fatos, o que dificulta debates coerentes sobre a realidade. “Cada um cria suas próprias narrativas”, observou. Ele também pontuou que “os excluídos são os mais facilmente envolvidos” nessas narrativas. “Mentir precisa voltar a ser errado”, sentenciou ele, que apontou que a religião tem sido usada de maneira abusiva: “Há a ideia de que o adversário é representante do demônio ou de que quem não votar em determinado candidato não vai para o céu”.
Recessão das democracias
Barroso também fez uma análise da situação da democracia no Brasil e no mundo. Ele ressaltou que a democracia constitucional foi a ideologia vitoriosa do século 20, tendo vencido todas as outras como o comunismo, o nazismo, fascismo e os fundamentalismos religiosos. Segundo dados da Freedom House, na virada para o século 21, a maioria das nações do mundo viviam regimes democráticos.
Contudo, o presidente do STF lamentou que na última década venha ocorrendo uma recessão democrática. “Alguma coisa parece não estar indo bem nos últimos tempos. Vemos a ascensão do populismo autoritário, firmada em líderes carismáticos”, considerou, classificando esse populismo como anti-institucional e antipluralista, pois traz a mensagem de que somente determinado grupo representa o povo e de que as instituições seriam das elites. “Nos países que caem nesse desvirtuamento, as lideranças elegem com frequência como adversários as supremas cortes ou tribunais constitucionais”, continuou.
O antagonismo em relação às cortes constitucionais seguido do enfraquecimento delas foi citado em países como Rússia, Polônia, Turquia, Venezuela e Nicarágua. “Querem cortes submissas que endossem os governos que pretendem fazer”, sintetizou o ministro. Na opinião dele, os Estados Unidos não passaram por esse processo porque lá já se realizou antes um processo de captura da Suprema Corte por conservadores.
Erosão democrática
Em relação ao Brasil, Barroso apresentou uma lista da erosão democrática que ocorreu recentemente: esvaziamento da sociedade civil em órgãos decisórios, como conselhos; desmonte de organizações de proteção ambiental; aumento exponencial de desmatamento da Amazônia; discurso e prática de não demarcação de terras indígenas; imenso negacionismo na pandemia; tentativa de implantação do voto impresso; falsas acusações de fraude eleitoral; utilização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) pra monitorar adversários; incentivo a acampamentos na porta de quartéis; ataques ao STF; e desfile de tanques em Brasília. Tudo isso, segundo ele, culminou no ataque aos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.
“Esta sala foi totalmente devastada por pessoas que se chamam de patriotas”, disse o ministro se referindo ao gabinete da Presidência do STF, de onde proferiu a conferência.
Após descrever o cenário, Barroso considerou que é possível celebrar a volta da normalidade democrática. “Apesar de tudo, as instituições venceram e hoje podemos desfrutar da normalidade democrática. Isso não significa que todos apoiam o governo. Significa que as pessoas não precisam ter medo e podem se manifestar. Significa que os ministros podem decidir contra o governo sem sofrer ataques”, destacou. “O STF conseguiu resistir e sobreviver. Vivemos um momento de progressiva volta à normalidade. Digo progressiva porque ainda estamos julgando o 8 de janeiro, que gera polarização. Mas vida é feita de alternância no poder. Precisamos recuperar a civilidade perdida”, concluiu.