Internacional
Biden revela por que desistiu da eleição presidencial
Após muita especulação, o democrata saiu da corrida eleitoral e indicou Kamala Harris para disputar em seu lugar
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, revelou no último domingo (11/08), durante uma entrevista à CBS, os motivos que o levaram a desistir de um novo mandato presidencial.
“Diferentes colegas democratas, tanto na Câmara como no Senado, pensaram que eu iria prejudicá-los em suas campanhas. Se eu permanecesse na corrida, este seria o assunto. Achei que seria uma grande distração”, revelou Biden pela primeira vez ao canal de televisão.
Além disso, Biden também afirmou que o desempenho eleitoral revelado nas pesquisas o fez mudar de ideia, pois, para o presidente, a democracia é mais importante.
“O mais importante para mim, não estou brincando, é preservar a nossa democracia. Embora seja uma grande honra ser presidente, acho que tenho uma obrigação com o país em fazer o mais importante: precisamos, precisamos derrotar Trump”, disparou Biden.
Tim Walz como vice e a estratégia de Kamala Harris para bater Trump
Os ventos mudaram para o Partido Democrata nos Estados Unidos desde a substituição do atual presidente Joe Biden por Kamala Harris como candidata da legenda à presidência. Agora, com o governador de Minnesota Tim Walz como vice, o que pode ser agregado como valor a uma chapa que vai enfrentar uma disputa ainda duríssima contra o republicano Donald Trump?
A escolha dos democratas se deu após uma evidente ponderação sobre a composição de chapa do adversário. JD Vance como vice republicano surpreendeu alguns analistas por significar uma completa falta de diversidade na chapa, sendo que, na cena política, muitas vezes os vices servem para complementar algo que falta ao titular, buscando novos segmentos do eleitorado.
Trump preferiu um reforço da sua própria retórica, um vice à sua imagem e semelhança que, de certa forma, serviria ainda de escudo para o fato do bilionário ter 78 anos. Em vez de um aceno à moderação, a opção é dar mais gás à base que compõe o trumpismo, já que a mobilização é fundamental em uma eleição na qual o voto não é obrigatório.
Vance é autor do livro de memórias Hillbilly Elegy (Era uma vez um sonho, no título adaptado para o português), de 2016, um sucesso que virou filme. Na obra, ele fala sobre sua vida quando criança e jovem em Ohio, em uma família da zona rural de Kentucky. Uma elegia não só da vida simples do campo, que estaria sendo “desvirtuada” pelos “novos tempos”, como uma apologia da meritocracia, bem ao gosto dos conservadores que entendem a pobreza relacionada à falta de caráter ou, quando relacionada aos homens brancos, aos imigrantes e empresas estrangeiras.
Falando a um sentimento muito bem manipulado pela direita — o ressentimento –, Vance centra seu livro em memórias que se misturam a um contexto de cidades desestruturadas, com os empregos e todo um modo de vida desaparecendo, em meio ao aumento da pobreza e da criminalidade. As mudanças se refletem na sua vida familiar do autor e em pessoas próximas vítimas da dependência de drogas e álcool. A mitificação do passado que casa com o “Make America Great Again”.
Os estados que decidem
A região dos Apalaches, onde Vance cresceu, faz parte do chamado “cinturão de ferrugem” estadunidense, região do país severamente afetada pelo desmonte do setor industrial, que resultou em um fenômeno geral de decadência urbana. Não é coincidência que o vice de Harris também venha de lá, ainda que de um estado que tenha poucos votos no colégio eleitoral.
Se julgada a escolha democrata com as mesmas lentes aplicadas ao vice republicano, em termos estritamente políticos Walz não agrega, já que suas iniciativas progressistas como governador não trariam novos votos e a lógica seria que o vice pudesse cativar um eleitorado mais situado a direita. Aqui também houve o reforço de uma espécie de unidade ideológica contra Trump, e as primeiras declarações do companheiro de chapa de Harris demonstram isso.
Após lembrar de sua carreira como integrante da Guarda Nacional do Exército por 24 anos e de sua carreira como professor, Walz disse, sobre o adversário bilionário: “Ele não sabe nada sobre serviço, porque está muito ocupado servindo a si”. Falou também sobre a questão do aborto, que será central nas eleições de 2024. “Cuide da sua própria vida!”, resumiu, de forma direta, ao público que estava em um comício na Filadélfia.
É esse estilo simples de comunicação que os democratas acreditam ser capaz de seduzir eleitores do mesmo cinturão de ferro que elegeu Trump em 2016. Muitos brincam que Walz, se fosse visto perto de uma convenção republicana, seria facilmente confundido com um eleitor de Trump. Sua imagem e seu estilo são as apostas de Harris para cativar um eleitorado chave.
O que define as eleições presidenciais estadunidenses, indiretas, são os chamados swing states, que não são firmemente republicanos nem democratas, o fiel da balança do pleito. E parte do cinturão de ferro está nesse grupo. Após a desistência de Biden, que as pesquisas apontavam perder ou estar numericamente atrás em quase todos estes estados, o panorama mudou.
Segundo o mapa eleitoral da NPR, a vantagem que Trump tinha nos estados da Carolina do Norte, Geórgia, Arizona e Nevada foi reduzida pela metade desde que Harris assumiu como candidata, o que demonstra o ânimo novo dado pela sua candidatura, em especial nesses locais, ganhando espaço entre eleitores mais jovens e não brancos.
Contudo, pelo mesmo levantamento, Trump mantém pequenas, mas consistentes vantagens nos outros estados. Daí a importância de Harris manter seu ímpeto e, nisso, seu vice pode ajudar.
Por onde o trumpismo vai atacar
Entre as iniciativas tomadas por Walz como governador do Minnesota, estão as verificações universais de antecedentes de armas e uma lei que torna 100% da eletricidade do estado limpa até 2040. Na educação, além de ter aumentado os investimentos em escolas de ensino fundamental, implementou um programa de refeições escolares universais que garante a todos os alunos, de escolas públicas e particulares, café da manhã e almoço gratuitos, independentemente da renda.
Não é à toa, portanto, que Trump já tenha se pronunciado pronunciou, em entrevista à Fox News após o anúncio, afirmando que o vice de Harris era “muito, muito liberal”. “Sabe, ninguém sabia o quão radical de esquerda ela era, mas ele é uma versão mais inteligente dela”, disse, com a misoginia habitual, adicionada ao antiesquerdismo também corriqueiro.
Antes mesmo da escolha, o republicano já havia atacado o governador com a sua também rotineira prática de disseminar fake news em um comício no estado de Walz, em julho. “Todo eleitor em Minnesota precisa saber que quando as turbas violentas de anarquistas, saqueadores e marxistas vieram para incendiar Minneapolis quatro anos atrás… Lembra de mim? Não consegui fazer seu governador agir”, disse Trump à multidão em seu comício em St. Cloud. Ele se referia aos protestos que se seguiram após a morte de George Floyd, em 2020, mas não é verdade que o governador não tenha acionado a Guarda, apesar das objeções dos líderes democratas do estado.
Mas esse é o “novo normal” do Partido Republicano, e não seria diferente com qualquer outro vice democrata. O jogo agora é transparente, cada lado escolheu consolidar ainda mais suas diferenças para o outro com a escolha dos vices. Resta saber o quanto cada um se comprometerá com questões que vão além dos temas que já estão na mesa. Um cenário que era desolador para aqueles que se opõem ao trumpismo se transformou em pouquíssimo tempo. Em um contexto de avanço ou persistência da extrema direita em diversas partes do mundo, não é pouca coisa.