Nacional
O Direito Público não pode atrapalhar: reformulando a gestão pública no Brasil
Estado brasileiro precisa ser transformado para construirmos um futuro digital, verde e inclusivo
No início de 2024, o Fórum Econômico Mundial divulgou relatório destacando que os maiores riscos para a estabilidade global são atualmente as condições climáticas extremas e a disseminação de desinformação. Baseado em análises de mais de 1.400 especialistas em riscos globais, o estudo apresenta também fortes preocupações com a persistência na crise do custo de vida e com a violência.
Nesta semana, na disputada abertura do Congresso Internacional do Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo (CLAD), sediado em 2024 no Brasil, o ministro Jorge Messias, advogado-geral da União, alertou para o crucial papel do Estado nesse cenário de variados riscos, como regulador e como responsável por políticas públicas.
Especificamente no Brasil, um país continental marcado por profundas desigualdades, lidar com esses riscos exige o fortalecimento das capacidades estatais, para a construção de um futuro verde, digital e inclusivo. O Estado brasileiro precisa ser transformado para que esse futuro seja possível.
Nesse contexto, o direito público não pode atrapalhar a gestão pública. Pelo contrário, deve servir como facilitador para a inovação e para a efetividade das entregas à sociedade por meio das políticas públicas. É preciso promover enorme mudança de cultura nas instituições sendo preciso avançar na revisão de marcos normativos antigos, como o Decreto-Lei 200, de 1967.
Na perspectiva da advocacia pública nacional, um dos principais desafios de mudança de cultura é redefinir a relação que nós, advogados públicos, temos com nossos clientes. Precisamos atuar de maneira proativa e colaborativa, para além de uma posição de controladores da legalidade, que faz com que sejamos enxergados como “veto players” no sentido que a literatura de ciência política descreve aqueles que bloqueiam ou dificultam processos de tomada de decisão no contexto de formulação, ou implementação da ação pública.
Em vez disso, os advogados públicos devem cada vez mais ser solucionadores de problemas públicos, muitos dos quais são conhecidos como “wicked problems” devido à sua complexidade e dificuldade de resolução.
Ainda no Congresso Internacional do Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo (CLAD), sediado este ano de 2024 no Brasil, apresentamos uma iniciativa transformadora para a administração pública no Brasil, em painel sobre a Transformação do Estado. O foco da palestra foi a parceria entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), unindo forças para revisar o Decreto-Lei 200, de 1967, e elaborar uma proposta ambiciosa de uma nova Lei Geral da Gestão Pública.
A proposta é no sentido de que a nova legislação não só substitua o desatualizado Decreto-Lei 200, mas também viabilize o redesenho de estruturas e fomente caminhos mais modernos e flexíveis, projetados para transformar a efetividade das entregas do nosso Estado. Formamos uma comissão de especialistas de competência multidisciplinar, que inclui experts em gestão pública e direito público.
Reunimos representantes de nossas instituições, do Ministério do Planejamento e Orçamento e da Controladoria-Geral da União, com acadêmicos renomados e experts da sociedade civil, dedicados a construir um estudo propositivo abrangente e bem fundamentado, a partir de processos de escuta ativa e de reflexões conjuntas.
Pela Advocacia-Geral da União, nossa abordagem na coordenação da Comissão para a revisão do Decreto-Lei 200 é fortemente inspirada pela concepção inovadora já consagrada na nova redação da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
A LINDB propicia uma interpretação mais pragmática e consequencialista do Direito Público, incentivando decisões que considerem os impactos reais e contextuais das situações jurídicas, contribuindo significativamente para a renovação das práticas administrativas.
Nesse sentido, destacamos a formulação do professor Gustavo Binenbojm sobre a necessidade de um duplo giro no direito administrativo contemporâneo. O giro democrático constitucional exige a constitucionalização como inclusão e releitura, com a perspectiva da legalidade transformada no sentido da juridicidade e da busca de segurança jurídica, e a perspectiva da supremacia e da unilateralidade transformada pela prevalência da consensualidade.
Já o segundo giro, chamado de giro pragmático, estaria pautado no antifundacionalismo, no consequencialismo (a exemplo dos comandos dos arts. 20 e 21 da LINDB) e no contextualismo (a exemplo dos comandos dos arts. 22 e 24 da LINDB).
Esses movimentos na hermenêutica e, na prática do Direito Público são essenciais para alinhar as ações administrativas à realidade concreta e contextual, sempre sob a luz dos princípios e valores constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, a AGU tem se dedicado ao desafiador propósito de construir inteligência jurídica de vanguarda, focada em oferecer soluções inovadoras e efetivas para as políticas públicas. Essa busca acentua a necessidade de uma postura proativa da advocacia pública para fortalecer as capacidades estatais, permitindo que a administração pública brasileira atue com mais agilidade e eficácia, promovendo o desenvolvimento econômico e social do país e contribuindo para a redução das desigualdades.
A revisão do Decreto-Lei 200/1967 e a criação de uma nova Lei Geral da Gestão Pública podem representar passos enormes para o avanço da administração pública no Brasil. Nosso objetivo é propor um marco normativo com três pilares:
- Fortalecer capacidades estatais
- Inovar e gerar flexibilidade com foco em entregas das políticas públicas
- Ampliar participação social e zelar pela legitimidade do Estado
Em compromisso com a transformação do Estado e articulados com outras instituições públicas e privadas, continuaremos a trabalhar arduamente para criar um arcabouço técnico-jurídico que facilite as entregas para a sociedade brasileira.
Como disse Nelson Mandela em sua autobiografia: “Depois de escalar uma montanha muito alta, descobrimos que há muitas outras montanhas por escalar”. Sabemos que a ousadia é grande. Estamos prontos para enfrentar esses novos desafios e continuar nossa jornada em busca de um futuro que deve ser verde, digital e inclusivo.