Educação & Cultura
Parcerias na educação municipal: avançar sem governança?
Em entrevista para o jornal Folha de S.Paulo publicada no último dia 15 de novembro, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que pretendia expandir um convênio que considerou bem-sucedido para qualificar a oferta de vagas na educação municipal.
Trata-se de uma parceria celebrada entre a prefeitura e o Liceu Coração de Jesus, colégio que hoje oferece todas as suas vagas de educação infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental para os alunos da rede pública municipal. Localizado na região da cracolândia, o colégio estava prestes a encerrar as atividades quando surgiu a oportunidade da parceria.
Já na edição de 19/11, em nova entrevista para o mesmo jornal, o prefeito deu um passo atrás e sugeriu que o assunto exige uma discussão mais ampla, considerando as limitações impostas pela legislação federal.
Sem dúvida, são muito residuais os espaços de atuação do setor privado na educação pública brasileira. E não estamos nos referindo apenas às regras da Constituição de 1988 e da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), datada de 1996.
Instituído sob o governo Bolsonaro, o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) segue a mesma linha de gestão estatal, notadamente nos níveis de ensino fundamental e médio.
Como principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb direciona a aplicação dos seus recursos, substancialmente, para a remuneração de pessoal vinculado diretamente aos estados e municípios. A proposta de alargar o conceito de profissional de educação, assimilando aqueles que atuam junto às organizações privadas foi bastante discutida e, ao final, rejeitada pelo Congresso Nacional.
A distribuição de recursos do Fundeb considera o número de alunos matriculados nas respectivas redes de educação básica municipais e estaduais. As normas exigem que todas as receitas sejam executadas nos critérios de elegibilidade do fundo. A destinação de recursos para entidades privadas é limitada às instituições filantrópicas que atuem como conveniadas nos seguintes níveis: creches, até 3 anos; ensino infantil, de 4 a 5 anos; educação do campo, por alternância; e educação especial.
Assim, mesmo que o município utilize outras fontes de recursos públicos para financiar parcerias nos demais níveis de ensino (não incluídos nas exceções legais), as respectivas matrículas não serão computadas para o recebimento dos recursos do Fundeb. No caso do Liceu, por exemplo, as matrículas do ensino fundamental não estariam nos critérios legais e, em tese, acarretariam perda de receitas pelo município.
Em sua segunda entrevista para a Folha, o prefeito exaltou, mais uma vez, a rede privada, desta vez enfatizando as vantagens dos convênios utilizados para a oferta de vagas no ensino infantil. Conforme Nunes, o custo por aluno em uma creche na rede conveniada é quase um terço do que está em uma unidade da rede direta.
Ocorre que as últimas auditorias do Tribunal de Contas do Município (TCMSP), de 2021, evidenciaram que a qualidade da rede direta da prefeitura é muito superior à da rede conveniada de creches. São incontáveis as discrepâncias que afetam a qualidade da educação infantil na rede conveniada, segundo o TCMSP, incluindo maior burocracia para inclusão de crianças com deficiência, infraestrutura inadequada, profissionais menos remunerados e mais sobrecarregados, maior rotatividade e falta de atendimento aos padrões estruturais definidos pela prefeitura.
Como se não bastasse, as auditorias e investigações policiais apontam muitas fragilidades no gerenciamento financeiro dessas parcerias, incluindo crônica falta de transparência. Nesse sentido, convém indagar: por qual razão os indicadores apresentados pelo prefeito não estão disponibilizados em uma única plataforma, centralizada, que permita o acompanhamento de metas, resultados e recursos aplicados nas parcerias com o terceiro setor? A discussão sugerida por Nunes é necessária, mas depende de informações públicas mais qualificadas.