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Saiba quais são as dúvidas sobre o plano para matar Moraes
Militares executariam a ação em 15 de dezembro de 2022, mas inquérito da PF não esclarece exatamente o que seria feito
Dentre os episódios citados pela Polícia Federal no relatório de 884 páginas sobre uma tentativa de golpe de Estado no Brasil, chama a atenção aquele que seria o marco da “ruptura democrática”: o plano para sequestrar e matar o ministro do STF Alexandre de Moraes em 15 de dezembro de 2022 com o uso de um lança-rojão, fuzis e outros armamentos.
Leia as 884 páginas do relatório, divididas em 4 partes:
Parte 1;
Parte 2;
Parte 3;
Parte 4
A PF dedica 169 páginas para relatar o caso. No dia planejado para o atentado, 6 integrantes do grupo, incluindo os “kids pretos” –militares das Forças Especiais–monitoraram os passos de Moraes em Brasília. Utilizaram celulares descartáveis e o aplicativo Signal para comunicação. Criaram o grupo “Copa 22”, em alusão à Copa do Mundo daquele ano, e usaram apelidos como “Brasil”, “Alemanha” e “Japão” para evitar o rastreamento. Mas lacunas no relatório deixam dúvidas sobre a exequibilidade da operação (leia mais abaixo).
O PLANO
Segundo as investigações, em 15 de dezembro de 2022, após passar cerca de 1 mês estudando os trajetos do ministro por Brasília, os suspeitos se posicionaram próximos ao STF e à residência oficial de Moraes, em um apartamento na Asa Sul, bairro da capital federal.
Mensagens no grupo “Copa 22” mostram que, a partir das 20h33, os tenentes-coronéis Rafael Martins de Oliveira (Japão) e Rodrigo Azevedo (Brasil) informaram estarem “em posição” para executar o plano. No entanto, tudo foi cancelado às 20h59.
A decisão de suspender a ação teria sido tomada após o grupo descobrir, às 20h53, que a sessão do STF daquele dia havia sido adiada, o que teria comprometido o planejamento da operação. A PF também atribui o fracasso à recusa do então comandante do Exército, general Freire Gomes, em apoiar o golpe.
AS ARMAS
O documento que descrevia a operação “Punhal Verde e Amarelo”, atribuído pela Polícia Federal ao general Mário Fernandes, então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, detalhava o armamento planejado para a captura e execução de Moraes.
Entre as armas listadas estavam: uma metralhadora M249 (calibre 7,62 milímetros ou 5,56 milímetros) com capacidade de disparo de 850 tiros por minuto, 4 fuzis com munição perfurante, 4 pistolas, um lança-rojão e um lança-granadas. O indicativo é de que havia preparativos para confrontos com forças de segurança ou para a invasão de um prédio….
Como detalha o relatório, o grupo usou pelo menos 2 carros na operação: um Palio ano 2008 na cor preta e um Honda HR-V ano 2015, também na cor preta. Mas não há informações sobre se os carros tinham alguma blindagem especial ou adaptação para a missão. O inquérito também não esclarece se as armas mencionadas já estavam em posse dos investigados em 15 de dezembro de 2022 ou se estavam nesses carros.
A CAPTURA DE MORAES
O relatório indica que o grupo tinha noções da rotina de deslocamento de Moraes de sua residência para a sede do Supremo Tribunal Federal e, a partir disso, definiu posições estratégicas para aguardar a chegada do ministro em casa. A distância entre o local e o STF é de cerca de 9 km, ou 15 a 30 minutos de carro, a depender do trânsito.
A investigação mostra que um envolvido com o codinome “Gana” esteve posicionado próximo ao apartamento funcional. O prédio em questão tem vagas do lado de fora –que não são exclusivas de moradores e podem ser usadas livremente – e uma garagem subterrânea privativa.
O inquérito, todavia, não diz como ou onde o ministro seria interceptado ao longo deste trajeto. Também não há informações sobre se a execução seria a sangue frio ou se o ministro seria sequestrado –neste caso, também não se sabe para onde seria levado.
Moraes, como outros ministros do Supremo, tem forte aparato de segurança pessoal armado. Porém, à época, não se deslocava em veículos blindados. Essa exigência foi feita em julho de 2023 após uma discussão com um grupo de brasileiros no aeroporto de Roma, na Itália.
BOLSONARO SABIA DO PLANO?
Após o cancelamento do plano, Rafael Martins, o “Japão”, entrou em contato com o tenente-coronel Mauro Cid, uma figura com proximidade ao então casal presidencial Jair e Michelle Bolsonaro. A mensagem, enviada às 21h05, dizia só “opa”. Mais tarde, às 21h17, Cid respondeu: “Vou mudar de posição”. Em seguida, Rafael Martins tentou realizar uma chamada de vídeo, que não foi atendida, e escreveu: “Tá foda”.
A PF interpreta essa troca de mensagens como um indicativo de que Mauro Cid estava recebendo atualizações sobre a operação, mesmo estando em São Paulo na data. Mas não há indícios de que o andamento do plano tenha sido informado a Bolsonaro nem pelo grupo militar, nem por Cid.
A linha investigativa da PF entende que o golpe de Estado seria consumado com a morte de Moraes e a assinatura de um decreto por Bolsonaro para impor um Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral que anularia o resultado da eleição presidencial de 2022. Depois, um gabinete de crise seria instalado sob o comando dos generais Augusto Heleno e Braga Netto para assessorar Bolsonaro e tentar legitimar a ação, incluindo no Congresso e internacionalmente.
O ex-presidente nega conhecimento do episódio. Em live no Instagram em 23 de novembro, disse: “Vai dar golpe com um general da reserva e 4 oficiais superiores? Pelo amor de Deus. Quem estava coordenando isso? Cadê a tropa? Cadê as Forças Armadas? Não fique botando chifre em cabeça de cavalo”.
A seguir, leia os principais pontos citados:
golpe seria em 15.dez.2022 (pg.21) – o golpe de Estado estava marcado para o dia 15 de dezembro de 2022, quando era esperado que Bolsonaro assinasse o decreto golpista. No mesmo dia, Alexandre de Moraes seria preso e, possivelmente, morto por militares envolvidos no esquema;
fuga do país (pg. 79) – Bolsonaro teria deixado o Brasil no final de 2022 após não conseguir o “apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional” para “evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023”;
Zambelli tentou convencer a FAB (pg.423) – a deputada
federal Carla Zambelli (PL-SP) teria pressionado o então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista Júnior, a aderir ao golpe durante dezembro de 2022. Recebeu uma negativa;
tanques de prontidão (pg. 645) – em uma troca de mensagens entre uma pessoa com o nome “Riva” e Sérgio Cavaliere, Riva afirma a Cavaliere que o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, tinha “tanques no arsenal prontos”. Cavaliere mostra o diálogo para Mauro Cid e pergunta se “confere”. Cid diz: “Mais ou menos”. Depois manda 2 áudios e os apaga – não é possível saber o conteúdo das mensagens de voz;
Lula não sobe a rampa (pg. 752) – a frase consta em um papel com o que parecem ser etapas da “Operação 142”, em referência ao artigo da Constituição; no último item está escrito “Lula não sobe a rampa”;
Bolsonaro sabia de tudo (pg. 843) – a PF diz ter identificado provas ao longo da sua investigação que mostram de forma “inequívoca” que Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava concretizar o golpe de Estado e a abolição do Estado democrático de direito”;
Cid era informante (pg. 843) – segundo a investigação, Bolsonaro recebia atualizações constantes sobre o andamento do plano de golpe por meio de seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, que blindava o então presidente de participação direta;
expectativa persistiu até o 8 de Janeiro (p.848) – mesmo com o golpe não acontecendo na data prevista, os envolvidos seguiram aguardando uma oportunidade. Mauro Cid continuou solicitando informações sobre a movimentação de Moraes ao coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor do presidente. O ministro era identificado pelo codinome “professora”.
ENTENDA
o que aconteceu: o ministro do STF Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório da Polícia Federal que investiga uma tentativa de golpe de Estado no final de 2022. Também enviou o inquérito à PGR;
o que é investigado: um grupo aliado a Jair Bolsonaro (PL) que teria tentado impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O plano seria, segundo a PF, matar Lula, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) e o então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Alexandre de Moraes. A operação teria a participação de militares e usaria armas de guerra e veneno;
quais são as dúvidas: quantas pessoas estiveram envolvidas diretamente se o plano foi efetivamente colocado em curso. Leia aqui o que se sabe e quais são as dúvidas sobre o inquérito;
quem estava envolvido: a investigação, concluída pela corporação na 5ª feira (21.nov), levou ao indiciamento de 37 pessoas. Entre elas, estão: Bolsonaro;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro;
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional);
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Valdemar Costa Neto, presidente do PL.
quais os próximos passos: a manifestação sobre uma possível denúncia da PGR deve ficar para 2025, depois do recesso do Judiciário, que termina em 6 de janeiro.
Fonte: Poder36a