AGRICULTURA & PECUÁRIA
Pesquisa deve impulsionar a produção do Ovino Pantaneiro

Ovelhas e carneiros trazidos pelos europeus deram origem a uma raça de características únicas que se adaptou ao Pantanal, o Ovino Pantaneiro.Pesquisas procuram subsidiar a cadeia produtiva da raça gerando protocolos sanitários e identificando marcadores genéticos para o seu melhoramento.Impulso nessa cadeia é capaz de aumentar a renda de produtores que hoje não conseguem abastecer a demanda localRaça apresenta resistência a doenças e baixa exigência nutricional, o que reduz custos de produção da carne que é mais valorizada que a bovina.Criação ovina no Pantanal ocorre sem pressionar o bioma.Setor ainda precisa de estrutura para abate e comercialização em maior escala. |
A crescente demanda por carne ovina no Brasil abre espaço para uma nova alternativa de produção no Pantanal: a criação do Ovino Pantaneiro. Estudos liderados pela Embrapa Pantanal (MS) indicam que essa variedade, adaptada ao bioma há séculos, pode impulsionar a ovinocultura na região sem causar impacto ambiental significativo. Os trabalhos se dão no âmbito do projeto “Estratégias para o desenvolvimento de soluções genéticas para sistemas de produção de carne de ovinos no Brasil”, coordenado pela Embrapa Caprinos e Ovinos (CE).
A principal aposta da pesquisa é o melhoramento genético dos rebanhos, selecionando animais mais resistentes a doenças e com características favoráveis à produção de carne. “As pesquisas em desenvolvimento têm como objetivo caracterizar os Núcleos Pantaneiros a fim de fornecer um painel detalhado da diversidade genética em Mato Grosso do Sul. Com isso, pretendemos fornecer subsídios para os programas de manejo e melhoramento genético”, explica a pesquisadora da Embrapa Adriana Mello.
Os trabalhos incluem a caracterização genética da espécie e a busca por marcadores que favoreçam rusticidade, prolificidade e resistência a verminoses. Além disso, novas estratégias estão sendo testadas para aprimorar a nutrição e o manejo sanitário dos rebanhos. “O Ovino Pantaneiro já possui alta adaptação, mas queremos garantir que ele tenha desempenho produtivo superior sem perder essas características naturais”, acrescenta Mello.
A História do Ovino PantaneiroA raça adaptada tem origem no Pantanal, bioma singular que exerce seleção natural intensa nos animais domésticos naturalizados. Devido às condições ambientais da planície alagada, os ovinos pantaneiros sul-mato-grossenses desenvolveram características adaptativas e produtivas que justificam a sua conservação. Esses animais são descendentes das raças trazidas pelos colonizadores portugueses e espanhóis logo após a descoberta do Brasil, desde o ciclo econômico das Charqueadas, com exemplares trazidos pela fronteira Oeste do Brasil na colonização Espanhola.Anos de cheias, vazantes, secas e geadas se passaram e rebanhos de ovinos em lugares remotos sobreviveram, geração após geração, dando origem ao que é conhecido hoje como o Ovino Pantaneiro (OP). Por cinco séculos, esses animais se multiplicaram, com mínima interferência do homem, sendo fortemente influenciados pelo processo de seleção natural. A ovelha pantaneira é exemplo de animal adaptado mantido ao longo do tempo como fonte de alimentação e produção de couro e lã.Desde 2005, esses animais vêm sendo estudados por uma rede regional formada pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a Universidade Anhanguera (Uniderp), a Universidade Estadual Mato Grosso do Sul (UEMS) e a Embrapa, por meio do Centro de Pesquisa Pantanal. A Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect-MS) financiou os trabalhos de pesquisa.O trabalho científico ainda pretende prevenir a extinção da raça, pelo risco de ela ser substituída por raças exóticas. Foram adquiridos no passado mais de 300 animais “pantaneiros” provenientes de criações do alto (Planalto) e baixo pantanal (Pantanal) sul-mato-grossense.Atualmente, os rebanhos são mantidos em sistemas extensivos, convivendo com bovinos e equinos em pastagens nativas. Essa criação associada tem semelhanças com sistemas produtivos do Semiárido nordestino e pode ser uma alternativa viável para pequenos e médios produtores do Pantanal. A baixa exigência nutricional e a resistência a doenças reduzem os custos de produção, tornando a atividade mais acessível para agricultores familiares. |
Desafios atuais
Apesar do potencial produtivo, desafios ainda impedem o crescimento da atividade. A falta de estrutura para abate e comercialização é um dos principais entraves. “Corumbá, que concentra o maior rebanho ovino de Mato Grosso do Sul, não tem abatedouro próprio. Isso dificulta a formação de uma cadeia produtiva organizada”, conta Mello. Para os produtores, essa limitação significa custos adicionais com transporte e dependência de frigoríficos distantes, tornando a atividade menos competitiva.
Outro problema é o manejo sanitário, que ainda carece de padrões definidos. Muitos produtores realizam vermifugação sem critérios técnicos, o que pode gerar resistência parasitária e comprometer a produtividade dos rebanhos. O calendário vacinal dos animais também precisa de critérios técnicos de adoção. Para enfrentar essa questão, pesquisadores desenvolvem protocolos sanitários específicos para a região, buscando alternativas naturais para o controle de verminoses e doenças tropicais.
Segundo o gestor da Cadeia ovino e caprinocultura do estado, Márcio Henrique Boza, o principal desafio agora é organizar os produtores e as produções para atender as demandas da indústria e consumidores. Ele conta que o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul desenvolveu um programa de incentivo financeiro para o desenvolvimento da atividade nas propriedades. Outra solução foi a criação das Propriedades de Descanso de Ovinos para Abate (PDOA), para viabilizar abates coletivos, nas quais é possível concentrar animais prontos para o abate de mais de um produtor para a formação de lotes viáveis à indústria.

Carne de valor superior à bovina, e de menor custo de produção
O impacto socioeconômico da ovinocultura no Pantanal pode ser significativo. Pequenos produtores que já investiram na criação do Ovino Pantaneiro relatam bons resultados, como aumento na renda e maior estabilidade financeira. “A carne ovina tem valor de mercado superior à bovina, e os custos de produção são menores. Com incentivos adequados, a ovinocultura pode se tornar uma excelente fonte de renda para famílias pantaneiras”, afirma o produtor João Pedro Rocha, que possui um rebanho de 200 cabeças na região.
Para incentivar a produção, o governo de Mato Grosso do Sul lançou programas de apoio financeiro e logístico, como o Proape Ovinos, que busca estruturar a cadeia produtiva e viabilizar o abate coletivo de pequenos criadores. “Nosso objetivo é organizar os produtores para atender à demanda da indústria e do consumidor”, explica Márcio Henrique Boza, gestor da cadeia de ovinocultura no estado.
A carne ovina tem mercado crescente no Brasil, mas a produção nacional ainda é insuficiente para atender à demanda. Atualmente, cerca de 50% da carne consumida no Centro-Oeste é importada de estados como Rio Grande do Sul ou de países como Argentina e Uruguai. “Isso mostra a oportunidade que temos para expandir a criação e consolidar a produção local”, avalia o produtor Carlos Henrique Evangelista, que pretende introduzir o Ovino Pantaneiro em sua propriedade.
Os pesquisadores também exploram o potencial da carne do Ovino Pantaneiro para nichos específicos de mercado, como consumidores que buscam produtos de origem sustentável e com rastreabilidade garantida. “O conceito de carne de terroir tem atraído a atenção de chefs e restaurantes especializados, o que pode agregar valor à produção regional”, aponta Mello.
O futuro da ovinocultura no Pantanal depende da consolidação da raça e da estruturação da cadeia produtiva. A pesquisa continua para garantir que o Ovino Pantaneiro se torne um diferencial competitivo para os criadores da região. Com potencial produtivo e adaptação ao bioma, a raça pode ser uma alternativa sustentável para a pecuária pantaneira e uma solução para fortalecer a oferta de carne ovina no Brasil.
Características do Ovino Pantaneiro A pesquisadora Adriana Mello conta que a adaptação desses animais ao ambiente ao longo do tempo moldou características únicas a esses ovinos, como a distribuição da lã no corpo, com pouca ou nenhuma lã nas pernas, barriga e pescoço – locais que permaneceriam mais tempo molhados por se locomoverem em locais repletos de água e de vegetação densa.O seu porte é médio, refletindo menor necessidade de mantença nas condições de obtenção de alimento no pantanal e também agilidade de locomoção. A condição corporal desses ovinos apresenta outra característica física diferenciada: à primeira vista, leva à impressão de estarem sempre magras. “Isso revela não terem exigências calóricas elevadas, não acumulando gordura em excesso”, explica a cientista.Tanto os machos como as fêmeas são precoces e não possuem sazonalidade reprodutiva, assim, nas fazendas do pantanal, o nascimento de cordeiros pode ser controlado ao longo de todo o ano de acordo com a pesquisadora. “Esses cordeiros nascem com peso médio de três quilos e, após a desmama (entre 70 e 84dias), quando submetidos a sistemas intensivos como confinamento ou semi-confinamento respondem bem, sendo abatidos por volta dos cinco meses de idade com peso entre 30 kg e 35 kg. |