Educação & Cultura
Utilize o registro reflexivo nas aulas de matemática
Entenda os benefícios e confira sugestões e exemplos de como fazer esse tipo de documentação
Novo semestre, novas oportunidades para (re)pensar as práticas pedagógicas e atender às diversas demandas da sala. Um caminho é o registro reflexivo, do qual sou uma grande adepta. Ele é resultado de minha trajetória formativa e posso dizer que foi um dos responsáveis pelo meu Prêmio Educador Nota 10.
Os encontros do Observatório de Educação, grupo de estudo da Universidade da Universidade de São Francisco, em Itatiba (SP), me permitiram rever a forma de documentar minhas experiências. Por meio de trocas com colegas e muitos estudos, aprofundei meus conhecimentos e tornei o registro parte de minha rotina.
Retomando o conceito
A ideia de registrar se relaciona com a perspectiva de que escrever, parafraseando Clarice Lispector, permite aprofundar e ver os fatos como realmente são – “escrevo porque à medida que escrevo vou me entendendo e entendendo o que quero dizer, entendo o que posso fazer”.
No que se refere a nós, educadores, escrever sobre a aula permite compreender como estamos fazendo, o que precisamos manter e aquilo que devemos mudar. O exercício é uma importante ferramenta para pensar sobre o nosso fazer. Pode parecer difícil no início, mas depois verá que não é.
Em 2004, Miguel Zabalza em seu livro Diários de Aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional apontou a necessidade de “escrever sobre o que estamos fazendo como profissional (em aula ou em outros contextos) é um procedimento excelente para nos conscientizarmos de nossos padrões de trabalho. É uma forma de distanciamento reflexivo que nos permite ver em perspectiva nosso modo particular de atuar […] e aprender” (pág. 10)
Nessa linha, as narrativas de aula geram muitas reflexões com base no diálogo estabelecido entre o professor e a descrição de suas experiências. Independentemente do tipo do registro, o importante é começar.
O ideal seria ter um coordenador, gestor ou um grupo de colegas que acompanhassem você nessa trajetória para juntos investirem nessa escrita reflexiva. Hoje é possível formar um grupo de WhatsApp com colegas de outras escolas e promover estas trocas. Entretanto, se estiver sozinha ou sozinho nesta empreitada, ainda será uma experiência de muitas aprendizagens.
Como implementar na prática
Como começar? Trago três sugestões pautadas em minha experiência. Vamos a elas:
– Registro no semanário ao final da semana
Escolha uma aula de Matemática da semana para registrar. Procure, após a aula, fazer algumas anotações do que aconteceu. Ao escrever, você estará refletindo sobre o ocorrido e percebendo o quanto poderá avançar num próximo momento.
Compartilho aqui um de meus registros sobre o trabalho com a altura dos alunos e outro com o uso do dominó. Como podem ver, ao descrever o que havia acontecido, foi possível pontuar aspectos que necessitava continuar trabalhando e ter um olhar especial para os estudantes que precisavam de mais atenção.
– Escrita com base em fotos e vídeos
Antes de escrever, utilize o registro por meio de vídeos ou fotos. Para tal, coloque o celular num canto para gravar. Eu costumo utilizar o recurso para documentar o momento de socializar.
Depois, em sua casa ou em seu momento formativo, ouça com atenção a gravação e anote os pontos mais relevantes. Você irá perceber o que deu certo e o que faltou. No meu caso, por exemplo, eu identificava o que deixei passar e os questionamentos que poderia ter feito. Eu registro todas essas reflexões em meu semanário – ora transcrevendo as falas a fim de refletir sobre a melhor maneira de perguntar sem induzir, ora pontuando o que poderia ser melhorado. Deixo aqui o registro sobre o quadro de números feito a partir de uma videogravação.
– Narrativas de aula
No livro Práticas de Letramento Matemático nos Anos Iniciais, a professora Adair Nacarato traz as narrativas de aula como práticas de (auto)formação, que revelam as trajetórias vivenciadas em sala de aula. “No ato da escrita, a busca, nas práticas vividas, de elementos significativos para serem narrados constitui dispositivo de autoformação, pois no momento de redigi-los, o professor reflete sobre suas trajetórias e produz sentidos para o vivido e o experienciado” (pág. 49)
Escrever as narrativas é a possibilidade de revisitar a prática em diferentes momentos e se ver sob diferentes olhares. Esse exercício favorece a reflexão e encontrar formas diferentes de desenvolver as habilidades matemáticas.
Compartilho também uma das minhas narrativas sobre o uso do material Cuisinaire, barrinhas de diferentes tamanhos feitas de madeira. Além de descrever como a proposta foi trabalhada, verá que trouxe os questionamentos e as aprendizagens tanto das crianças quanto das minhas.
A intencionalidade do registrar
Você já deve ter percebido que por trás disso tudo está a intencionalidade do registro, a qual, por sua vez, está conectada à intencionalidade do professor.
Ao registrar, reflito, construo sentidos, percebo aspectos importantes de minha prática e de como a turma está aprendendo. O exercício visibiliza novos caminhos e estratégias para trabalhar a Matemática.
Aprendo a ouvir a fala do outro, a ter um olhar mais atento para as dificuldades, a redirecionar as ações e a avaliar a prática. Como escrevi em parceria com minha colega e amiga, Rosana Lima, o registro possibilita aprofundar a nossa ação investigativa sobre o fazer pedagógico, ter um olhar mais consciente e reflexivo sobre nossas intervenções.
E você tem utilizado o registro como mais uma estratégia para aprimorar o processo de ensino e aprendizagem? Conte para mim aqui nos comentários.
Até a próxima!
Selene
Selene Coletti é professora há 40 anos na rede pública. Atuou na Educação Infantil e foi alfabetizadora por 10 anos, lecionando do 1º ao 5º ano. Em 2016, foi uma das ganhadoras do Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, com o projeto “Mapas do Tesouro que são um tesouro”, na área de Matemática. Foi diretora de escola e recebeu, em 2004, o Prêmio “Gestão para o Sucesso Escolar”, do Instituto Protagonistes/Fundação Lemann. Atuou como coordenadora do Núcleo de Formação Continuada e também como formadora da Educação Infantil na Prefeitura de Itatiba (SP). Atualmente é vice-diretora da EMEB Philomena Zupardo, em Itatiba.