CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Produção de biogás e biometano: novas apostas para o mercado de energia limpa
Análise da tributação e dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS
Fontes de energia limpa e sustentável, com um gigantesco potencial de crescimento e subutilizados no Brasil, o biogás e o biometano podem ser um dos principais aliados para as empresas que desejam alcançar as metas de redução da emissão de gases do efeito estufa.
Pautados na aplicação dos pilares da estratégia ESG (Environmental, Social and Governance), grupos empresariais em todo o mundo buscam a chamada neutralidade de carbono, atingida quando há equivalência entre as emissões e a absorção de carbono a partir de sistemática ambientalmente natural, resultando em saldo neutro de carbono liberado na atmosfera.
Para se atingir a neutralidade de carbono, as empresas podem comprar créditos de carbono de outras pessoas jurídicas que conseguiram reduzir as suas emissões, ou investir na transformação da produção interna para a geração de fontes de energia limpa e renovável, convertendo o passivo ambiental em ativo energético 100% renovável, a exemplo do que ocorre com o biogás e biometano.
Trata-se de combustíveis renováveis, fontes de energia elétrica e térmica produzidos a partir de lixo doméstico orgânico, resíduos industriais de origem vegetal ou animal ou esterco de animais. O biogás é extraído a partir da decomposição dos materiais orgânicos, e o biometano é obtido a partir da purificação do biogás, com o auxílio de biodigestores (equipamentos que possibilitam a degradação dos resíduos orgânicos).
No Brasil, os setores com maior potencial de produção são o sucroalcooleiro, agropecuário e de saneamento, respectivamente. Segundo dados da Associação Brasileira de Biogás – Abiogás, a geração de biogás poderia suprir 35% da demanda de energia elétrica e o biometano 70% do consumo de óleo diesel no país[1], caso todos os resíduos produzidos pela agropecuária e pelo saneamento tivessem aproveitamento energético.
Do ponto de vista normativo, o Governo Federal tem implementado medidas para incentivar a produção dos biocombustíveis no país. Em março de 2022, foi publicado o Decreto n° 11.003/22, que criou a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano, com o objetivo de (i) incentivar programas e ações para reduzir as emissões de metano, (ii) fomentar o uso de biogás e biometano como fontes renováveis de energia e combustível e (iii) contribuir para o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil em acordos internacionais.
Ainda, em 19 de maio de 2022, por meio do Decreto nº 11.075/22, foi instituído o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SINARE), que servirá de central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, além de terem sido estabelecidos os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas.
Apesar da implementação da estrutura normativa e do enorme potencial de produção, a geração de biogás e biometano é pouco explorada no Brasil. Além do desconhecimento técnico quanto aos benefícios trazidos pelo reaproveitamento do passivo ambiental, o setor enfrenta desafios em razão do pouco incentivo governamental, principalmente sob a ótica fiscal/tributária.
No âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária) foram editados Convênios ICMS autorizando alguns Estados a conceder benefícios fiscais relacionados à produção de biogás e biometano, a seguir mencionados.
O Convênio ICMS 112/13 autoriza os Estados da Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo a concederem redução de base de cálculo do ICMS nas saídas internas com biogás e biometano, de forma que a carga tributária do imposto resulte na aplicação do percentual de 12% sobre o valor da operação.
Já o Convênio ICMS 63/15 autoriza que os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina concedam crédito presumido de até 12% calculados sobre o valor das aquisições internas de biogás e biometano realizadas por empresas responsáveis pela distribuição do gás natural canalizado nestas unidades federadas (substituindo os créditos ordinários escriturados na entrada).
Por sua vez, o Convênio ICMS 06/19 autoriza os Estados do Pará e Paraíba a conceder isenção do ICMS nas saídas internas de biogás proveniente de aterros sanitários quando utilizado como matéria-prima na geração de energia elétrica.
Por fim, o Convênio ICMS 151/21 autoriza que os Estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí e Santa Catarina concedam isenção do ICMS incidente nas operações internas, bem como do DIFAL com os produtos cujos NCMs se encontram listados no referido Convênio, quando estes forem destinados à geração de energia elétrica a partir do biogás (autorizando os Estados a não exigir o estorno do crédito na entrada).
Porém, para efeitos de aplicação dos benefícios fiscais previstos, considerando a natureza autorizativa dos Convênios editados, não há força impositiva que obrigue as Unidades da Federação a adotarem as medidas por eles aprovadas. Assim, a internalização dos benefícios fica a critério e conveniência de cada Estado.
Dentre os Estados que já internalizaram os benefícios aprovados pelo CONFAZ, podemos citar os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que, com base no Convênio ICMS 112/13, reduziram a base de cálculo do ICMS incidente nas saídas internas de biogás e biometano de forma que a carga tributária corresponda ao percentual de 13,3% sobre o valor da operação (art. 69 do Anexo II do RICMS/SP) e 12% (art. 1º da Lei 9.635/22/RJ), respectivamente.
Destaque-se, também, a internalização do Convênio ICMS 63/2015 pelo Estado do Rio Grande do Sul, concedendo às empresas responsáveis pela distribuição de gás natural crédito presumido no percentual de 12% sobre o valor das aquisições internas de biogás e biometano (art. 32, Livro I, CXCVII do RICMS/RS).
Instado a se manifestar acerca da possível internalização da isenção prevista no Convênio 151/21, o Estado do Mato Grosso, por meio de Resposta à Consulta informal realizada pelas autoras, reforçou que referida isenção contempla apenas os equipamentos para geração de energia elétrica a partir do biogás e não para a comercialização da energia elétrica fabricada. Ademais, pontuou que a implementação do benefício será realizada por meio de Lei Estadual, ainda não editada.
Portanto, o que se percebe da análise trazida acima é que, em parte dos Estados nos quais os setores sucroenergético e do agronegócio possuem relevante expressão econômica, as iniciativas para o incentivo ao biogás e biometano vêm sendo gradualmente internalizadas, o que tende a alavancar a produção dos biocombustíveis.
Ademais, considerando a importância do biogás e do biometano para a promoção da eficiência energética e da sustentabilidade dos setores produtivos, as entidades representativas têm trabalhado para que haja a ampliação dos benefícios fiscais na aquisição de matérias-primas, material intermediário, ativo imobilizado e uso e consumo, bem como a equiparação da carga tributária no fornecimento de energia elétrica/térmica e do biogás/biometano com a praticada em outros setores similares.
Assim, em que pesem os benefícios fiscais de ICMS por ora concedidos, que sem sombra de dúvidas estimulam a produção do biogás e biometano, a expectativa é de que haja a concessão de benefício que estimule não só a produção, mas também desonere a comercialização de tais produtos, como eventual isenção concedida sobre as vendas.
Apenas com o fortalecimento de políticas públicas, especialmente na forma de incentivos e benefícios fiscais, o poder público fortalecerá o desenvolvimento de uma economia sustentável, com a diversificação da matriz energética nacional.