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Lei das Fake News: o que é?
Nas últimas semanas, um tema que tem gerado muita discussão é a chamada Lei das Fake News (PL 2.630/2020). Devido aos intensos debates provocados a nível nacional, nesse texto, te explicaremos os principais pontos abordados pela projeto de lei.
O que é a Lei das Fake News?
Em maio, foi apresentado no Senado Federal o PL 2.630/2020. Também denominado como Lei das Fake News, o projeto de lei foi proposto pelo Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA – SE) e definido como a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
A votação da proposta estava marcada para o início de junho. No entanto, até então, o projeto não havia recebido um parecer de seu relator, o Senador Angelo Coronel (PSD – BA). Além disso, devido à falta de consenso entre os senadores e as divergências apresentadas pela sociedade, a votação foi adiada até que ocorresse no dia 30 de junho. Através de uma sessão virtual, o texto final do PL foi aprovado com 44 votos favoráveis e 32 votos contrários, seguindo para tramitar na Câmara dos Deputados.
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Destaques principais
Desde a apresentação do texto inicial até a votação, o PL recebeu 152 emendas. Após as intensas manifestações da sociedade e as discussões promovidas durante as sessões, o projeto sofreu importantes modificações em relação ao seu conteúdo inicial.
Aprovada pelo Senado Federal, a versão final do texto nos indica no caput de seu art. 1º que a Lei
estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada a fim de garantir segurança, ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento.
A matéria exclui das suas determinações provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada com menos de dois milhões de usuários brasileiros registrados. Nesse ponto, vale lembrarmos que mídias como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp e Telegram, amplamente utilizadas no Brasil (com dezenas de milhões de usuários), deverão se enquadrar às novas regras.
Conforme a proposta, a Lei das Fake News busca a aplicação de um programa de boas práticas a partir de “medidas adequadas e proporcionais no combate ao comportamento inautêntico e na transparência sobre conteúdos pagos”. Para tanto, em seu art. 3º, o texto estabelece que devem ser protegidos princípios como:
a) a liberdade de expressão e de imprensa;
b) a garantia dos direitos de personalidade, dignidade, honra e privacidade;
c) o respeito à formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal do usuário;
d) o compartilhamento da responsabilidade de preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática;
e) a garantia da confiabilidade e da integridade de sistemas informacionais;
f) a promoção do acesso ao conhecimento de assuntos de interesse público;
g) a proteção dos consumidores; e
h) a transparência nas regras para anúncios e conteúdos patrocinados.
Após as pressões sociais das últimas semanas, que alertavam para os riscos do PL 2.630/2020 à liberdade dos usuários frente à rede, podemos destacar que a versão final aprovada pelo Senado Federal destaca entre seus objetivos “a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online” (art. 4º, II).
Medidas de responsabilidade
Como medidas de responsabilidade, as redes sociais e os serviços de mensageria privada devem vedar o funcionamento de contas inautênticas e de contas automatizadas não identificadas (ou seja, cuja automatização é desconhecida por provedores e usuários), além de definir que conteúdos patrocinados devem ser identificados para todos os usuários.
Vale destacar, ainda, que outra medida a ser tomada é a restrição, através de políticas de uso, do número de contas por usuário (art. 6º, § 5º). Além disso, o texto permite que sejam exigidos dos usuários a sua identificação por meio de documento de identidade válido, em caso de descumprimento às determinações da Lei ou por ordem judicial específica.
No caso de contas em desacordo com a legislação, os provedores responsáveis por plataformas virtuais (como o Twitter, por exemplo) também devem tornar públicas informações e documentos relacionados às contas identificadas. Publicações com conteúdos considerados inapropriados (como incitação à violência, exploração sexual infantil ou fake news contra candidatos) poderão ser excluídos imediatamente após a sua postagem.
Novas práticas da Lei das Fake News
Entre as inovações previstas pela matéria, os serviços de mensageria privada deverão possibilitar aos usuários que aceitem ou rejeitem a sua inclusão em grupos de mensagens e listas de transmissões, além de que deverão desabilitar, por padrão, a inclusão de usuários no encaminhamento de mensagens para múltiplos destinatários (art. 9º, III, IV). Porém, permanecem exigidos o limite de encaminhamentos de uma mesma mensagem a usuários ou grupos (no WhatsApp, esse limite é de cinco encaminhamentos), bem como o número máximo de 256 membros por grupo de mensagens.
Para fins judiciais, torna-se obrigatório que as redes sociais detenham a guarda de registros de envios massivos de mensagens para mais de mil usuários e cujo conteúdo tenha sido identificado como ilícito. Além disso, é vedado o uso e a comercialização de ferramentas externas de disparo em massa de mensagens, devendo os provedores de aplicação coibi-las, dentro de seus limites técnicos.
Relatórios
Conforme a versão final do texto, as redes sociais e os serviços de mensageria privada passam a ter a responsabilidade de publicar, trimestralmente, relatórios de transparência com padrões tecnológicos abertos, contendo uma série de informações relacionadas ao programa de boas práticas proposto pela Lei.
Além da obrigatoriedade em apontar possíveis redes artificiais de disseminação de conteúdo e em permitir o compartilhamento facilitado de dados com instituições de pesquisas acadêmicas, conforme o art. 13 do PL, os relatórios devem conter, no mínimo, informações com números totais:
a) de usuários brasileiros e de usuários localizados no Brasil;
b) de medidas de moderação de contas e conteúdos adotadas, com a motivação e o tipo de metodologia utilizada na detecção da irregularidade;
c) de contas automatizadas, redes de distribuição artificial, conteúdos impulsionados e publicitários não identificados, com as medidas, motivações e tipo de metodologia adotadas para a detecção da irregularidade;
d) de medidas de identificação de conteúdo e os tipos de identificação, remoções ou suspensões que foram revertidas pela plataforma;
e) de características gerais do setor responsável por políticas aplicáveis a conteúdos gerados por terceiros, incluindo informações sobre a qualificação, a independência e a integridade das equipes de revisão de conteúdo por pessoa natural;
f) de médias de tempo entre a detecção e a adoção de medidas em relação às contas ou conteúdos;
g) de dados relacionados a engajamentos ou interações com conteúdos que foram identificados como irregulares, incluindo número de visualizações, de compartilhamentos e alcance; e
h) de atualizações das políticas e termos de uso feitas no trimestre, a data da modificação e a justificativa para a sua adoção.
Além disso, torna-se obrigatória a garantia de acesso à informação e à liberdade de expressão dos usuários quanto à elaboração e aplicação dos termos de uso de redes sociais e serviços de mensageria privada.
Para tanto, a matéria propõe o combate à disseminação de desinformação e às redes artificias de distribuição de conteúdos, principalmente através do desencorajamento de compartilhamento de conteúdos inautênticos, à medida que também busca defender o fomento à diversidade de informações, desde que livre de automatização.
Questões eleitorais
Sob as exigências da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/1997), o PL prevê que as redes sociais disponibilizem à Justiça Eleitoral todos os anúncios identificados como propaganda eleitoral e que tenham sido impulsionados, além de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido, identificando características gerais como: valores gastos para propaganda na internet; CNPJ ou CPF do responsável pela contratação da propaganda; e tempo de veiculação da propaganda.
De acordo com o art. 16 da matéria:
Art. 16. Os provedores de redes sociais devem disponibilizar mecanismos para fornecer aos usuários as informações do histórico dos conteúdos impulsionados e publicitários com os quais a conta teve contato nos últimos 6 (seis) meses.
Responsabilização do poder público
Quanto ao poder público, o PL estabelece uma série de responsabilidades relacionadas à Administração Pública brasileira. Conforme o art. 18, tornam-se de interesse público as contas de agentes políticos ocupantes de mandatos eletivos. Nesse caso, ficam sujeitas as contas oficiais de vereadores, deputados estaduais/distritais, deputados federais e senadores, bem como de prefeitos e vice-prefeitos, governadores e vice-governadores e presidente e vice-presidente, além de outros cargos de gestão de órgãos públicos diretos e indiretos.
No entanto, o art. 24 do PL resguarda:
Art. 24. É vedado perseguir e de qualquer forma prejudicar o servidor público em função de conteúdo por ele compartilhado em caráter privado, fora do exercício de suas funções e que não constitua material cuja publicação tenha vedação prevista em lei.
Além disso, o texto cria o Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, que deverá ser composto por 21 conselheiros, com indivíduos de diferentes setores da Administração Pública e da sociedade civil e que ficará responsável pelo acompanhamento das medidas estabelecidas pela proposta.
Sanções
De acordo com o Capítulo VI do PL 2.630/2020, que trata das sanções:
Art. 31. Sem prejuízo das demais sanções civis, criminais ou administrativas, os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada ficam sujeitos a:
I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; ou
II – multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício.
§1º Na aplicação da sanção, a autoridade judicial observará a proporcionalidade, considerando a condição econômica do infrator, as consequências da infração na esfera coletiva e a reincidência.
§2º Para os efeitos desta Lei, será considerado reincidente aquele que repetir no prazo de 6 (seis) meses condutas anteriormente sancionadas.
Além disso, para o caso de aplicação de multas, observamos que no art. 33 da matéria que “os valores das multas aplicadas com base nesta Lei serão destinados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e serão empregados em ações de educação e alfabetização digitais”.
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Debates e argumentos
Como visto, a versão final do PL 2.630/2020 estabelece uma série de medidas válidas para redes sociais e usuários com a intenção de coibir o compartilhamento de desinformações na internet.
No início do artigo, mencionamos que a Lei das Fake News tem dividido opiniões entre a sociedade e os parlamentares envolvidos no processo de construção da proposta. Por esse motivo, destacamos os principais argumentos favoráveis e contrários ao projeto de lei, que têm sido manifestados por diversos usuários nas principais redes sociais utilizadas no Brasil e que foram expostos nas sessões virtuais do Senado Federal.
Argumentos favoráveis
Entre os usuários que apoiam a aprovação da Lei das Fake News, podemos destacar que há o entendimento de que é necessário o combate à desinformação nos ambientes virtuais de interação social, sobretudo as redes sociais. Além disso, há o reconhecimento da dificuldade de muitos indivíduos em identificar conteúdos desinformativos, devido à comum realidade de grande parte dos usuários, que utilizam as redes sociais apenas como meio de entretenimento, sem colocar todos os conteúdos que veem sob análise crítica.
Outra questão apontada em favor da proposta trata da proteção das privacidades individual e coletiva na internet, que deverá ser assegurada após a Lei entrar em vigor, caso seja aprovada no Congresso Nacional. Por fim, também ganharam destaque a necessidade de controle do disparo massivo de mensagens (que hoje ocorre através de redes de disseminação artificial de conteúdos) e a preocupação com a propaganda irregular de candidatos a cargos eletivos, em períodos eleitorais.
Argumentos contrários
Por outro lado, em oposição às propostas do PL 2.630/2020, os usuários contrários à sua aprovação destacam, em primeiro lugar, a falta de consenso sobre o assunto, visto que não existe hoje uma visão única que garanta a eficácia do poder público em aplicar às determinações da Lei das Fake News.
Outra questão é a possibilidade de cerceamento dos usuários frente à rede e o risco à liberdade de expressão em um ambiente plural, já que, conforme a proposta, as redes sociais poderão exigir apresentação de documento de identidade válido aos usuários (em casos específicos, como abordado ao longo do texto) e, além de cobrar uma série de informações a partir dos relatórios periódicos que serão apresentados pelas redes sociais, o Estado deverá realizar a checagem e o controle de mensagens consideradas inadequadas e/ou desinformativas.
Considerações finais
Hoje reconhecemos que, ao longo das últimas décadas, a disseminação do acesso ao mundo digital por pessoas de diferentes classes socioeconômicas tem contribuído para a ampliação do envolvimento da sociedade na esfera pública.
Diante desse cenário, as redes sociais assumiram um importante papel no compartilhamento de ideias e conteúdos por pessoas comuns, permitindo com que os cidadãos assumam todos os dias posições de protagonismo frente à realidade. A partir do surgimento de ferramentais digitais de participação política, a internet foi transformada em um instrumento importante de exercício do poder pelo povo.
Entre outros benefícios, as ferramentas digitais possibilitam com que os cidadãos tenham acesso àquilo que antes estava restrito à elite política e permitem com que a própria sociedade, munida de informações e conhecimentos, promova debates e dialogue com maior frequência tanto com o poder público quanto com outros setores sociais. Em especial, podemos destacar as conquistas obtidas através da Lei nº 12.527/2011, denominada de Lei de Acesso à Informação (ou, simplesmente, LAI).
A LAI determina um conjunto de obrigações aos órgãos e entidades do poder público quanto à divulgação de informações, dados e documentos para livre acesso da população, principalmente por meio de canais digitais (excetuando-se casos previstos como imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado).
Logo, observamos que, através de mecanismos como os que são oferecidos pela LAI, a sociedade brasileira pode participar de forma democrática da vida política do país e cobrar cada vez mais responsabilidade do poder público, utilizando-se da conexão e da interação proporcionadas pelos canais digitais, sobretudo as redes sociais e os serviços de troca instantânea de mensagens.
Sabemos que o século XXI trouxe muitas inovações à humanidade, mas também impôs desafios muito grandes. Vivemos em tempos nos quais complexos algoritmos têm a capacidade de induzir nosso comportamento, notícias falsas insistem em ser compartilhadas de maneira desenfreada e somos condicionados a viver lidando com pós-verdades.
Cabe-nos destacar que a Constituição Federal, nos seus incisos II, IV e IX de seu art. 5º, estabelece que:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Logo, devemos lidar com a responsabilidade de examinar de forma calma e lúcida como o poder público tem buscado regular a maneira como vivemos e agimos, a fim de que não sejamos submetidos no futuro a estruturas distópicas como as apresentadas por Aldous Huxley, em sua obra Admirável mundo novo, e George Orwell, em 1984, nas quais o Estado determina exatamente como será a vida de cada um de seus cidadãos e os condiciona a penalidades incontornáveis.
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