Internacional
Com ingressos esgotados, mega-mostra de Vermeer vai online
Quem não obteve uma das 450 mil entradas para ver ao vivo a obra do mestre da pintura em Amsterdã, está definitivamente de fora. Porém o Rijksmuseum oferece um tour virtual: Vermeer mais próximo do que nunca – e grátis
A mega-exposição das obras do pintor holandês Johannes (ou, como é mais conhecido, Jan) Vermeer no Rijksmuseum de Amsterdã tinha tudo para ser o evento artístico do ano: ao ser inaugurada, em 10 de fevereiro de 2023, os 450 mil ingressos disponíveis, vendidos a 30 euros (R$ 168), se esgotaram rapidamente.
Até 4 de junho, lá estão sendo exibidas 28 das 37 obras confirmadas do pintor que viveu de 1632 a 1675 – oito a mais do que na maior mostra até então, 26 anos atrás, na Mauritshuis de Haia. É a primeira vez que tantas podem ser vistas num mesmo local; e, ao que tudo indica, deverá ser a última, considerando-se o valor milionário de cada uma delas.
O caráter de raridade foi um dos motivos para o evento atrair tantos visitantes. Depois que o primeiro lote, de 150 mil entradas, se esgotou, antes mesmo da abertura da mostra, o importante museu de arte holandês ampliou os horários de funcionamento, triplicando as oportunidades de admirar ao vivo as magistrais pinturas. Mas os novos ingressos igualmente se esgotaram, até provocando o colapso temporário do website da instituição.
Agora, como consolo para os milhares – ou milhões – de amantes da arte que ficaram de fora, o Rijksmuseum oferece uma exposição online grátis, intitulada Closer to Johannes Vermeer. De fato, guiados pelo ator e autor inglês Stephen Fry, os visitantes virtuais podem chegar tão perto do Mestre de Delft como até agora só fora possível a estudiosos ou restauradores.
Realismo vibrante
Duas casas em vista frontal, no pátio de uma, uma criada se inclina sobre um barril. A água suja que ela despejou ainda brilha na sarjeta. Duas crianças estão brincando na calçada. Uma mulher está sentada na soleira da porta, bordando.
A cena retrata apenas um momento e, no entanto, parece durar uma eternidade, um instantâneo da Delft burguesa no século 17, cidade natal do pintor. O momento foi capturado no quadro A ruela pelo maior pintor da época, ao lado de Rembrandt van Rijn: Johannes (ou, como é mais conhecido, Jan) Vermeer (1632-1675).
Com maestria, ele colocou na tela os mais diferentes materiais: o tijolo áspero, os vidros lisos, a madeira da janela, o pedaço de parede rebocado de branco. Tudo parece real, como que fotografado: o jogo de claro e escuro, as perspectivas, a calma que vibra de energia.
A ruela é uma obra-prima, assim como todas as outras pinturas de Vermeer que se conhece. Elas não são muitas: quando ele morreu, em dezembro de 1675, aos 43 anos, sua obra completa somava 37 telas.
As 28 agora apresentadas na capital holandesa são empréstimos dos principais museus internacionais e de coleções particulares na Europa e nos Estados Unidos, patrocinadores privados pagaram alto. O resultado é a maior exposição individual de Vermeer até hoje − uma sensação!
É difícil descrever o que atrai os fãs do artista: o manuseio de pincel e tinta, sua habilidade técnica, o virtuosístico jogo com efeitos de luz, a composição, a fidelidade à perspectiva. “Vermeer era um mestre da luz”, diz Gregor Weber, cocurador da atual mostra. Nenhum artista pintou a luz como ele, por um lado realista e, no entanto, cheio de calma enigmática.
De histórias bíblicas a cenas cotidianas
Diana, a deusa clássica da caça, cercada de ninfas, uma lavando seus pés: uma cena da mitologia antiga. A história da deusa casta era um tema popular na pintura holandesa. Também o jovem Vermeer idealiza as personagens, as influências italianas são visíveis. No entanto, o filho de um cidadão de Delft nunca saiu de sua cidade natal.
Aos 21 anos ele se inscreveu como mestre pintor na Guilda de São Lucas. Primeiro abordou temas históricos: cenas da Bíblia, da história antiga, lendas de santos. Suas pinceladas são arrojadas, criando grandes áreas de cor cujos fortes contrastes claro-escuro lembram modelos italianos, como Michelangelo da Caravaggio (1571-1610).
Até hoje os pesquisadores especulam por que ele mudou de temática a partir de 1656. Uma ruptura? Não, a transição para pinturas de gênero foi um salto em seu desenvolvimento artístico.
Ele passou a representar cenas do cotidiano: uma empregada derramando leite de uma jarra; uma jovem escrevendo uma carta; uma filha de boa família na aula de música ao virginal. Tudo se passa em interiores − com exceção das duas famosas paisagens urbanas A ruela e Vista de Delft.
São interiores imaginários e, no entanto, dão uma visão íntima da vida cotidiana no século 17. O tempo parece ter parado. “Os quadros de Vermeer não são narrativas no sentido de que acontecesse muita coisa − gente correndo, cavalos galopando, ou algo cai no chão e há uma briga, ou algo do gênero”, explica o especialista Weber. “Suas pinturas são sempre muito estáticas, muito introvertidas.” Elas escondem um segredo. É precisamente esse silêncio que tanto fascina o público de hoje.
Magia dos interiores burgueses
Foi Pieter de Hooch (1629-1684) quem influenciou Vermeer? A pesquisa ainda está em busca de respostas. O artista mais jovem aperfeiçoou sua técnica ao longo dos anos: com pequenas pinceladas de cor, criou a ilusão da luz dançando numa superfície, os objetos se tornaram plásticos. A joia da Moça do brinco de pérola, por exemplo, é um reflexo de luz, nem mais, nem menos.
Entre 1664 e 1665 Vermeer pintou interiores conectados tematicamente: sempre uma mulher, ora com uma balança, com um jarro de água junto à janela, de colar de pérolas ou como Moça de amarelo escrevendo carta. Cenas idealizadas da vida cotidiana, cada uma, uma composição completa.
Ao contrário do que se supunha anteriormente, o Mestre de Delft não usou a câmera escura para encontrar sua perspectiva: ele simplesmente cravava um prego na madeira para traçar com um fio suas linhas de perspectiva − como restauradores contataram em diversas pinturas de Vermeer, examinando-as sob raios X. Outros pintores também utilizaram essa técnica.
Além disso, descobriram as intenções originais do pintor: um alaúde, por exemplo, no quadro Mulher com colar de pérolas. Ou um jovem nu no quadro Mulher lendo uma carta na janela aberta, que Vermeer ou um artista depois dele alterou, para evitar que fosse interpretado como uma alusão erótica.
Redescoberto apenas no século 19
As pinturas tardias de Vermeer são caracterizadas por forte incidência de luz, e sua técnica de pintura parece simplificada. É possível que o mestre de Delft tenha pintado em 1675 seu último quadro, Mulher sentada ao virginal.
No Rijksmuseum de Amsterdã, ao contrário da mostra em Haia, as obras estão penduradas em salas espaçosas, onde pesadas cortinas criam o ambiente apropriado. Todas as pinturas são protegidas por vidro. Com razão: em outubro, ativistas do clima jogaram cola e tinta vermelha na mundialmente famosa Moça com brinco de pérola, mas não a danificaram.
Jan Vermeer morreu na pobreza em 1675, deixando esposa e dez filhos menores de idade. Logo após a morte ficou esquecido: no século 19 os historiadores da arte só redescobririam sua obra. Hoje, ele é considerado um dos grandes, principalmente pela qualidade e originalidade de cada pintura, todas obras-primas.