Internacional
Maior greve em três décadas paralisa a Alemanha
Trens, ônibus, aeronaves e embarcações não operam nesta segunda-feira, em pressão por aumento de salários. Entenda por que os sindicatos são tão fortes na Alemanha e seu grande poder de negociação
Boa parte da Alemanha está parada nesta segunda-feira (27/03): trens, ônibus, aviões e embarcações não estão operando, na maior greve do país em mais de 30 anos, com impactos em praticamente toda a sociedade alemã.
Dois dos mais importantes sindicatos da Alemanha, que juntos somam mais de dois milhões de membros – o Sindicato dos Ferroviários (EVG) e sindicato do setor público alemão(Verdi) – convocaram uma greve conjunta, planejada para coincidir com o início da terceira rodada de negociações salariais. Os sindicatos exigem aumentos de pelo menos 10,5%, devido à alta histórica na inflação alemã, que afeta diretamente os custos de vida. Nas outras rodadas, aumentos de 5% e pagamentos de bônus únicos foram rejeitados.
O tráfego de longa distância nas ferrovias está quase completamente interrompido, afetando também países vizinhos, visto que muitas linhas têm trajetos além das fronteiras alemãs. No tráfego regional, a maioria dos trens também não circula, de acordo com a companhia ferroviária alemã Deutsche Bahn (DB).
Todos os grandes aeroportos estão em greve, com exceção do de Berlim-Brandemburgo, que está operando voos internacionais, já que os domésticos não estão chegando nem partindo devido à paralisação nos outros aeroportos do país. Estima-se que 400 mil passageiros sejam afetados.
Além disso, em sete estados – Baden-Württemberg, Hesse, Baixa Saxônia, Renânia do Norte-Vestfália, Renânia-Palatinado, Saxônia e grandes partes da Baviera – ônibus urbanos, metrôs e bondes também estão parados.
O transporte de cargas, tanto na rede ferroviária quanto nos portos, também é atingido, pois os estivadores se juntaram aos grevistas. Consequentemente, entregas de mercadorias que seguiriam por barcos e trens também foram afetadas.
Outro reflexo da greve é a maior circulação de carros nas rodovias, devido aos transportes públicos e de longa distância parados.
O que pedem os sindicatos
Os dois grandes sindicatos estão em um impasse nas negociações com os empregadores do setor público federal e locais em vários setores de transporte – incluindo ferroviário, transporte público local e pessoal de terra em aeroportos.
Para pressionar um acordo, 350 mil trabalhadores de diferentes setores foram convocados a aderir a chamada “greve de advertência” nesta segunda-feira, que foi precedida por paralisações menores nas últimas semanas.
No caso do Verdi, uma nova rodada de negociações, ao lado da Federação Alemã de Funcionários Públicos e União Salarial (DBB), com representantes do governo federal e dos governos locais começa nesta segunda-feira em Potsdam para definir o destino dos salários de 2,4 milhões de pessoas. O sindicato exige 10,5% e pelo menos 500 euros a mais de salário por mês. Anteriormente, os empregadores oferecem um aumento salarial de 5% por um período de 27 meses e uma compensação 2,5 mil euros em um pagamento único, isento de impostos.
O EVG, por sua vez, recomeça no meio da semana negociações coletivas com a Deutsche Bahn e cerca de 50 outras empresas. Se não houver um acordo, o sindicato não descarta novas paralisações no feriado de Páscoa. O EVG pede aumentos salariais de 12% ao longo de um período de um ano, mas pelo menos 650 euros como “componente social”.
A Deutsche Bahn criticou a paralisação, que classificou como “exagerada”. “Milhões de passageiros que dependem de ônibus e trens estão sofrendo com essa greve excessiva e exagerada”, disse o porta-voz da Deutsche Bahn, Achim Strauss. “Nem todo mundo pode trabalhar remotamente”, acrescentou.
“Milhares de empresas que normalmente enviam ou recebem suas mercadorias por via férrea também vão sofrer”, disse, destacando que “o meio ambiente e o clima também sofrerão” e que os vencedores serão “as empresas petrolíferas”.
Por que os sindicatos são tão fortes na Alemanha?
Diferentemente do Brasil, a Alemanha adota, desde 1945, um modelo de unidade sindical. Além disso, a associação a um sindicato ocorre de forma espontânea, sem qualquer imposição normativa e sem qualquer restrição legal. No final de 2018, por exemplo, aproximadamente 7,8 milhões de pessoas pertenciam a um sindicato, de acordo com estudo da Fundação Friederich Ebert.
O nível de sindicalização na Alemanha é considerado alto, mas concentrado em um pequeno número de entidades, que, portanto, tem maior representatividade e, consequentemente, mais poder de negociação coletiva. O Verdi, por exemplo, reúne trabalhadores de mais de mil profissões e é o segundo maior do país em número de filiados.
Em outras palavras: enquanto no Brasil os sindicatos são mais numerosos e bastante segmentados por áreas e por regiões, na Alemanha são mais abrangentes, em menor número e com mais filiados. Assim, greves gerais como a desta segunda-feira se tornam possíveis, com um alto impacto em todo a sociedade.
O modelo de sindicato unitário foi adotado na Alemanha logo após o fim Segunda Guerra Mundial. De acordo com a Fundação Friederich Ebert, um dos motivos foi que a divisão política do movimento sindical foi considerada uma das causas de sua destruição quase sem resistência pelos nacional-socialistas em 1933.
Outro ponto fundamental é que não existem vínculos formais entre as centrais sindicais e os partidos políticos e nem repasses de verbas por parte das legendas aos sindicatos.
A contribuição sindical pode ser deduzida do imposto de renda, e os dias de greve não pagos pelos empregadoes são ressarcidos pelos sindicatos aos trabalhadores.
Custos da greve
Apesar dos transtornos causados aos cidadãos, principalmente a dificuldade para chegar ao trabalho, especialistas financeiros avaliam que as consequências da greve desta segunda-feira na economia alemã são bastante limitadas.
“A megagreve é um problema para os cidadãos e prejudica a reputação da Alemanha como um país de negócios”, disse o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Kramer, em entrevista à agência de notícias Reuters. “Mas os impactos econômicos de uma greve de um dia são limitados, já que quase todas as empresas, exceto as diretamente afetadas, continuarão [trabalhando] normalmente”.
Os portos bloqueados, voos cancelados e linhas de trem paradas podem gerar prejuízos de até 181 milhões de euros, estima Klaus Wohlrabe, especialista do Instituto de Pesquisa Econômica (Ifo), da Alemanha.