Internacional
Calotes estatais aumentam mortalidade infantil, adverte OSF
Incapacidade de saldar dívida soberana tem correlação com expectativa de vida de crianças dos países devedores, adverte a ONG. Um sinal da necessidade de reformular o sistema global de crédito, sobretudo para a África
O presidente da ONG Open Society Foundations (OSF), Mark Malloch-Brown, salientou neste sábado (08/07) que a inadimplência estatal (ou calote soberano) prolongada tem impacto real sobre a expectativa de vida das crianças dos países em questão, aumentando a mortalidade infantil em dez pontos percentuais.
“Quando o cumprimento da dívida se atrasa, isso tem um custo real que se traduz em mais crianças morrerem”, disse à agência de informação financeira Bloomberg, na sequência da apresentação de um estudo que calcula o impacto dos defaults na evolução da taxa de mortalidade infantil, concluindo que existe uma relação direta, embora tardia, entre o incumprimento financeiro e o aumento do número de crianças mortas.
Uma década depois de um calote, a esperança de vida de uma população pode cair até 14 meses. Os países que entraram em incumprimento financeiro desde 1960 viram um aumento de dez pontos percentuais, em média, na mortalidade infantil na década seguinte, devido à deterioração dos serviços públicos pela falta de verbas, afirma a OSF.
De acordo com a pesquisa da rede de apoio à sociedade civil, fundada pelo magnata George Soros, no caso da Zâmbia, primeiro país africano a declarar inadimplência após a pandemia de covid-19, o número de mortes infantis pode aumentar em 3.079 por ano até 2030. “Isso não é um custo temporário que depois passa, é uma cicatriz que a sociedade vai ter durante uma geração inteira”, salientou Malloch-Brown.
Necessidade de reformular o sistema global de dívida
Os resultados do estudo mostrariam a necessidade urgente de alterar o sistema global da dívida soberana, que fica muitas vezes “paralisado” quando as nações não cumprem suas obrigações, observou Clemens Graf von Luckner, um dos autores do estudo, lembrando que “quanto mais tempo demora a resolver um default, mais oneroso é para os que são menos responsáveis pelo incumprimento”.
Instando a “uma ação coordenada e decisiva é urgente”, o estudo citado pela Bloomberg conclui que “os custos humanos e econômicos vão continuar a aumentar para o Gana, Sri Lanka, Zâmbia e outros países, a cada mês que passa”.
A OSF divulga seu relatório poucos depois de a Zâmbia ter acordado, no fim de junho, um acordo de reestruturação financeira com os credores oficiais, que o país do sul da África espera poder reproduzir junto aos credores comerciais, detentores da maior parte de sua dívida soberana.
Negociações lentas e punitivas
O acordo anunciado conecta-se àquele sobre a dívida do Chade, alcançado em novembro de 2022 pelos credores dos países vulneráveis, com base no processo de enquadramento comum de reestruturação da dívida, sob a égide do G20, que se seguiu à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), lançada em abril de 2020, no auge da pandemia de covid-19.
No entanto, desde sua criação, esse processo de negociação vem sendo considerado lento demais, pois envolve muitos atores com interesses divergentes e implica um rebaixamento automático dos ratings financeiros. Este, por sua vez, impede aos países acederem a financiamento internacional, devido ao significativo incremento dos juros.
A reestruturação da dívida externa da Zâmbia implicará empréstimos bilaterais, concedidos pelos governos, num total de 6,3 bilhões de dólares (R$ 30,6 bilhões), dos quais 4,1 bilhões de dólares para a China. Os credores privados, a quem cabe 6,8 bilhões de dólares, terão de “fazer um esforço comparável”, explicou uma fonte financeira francesa à agência notícias AFP.
Trata-se de uma referência a uma cláusula do acordo aprovado pelo governo zambiano e o FMI, conhecida como “tratamento comparável” da dívida, a qual prevê, essencialmente, que os credores estatais não sejam prejudicados em relação aos comerciais.