Internacional
Boates de Berlim e ativistas se unem contra obra de rodovia
A ampliação da autoestrada A100 é encarada como uma ameaça a barcos e espaços culturais da capital alemã. A posição do projeto vem unindo empresários da cena noturna e ativistas climáticos
Depois da queda do muro de Berlim há 33 anos, uma intensa cena cultural emergiu das estruturas abandonadas de antigas fábricas e edifícios da cidade. O tecno era tocado em casas noturnas pioneiras, como o Tresor – construído dentro do cofre de uma loja de departamentos bombardeada; e a Berghain, que continua a ocupar a área de uma usina desativada de energia da antiga Alemanha Oriental.
Assim, Berlim se tornou contemporânea de festa e atraiu criativos DJs e artistas de todo o mundo.
No entanto, a manutenção desses espaços culturais espontâneos e autogerenciados está ameaçada pelo fenômeno do “Clubsterben”, ou “a morte dos clubes noturnos”, em tradução livre. Fatores como a expansão das cidades, a gentrificação e as restrições da pandemia de covid-19 contribuiram para este cenário.
Agora, o risco se tornou ainda maior diante da perspectiva de ampliação da Autobahn A100, uma autoestrada que corta a capital. Cerca de 30 casas noturnas e espaços culturais que funcionam há décadas estão no caminho da obra.
A área em questão vai do norte do rio Spree até o bairro de Friedrichshain, situado na antiga Berlim Oriental, e que, até então, vinha conseguido se manter distante da obra. Mas, a construção do último trecho da A100 pode acabar com esse cenário.
O projeto também opõe diferentes forças políticas. O Partido Social Democrata (SPD), parceiro minoritário da coalizão que governa Berlim, se opõe à obra, mas a liderança do partido União Democrata Cristã (CDU), que lidera a prefeitura, apoia o projeto, assim como o Ministério Federal dos Transportes, chefiado pelo Partido Liberal-Democrático (FDP), que tem a palavra final sobre o assunto.
Reação do setor cultural
Alguns dos espaços culturais mais famosos de Berlim podem ser despejados se a A100 for adiante. Entre eles, estão o Else, uma boate construída em contêineres às margens do rio. Outro exemplo é o About Blank, um complexo de clubes de tecno em estilo industrial administrado por um coletivo. Mais um na mira do empreendimento é o Wilde Renate. O clube em forma de labirinto, que também é um espaço de exposições artísticas, foi antes um cortiço.
Por isso, nos últimos meses, a campanha para parar o avanço do projeto da A100 chegou ao grande público.
Em abril, a Orquestra clássica e o coral bloquearam a A100 sob o lema “Faça música e não concreto”. Eles tocaram o hit Highway to Hell (“Estrada para o inferno”, em tradução livre), da banda australiana AC/DC.
Enquanto isso, em 2 de setembro, a cena de bares e clubes noturnos de Berlim uniu forças com ativistas do clima e grupos de moradores em uma rave que reuniu 20 mil pessoas. O objetivo era celebrar a vida cultural da cidade. Para chamar a atenção para os impactos ambientais da extensão da rodovia, mais de mil participantes chegaram ao evento de bicicleta, em um trajeto que partiu do prédio do ministério dos Transportes de Berlim.
O evento, intitulado “A100 wegbassen” — que significa livrar-se da estrada com som graves — teve a participação da Comissão de Clubes de Berlim, primeiro grupo de boates auto-organizado do mundo. Em 2018, a rede adotou uma estratégia parecida para protestar contra o partido de ultradireita Alternativa para Alemanha (AfD). Em um desfile de música tecno pela cidade, o lema foi “AfD wegbassen”.
“Com tamanha adesão das pessoas pudemos mostrar que construir mais uma rodovia é um projeto ultrapassado. A cidade do futuro precisa ter o foco nas pessoas, não nos carros”, disse o coletivo Greve pelo Futuro (Fridays for Future) em um post no Instagram logo depois do evento.
Um dos estabelecimentos afetados pela obra, About Blank, disse que pretende impedir a construção da estrada tanto para preservar o clube quanto para evitar a circulação de mais carros que contribuem para as mudanças climáticas.
O coletivo por trás do renomado clube de tecno, fundado há 13 anos, disse que iria ajudar a “criar uma barricada cultural contra os fósseis do capitalismo, que causam a catástrofe ambiental”. E acrescentou que “a ampliação da rodovia é um anacronismo, um resquício do lobby da indústria automobilística protegido pelo estado”.
O porta-voz da Comissão dos Clubes de Berlim, Lutz Leichsenring, disse à DW que os artistas e ativistas berlinenses ajudaram a parar a construção de estradas nos anos 1980. As rodovias passariam por ruas onde havia cortiços culturalmente vibrantes em Kreuzberg, em Berlim Ocidental.
Aumento dos custos compromete projeto
Leichsenring argumenta que, se por um lado a manutenção do modelo dos anos 1950 em que cidades eram projetadas para favorecer o uso de carros, por outro, o rápido aumento nos custos pode sepultar o projeto de construção do último trecho da A100, 65 anos depois da entrega do primeiro trecho da estrada.
Ele pondera que, com o custo de €200 mil (R$1 milhão) por metro construído, o esforço de demolir e realocar vastas áreas de Berlim pode não ser economicamente viável. Ele ainda ressalta que há orçamentos e autorizações para a obra que não devem ser aprovadas antes de 2027.
Além disso, o uso de carros em Berlim caiu 16% desde a implementação do bilhete de transporte a 49 euros mensais na Alemanha. Isso significa que alternativas, como ciclovias, são possibilidades para o que Leichsenring chamou de “um projeto muito absurdo”.
O porta-voz disse ainda que teme que as incertezas forcem clubes, teatros e museus a deixarem a área em disputa para procurar endereços que proporcionem mais segurança no longo prazo.