Internacional
Murdoch vai deixar o comando do seu império de mídia
Magnata australiana de 92 anos, que redefiniu a paisagem da mídia com a grife de jornalismo agressivo e o serviço de causas ultraconservadoras, vai passar o comando dos tablóides e do canal Fox News para um de seus filhos
Rupert Murdoch anunciou sua sucessão. O magnata australiano de 92 anos, um dos últimos barões da imprensa mundial e que exerceu nas últimas décadas influência política em três continentes, anunciou nesta quinta-feira (21/09) que vai deixar o comando da Fox Corp. e Fox News – e da News Corp. – responsável pelo The Wall Street Journal , os tablóides The Sun e The New York Post e o diário The Times , entre outros.
De acordo com um comunicado divulgado pelas empresas, Rupert Murdoch pretende a partir de novembro se limitar a atuar como presidente emérito dos conselhos das companhias. O comando das operações será exercido por seu filho Lachlan Murdoch a partir de agora.
Em uma carta enviada aos funcionários, Rupert Murdoch disse que está deixando o comando das empresas “em boa saúde, assim como eu”. “Temos todas as razões para sermos otimistas em relação aos próximos anos – certamente eu estou, e planejo estar aqui para participar deles. Mas a batalha pela liberdade de expressão e, em última instância, pela liberdade de pensamento, nunca foi tão intensa”, escreveu.
Lachlan Murdoch, de 52 anos, por sua vez, agradeceu o pai. “Em nome dos conselhos de administração da FOX e da News Corp, das equipes de liderança e de todos os acionistas que se beneficiaram de seu trabalho árduo, parabenizo meu pai por sua notável carreira de 70 anos”, escreveu Lachlan Murdoch.
Trajetória, influência e escândalos
Atuante desde os anos 1950, Murdoch construiu um império transcontinental de mídia a partir da Austrália. Nascido em 1931, ele iniciou sua trajetória na área ao herdar um pequeno jornal após a morte de seu pai. Sob seu comando, o negócio prosperou, e ele passou a adquirir outras publicações na Austrália e na Nova Zelândia. Um padrão já se desenhava nessa época: os jornais de Murdoch apoiavam abertamente candidatos ou governos.
Em 1969, ele expandiu seus negócios para o Reino Unido, com a aquisição do tablóide News of The World . Em 1974, foi uma vez de comprar o tablóide The Sun e mais tarde, em 1981, o tradicional jornal The Times . Ainda nos anos 1970, encontrou o pé pela primeira vez nos EUA ao adquirir o The New York Post .
Nesses processos de aquisição, Murdoch mudou radicalmente a linha editorial de várias publicações, favorecendo uma grife de jornalismo agressiva e populista. A preferência por políticos variava de acordo com a ocasião. Nos anos 1980, seus jornais no Reino Unido apoiaram abertamente a primeira conservadora Margaret Thatcher – especialmente durante a Guerra das Malvinas –, mas nos anos 1990 passaram a defender os trabalhistas de Tony Blair, para depois nos anos 2000 voltar a apoiar os conservadores.
Em vários casos, as ambições comerciais suplantaram regras jornalísticas, como no caso em que o Sunday Times , de sua propriedade, publicou, a mando do próprio Murdoch, uma fraude dos chamados “ Diários de Hitler ” em 1983, mesmo diante das dúvidas da equipe Em 1989, uma cobertura repleta de mentiras do The Sun sobre a tragédia do Estádio de Hillsborough – na qual morreram 97 pessoas – levou o tablóide a ser boicotado por décadas por parte significativa da população da cidade de Liverpool.
Nos anos 1980, Murdoch também adquiriu nos EUA o estúdio de cinema Twentieth Century Fox – posteriormente revendido para a Disney – e a editora HarperCollins. Também lançou um canal de TV aberta, a Fox, responsável por programas notáveis dos anos 1990 como Os Simpsons e Arquivo X.
Já um bilionário à época, Murdoch lançou em 1996 aquele que seria de longe o veículo mais influente – e, para alguns, nefasto – do seu império de mídia: o canal de notícias Fox News.
Com uma linha de ultradireita e de ataque às causas associadas à esquerda ou ao Partido Democrata, a Fox News acabaria por ajudar a remodelar a paisagem política dos EUA, promovendo figuras do Partido Republicano, entre candidatos neoconservadores e, mais tarde, ultradireitistas como Donald Trump – neste último caso o relacionamento teve sido, por vezes, tumultuado. Após alguns anos, a Fox News se tornou o canal a cabo mais assistido dos EUA, deixando redes tradicionais de notícias como a CNN para trás.
Mas a linha agressiva e muitas vezes displicente com a ética jornalística promovida por Murdoch cobrou seu preço algumas vezes. Em 2011, o tablóide News of The World , que marcou a entrada do magnata no Reino Unido, foi dissolvido após a revelação que seus editores e repórteres construíram uma vasta rede de registros telefônicos para alimentar a publicação com fofocas e escândalos . O caso levou à prisão vários editores e executivos, incluindo Rebekah Brooks, uma protegida de Murdoch, que chefiava o braço britânico da News Corp.
A saída de Murdoch do comando das empresas ocorre cinco meses depois de a Fox News, a principal joia do seu império, pagar US$ 787,5 milhões (R$ 3,8 bilhões) no âmbito de um processo por difusão movido pela empresa de urnas eletrônicas Dominion, que acusou a Fox de ter divulgado propositalmente alegações falsas sobre as companhias nas eleições americanas de 2020.
A Fox ainda enfrenta um processo de US$ 2,7 bilhões (R$ 13,3 bilhões) movido pela Smartmatic, outra empresa de tecnologia eleitoral, que também acusa a Fox de ter divulgado informações falsas sobre sua atuação no pleito presidencial dos EUA.
Todos esses problemas já vinham levantando questionamentos sobre a saúde das empresas de Murdoch e alimentando especulações sobre sua saída. As questões sobre quem acabaria por comandar seu império até inspiraram uma série de sucesso no canal HBO, Succession , que pertence a um conglomerado rival de mídia, a Warner Bros.
“O mundo está pior por causa de Rupert Murdoch”, diz ONG
Após o anúncio da sua sucessão na News Corp. e Fox Corp., Angelo Carusone, presidente da ONG Media Matters for America, um observatório independente de mídia dos EUA, afirmou que o legado deixado por Rupert Murdoch é de “trapaça, destruição e morte “.
“Onde querem que suas propriedades midiáticas existam em todo o mundo, elas ignoram as práticas jornalísticas básicas e injetam desinformação venenosa no discurso público. Na Fox News, Murdoch criou uma força destrutiva única na democracia e na vida pública americana, que abriu uma era de divisão onde a política racista e pós-verdade prospera. As propriedades midiáticas de Rupert Murdoch ajudaram a transformar o Partido Republicano num culto de morte autoritário trumpista. Rupert Murdoch permitiu que a Fox News alimentasse o ataque insurrecional ao Capitólio dos EUA, deixando as suas estrelas mentirem intencionalmente e deliberadamente para minar as nossas eleições democráticas.”
“Dada a escala global sem paralelo à sua presença nos meios de comunicação social, ninguém no planeta fez mais para espalhar mentiras que negam as mudanças climáticas e minam os esforços para enfrentar a crise que Rupert Murdoch fez. O mundo está pior por causa de Rupert Murdoch. Ninguém deveria amenizar os danos que ele feriu.”
Carusone ainda alertou que Lachlan Murdoch provavelmente intensificará essas políticas. “Para piorar as coisas, seu ato de despedida – entregar as rédeas a Lachlan Murdoch – é semelhante a jogar um fósforo nos graves que ele empilhou. Lachlan certamente é um líder menos competente que seu pai, mas sua visão de mundo é consideravelmente mais brutal Sua liderança provavelmente apenas intensificará a má conduta, a desinformação e a malevolência que definiram as empresas de Murdoch.”