AGRICULTURA & PECUÁRIA
Ceará em alerta para novas variantes do vírus da raiva em morcegos e saguis
Em fevereiro um agricultor de 36 anos foi atacado no município de Cariús por um dos animais infectados, e acabou falecendo em abril
Uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e coordenada por cientistas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) alerta para a presença de variantes do vírus da raiva em morcegos e saguis no estado do Ceará.
Essas variantes estão intimamente relacionadas com aquelas presentes nos saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), levantando preocupações quanto à circulação do vírus, que é mortal para os seres humanos.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados no Journal of Medical Virology, revela uma semelhança entre as variantes encontradas em morcegos e aquelas nos saguis analisados.
Além disso, chamou a atenção dos cientistas a detecção do vírus da raiva em espécies frugívoras e insetívoras de morcegos, uma descoberta que desafia a noção tradicional de que apenas morcegos hematófagos (que se alimentam de sangue) são os únicos hospedeiros e transmissores desse vírus mortal.
De acordo com Larissa Leão Ferrer de Sousa, pesquisadora do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen) e doutoranda na EPM-Unifesp, até agosto deste ano, foram confirmados sete casos de saguis positivos para raiva no Ceará.
O estado enfrenta um histórico de agressões a humanos por saguis e mortes por raiva. Um exemplo trágico ocorreu em fevereiro, quando um agricultor de 36 anos foi atacado por um sagui no município de Cariús, cidade à 375 km de Fortaleza, capital do estado.
O homem só procurou tratamento em abril, quando começaram a surgir os sintomas, mas infelizmente não resistiu. A infecção pelo vírus da raiva causa uma encefalite progressiva, inflamação cerebral que leva à morte em quase 100% dos casos.
Larissa Leão Ferrer de Sousa alerta que é crucial não tocar em morcegos e outros mamíferos selvagens. Quando encontrar esses animais mortos, é importante notificar o serviço de zoonoses local para que possam ser encaminhados para análise.
Além disso, qualquer pessoa que tenha tido contato direto com esses animais deve procurar atendimento médico imediatamente para a administração do soro e da vacina antirrábicos, dependendo do caso.
Segundo o pesquisador Ricardo Durães-Carvalho, coordenador do estudo e apoiado pela FAPESP, o tempo de incubação do vírus da raiva é de aproximadamente 45 dias, tornando essencial a profilaxia pós-exposição imediata. Sem o tratamento adequado, quando os sintomas aparecem, o prognóstico costuma ser fatal.
Os cientistas realizaram o sequenciamento genético de 144 amostras de tecido cerebral de morcegos pertencentes a 15 espécies.
Esses animais foram coletados no Lacen do Ceará entre janeiro e julho de 2022 como parte do programa nacional de vigilância epidemiológica. As amostras tiveram o RNA extraído e as sequências genéticas do vírus da raiva foram comparadas com outras depositadas em bancos de dados públicos.
O estudo revelou que algumas variantes do vírus têm uma relação evolutiva próxima com as encontradas nos saguis-do-tufo-branco do Nordeste brasileiro.
A raiva humana associada a saguis foi reportada pela primeira vez em 1991, também no Ceará, e desde então, outras 14 mortes no estado foram atribuídas à transmissão por esses primatas.
Os morcegos e saguis desempenham papéis cruciais na cadeia de transmissão da raiva no Brasil, além de possuírem funções ecológicas importantes, como a dispersão de sementes, polinização e controle de pragas. Portanto, a preservação desses animais na natureza é fundamental.