Saúde
Descobertas alterações no cérebro e sangue de indivíduos que cometeram suicídio
Risco de suicídio
Pesquisadores brasileiros descobriram um conjunto de alterações moleculares presentes cérebro e no sangue de indivíduos que cometeram suicídio.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente no mundo. Entre os jovens, termo que designa a faixa etária dos 15 aos 29 anos, o impacto do suicídio é particularmente alarmante, representando a quarta principal causa de morte.
Diversos fatores de risco estão associados ao suicídio, incluindo histórico familiar, traços de personalidade, condições socioeconômicas, exposição a ideias nocivas nas mídias sociais e presença de transtornos psiquiátricos, especialmente depressão e transtorno bipolar. Assim, o objetivo dos pesquisadores era identificar fatores de suscetibilidade e potenciais alvos terapêuticos, que no futuro possam ser usados para evitar o desfecho fatal em pacientes em risco de tirarem a própria vida.
“Apesar do enorme impacto psicológico, social e econômico gerado pelas mortes por suicídio, a identificação do risco é feita apenas com base em entrevistas clínicas. Os mecanismos neurobiológicos associados às alterações comportamentais ainda são pouco elucidados. E esse foi o foco de nosso estudo,” contou a neurocientista Manuella Kaster, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A equipe revisou e reanalisou uma grande quantidade de dados, disponíveis na literatura científica, sobre alterações moleculares encontradas no cérebro e no sangue de indivíduos que cometeram suicídio. “O uso de ferramentas como a transcriptômica, a proteômica e a metabolômica permitiu a avaliação simultânea e comparativa de genes, proteínas e metabólitos presentes nas amostras. E verificamos que, em condições complexas como o suicídio, essas análises apresentam um grande potencial, uma vez que podem fornecer a base para a identificação de fatores de suscetibilidade, além de potenciais alvos terapêuticos,” acrescentou Daniel Martins de Souza, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Indicadores fisiológicos de risco
As alterações moleculares podem ser interpretadas como “marcadores de risco” e fornecer novas pistas em neurobiologia, constituindo um importante auxílio às informações levantadas nas entrevistas clínicas. “Um dado notável observado em diferentes estudos é que muitos indivíduos procuram serviços de saúde no ano anterior à tentativa de suicídio ou ao suicídio. Mas, devido às dificuldades na identificação do risco, não recebem a atenção que poderia evitar o desfecho,” contou Manuella.
As análises realizadas por outras equipes mostraram que indivíduos que cometeram suicídio apresentavam alterações cerebrais na expressão de genes e proteínas envolvendo sobretudo o córtex pré-frontal. “Essa região do cérebro apresenta uma grande conexão com os centros de controle emocional e de controle de impulsos. É fundamental em processos de flexibilidade comportamental e de tomada de decisão. Alterações em sua estrutura ou função podem ser extremamente relevantes no contexto do comportamento suicida,” destacou Manuella.
Tal informação é especialmente relevante no caso dos jovens, porque o córtex pré-frontal é uma das últimas regiões do cérebro a amadurecer. Alterações em mecanismos de plasticidade no córtex pré-frontal, afetadas pelos diferentes fatores de risco (sociais, culturais, psicológicos etc.), podem ter um impacto significativo no controle emocional e comportamental em indivíduos jovens.
Primeiros passos
Ao combinar os dados dos diferentes estudos científicos já publicados, e tratá-los por meio de algoritmo desenvolvido pela equipe, foi possível identificar alguns mecanismos biológicos e vias comuns associados ao suicídio.
Alterações em sistemas de neurotransmissores, em especial de neurotransmissores inibitórios, apareceram como as principais modificações observadas. “As alterações moleculares foram principalmente associadas com células gliais, como astrócitos e micróglia, que apresentam interação próxima e dinâmica com os neurônios e são fundamentais no controle da comunicação celular, metabolismo e plasticidade,” contou Daniel.
A análise dos dados apontou ainda para alterações em alguns fatores de transcrição, moléculas responsáveis pela regulação da expressão de diversos genes. “Entre eles, o fator de transcrição CREB1 já foi amplamente explorado por seus efeitos na neuroplasticidade e por ser um alvo importante no efeito de fármacos antidepressivos. Contudo, os fatores de transcrição MBNL1, U2AF e ZEB2, associados ao processamento de moléculas de RNA, formação de conexões corticais e gliogênese, nunca foram estudados no contexto da depressão e suicídio,” detalhou o pesquisador.
Estudos como este abrem o caminho para o desenvolvimento futuro de ferramentas diagnósticas objetivas, que possam captar o risco presente em pacientes, risco este que escapa à detecção apenas pela entrevista com o médico ou terapeuta. Mais importante ainda será o desenvolvimento de mecanismos de atuação para cuidar desses pacientes.
“Desde a ideação até a execução, o suicídio deve ser levado a sério. Sabemos que as mortes por suicídio são mais prevalentes em pessoas do sexo masculino, enquanto as tentativas são mais prevalentes em pessoas do sexo feminino. Mas isso se deve ao potencial de letalidade e agressividade dos meios utilizados e diferenças em aspectos comportamentais. O suicídio é uma causa de morte evitável com intervenções oportunas. E esta é a principal motivação de nosso estudo. É preciso reduzir o estigma e compreender, de forma ampla e profunda, os diferentes aspectos biológicos, sociais e culturais envolvidos nas alterações de comportamento,” concluiu Manuella.