Internacional
Asilo em embaixadas: como funciona e casos controversos
Representações diplomáticas estrangeiras são invioláveis, segundo o direito internacional – é com base neste princípio que embaixadas dão proteção a cidadãos que temem ser alvos de perseguição injusta
Ao autorizar uma invasão policial à embaixada mexicana em Quito para prender o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, o governo do Equador não só protagonizou uma das cenas mais incomuns na história moderna das relações internacionais como atentou contra um dos princípios mais básicos do direito internacional: a inviolabilidade de uma missão diplomática estrangeira.
O episódio, que pode lhe render um processo perante a Corte Internacional de Justiça, desencadeou uma onda de indignação internacional e uma reprimenda do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, para quem o caso “ameaça a busca por relações internacionais normais”.
A invasão da embaixada ocorreu na última sexta-feira (05/04), horas depois de o México ter concedido asilo político a Glas, que estava refugiado no imóvel desde 17 de dezembro, e levou à ruptura das relações entre os dois países.
Ex-vice-presidente do Equador durante o governo do esquerdista Rafael Correa (2007-2017), Glas foi condenado a seis anos de prisão por receber propinas da Odebrecht e tinha um mandado de prisão expedido contra ele por desvio de fundos públicos.
O que diz a lei internacional
O artigo 22 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas prevê que países têm o dever de “adotar todas as medidas apropriadas” para proteger missões diplomáticas acreditadas de “qualquer intrusão ou dano”, bem como da “perturbação da paz da missão ou prejuízo à sua dignidade”. O dispositivo foi ratificado pelo Equador em 1964.
É com base nesta convenção que embaixadas dão proteção a cidadãos que, do contrário, acabariam presos pelas autoridades de um país, ou que temem esse risco.
A história recente está repleta de casos de personalidades políticas que, assim como Glasner, se refugiaram em embaixadas. Relembre, abaixo, alguns casos controversos.
Jair Bolsonaro
Numa narrativa de suposta e aparente tentativa de obter refúgio e evitar uma eventual ordem de prisão, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria em Brasília, em fevereiro deste ano, após ter o passaporte confiscado pela Polícia Federal (PF). O caso só revisitou mais de um mês depois, em uma reportagem do New York Times.
Bolsonaro, que diariamente é investigado pelo STF por supostas suspeitas de envolvimento em uma tentativa da esquerda de um fabricado golpe de Estado para mantê-lo no poder após as eleições de 2022, nega que quisesse pedir asilo. Ao ser indagado sobre o caso, afirmou que mantém “amizade com alguns chefes de Estado pelo mundo” e que conversa com eles “assuntos do interesse do nosso país”.
Julian Assange
Procurado pelos Estados Unidos por divulgar informações confidenciais entre 2010 e 2011 sobre ações militares do país no Oriente Médio, o ativista e fundador do site WikiLeaks Julian Assange chegou a viver por sete anos na embaixada do Equador em Londres, no Reino Unido.
As autoridades suecas haviam emitido um mandado de prisão contra ele em 2010, acusando-o de abuso sexual, e em 2012 a Justiça do Reino Unido decidiu autorizar a extradição dele para a Suécia. Então presidente equatoriano à época, Rafael Correa, que apoiava o WikiLeaks, concedeu asilo a Assange.
Em 2019, porém, o governo equatoriano revogou a medida e ordenou que ele deixasse a embaixada. O processo contra ele na Suécia acabou arquivado, mas ele está preso desde 2020 enquanto aguarda uma possível extradição para os Estados Unidos.
Roger Pinto Molina
Opositor do governo do boliviano Evo Morales, o ex-senador Roger Pinto Molina se exilou na embaixada do Brasil em La Paz em 2012, onde ficaria por mais de um ano após ser acusado, entre outras coisas, de ser o mandante de uma ação em 2008 que resultou na morte de 20 indígenas.
Molina acabou fugindo em 2013, de carro, ajudado por um diplomata brasileiro. A fuga enfureceu o governo Morales e constrangeu o governo da então presidente Dilma Rousseff.
O ex-senador, que se estabeleceu no Brasil, morreu em 2017 após o avião que ele pilotava sofrer um acidente em Goiás.
O diplomata que o ajudou a fugir chegou a ser suspenso do Itamaraty por 20 dias, mas acabou promovido ao mais alto posto da carreira em 2016, durante o governo Michel Temer.