Internacional
Expansão do crime organizado impulsiona violência no Chile
País que costumava ser referência de segurança pública na América Latina enfrenta aumento da criminalidade. Atuação de grupos estrangeiros e tráfico de drogas contribuíram para esse cenário
Numa noite de domingo, um grupo de pessoas assaltou uma loja no centro de Santiago. Os criminosos intimidaram os proprietários com armas de fogo enquanto roubavam o dinheiro do estabelecimento. Meses antes, esse mesmo local foi alvo de extorsão por um grupo vinculado ao crime organizado, que oferecia segurança em troca de dinheiro. Os comerciantes não aceitaram e o grupo ateou fogo no local.
“Esse é uma situação desconhecida na tradição chilena, uma vez que, até há alguns anos, este era um país relativamente tranquilo. Os indicadores passaram a mostrar uma deterioração da segurança”, afirmou à DW o pesquisador da Universidade Autônoma do Chile Iván Garzón.
Especialistas consultados pela DW afirmam que o caso da loja em Santiago é mais um exemplo da onda de criminalidade que assola o país sul-americano.
As extorsões aos estabelecimentos realizadas por facções nacionais e estrangeiras “não são casos isolados em Santiago e nem em outras regiões”, afirma Diego Sazo, pesquisador do Instituto Violência e Democracia do Chile. Segundo ele, essas práticas fazem parte do “método habitual dos grupos criminosos”, uma vez que esse sistema “lhes assegura um financiamento regular e de baixo risco”.
Sazo menciona que esse delito pode ser cometido por meio de mensagens ou telefonemas anônimos, e por isso, os dados oficiais não revelam toda a realidade, possivelmente escondendo um número maior de casos.
Embora os dados não mostrem um panorama tão desolador, como no crime organizado no México ou na Colômbia, vários relatos indicam que o Chile possui algumas semelhanças com esses países.
O Índice Global do Crime Organizado, divulgado em 2023, publicado pela agência Global Initiative, destaca que foram observados no Chile “indícios de controle territorial por quadrilhas de criminosos”, além de “fenômenos pouco habituais no país, como os ‘narcofunerais'” – funerais de membros de organizações do tráfico de drogas que são realizados ocupando bairros inteiros.
“Todas as cifras oficiais confirmam uma propagação desses métodos violentos”, destacou Sazo. Os sequestros aumentaram 68% entre 2021 e 2022, enquanto as extorsões cresceram 37% no mesmo período.
De acordo com dados do Ministério Público chileno, no primeiro semestre de 2023, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes ficou em 3,2, o que corresponde a 633 assassinatos. O número é menor do que o registrado no mesmo período de 2022, 651.
Terreno fértil para o crime organizado?
Os especialistas avaliam diferentes hipóteses para entender a origem da violência no Chile. Sazo, que também é pesquisador da London School of Economics, no Reino Unido, observa a exposição do Chile a um fluxo maior do tráfico de drogas, cuja produção e comercialização ser expandiu até o sul do continente.
Além disso, após os distúrbios de 2019 e a pandemia de covid-19, houve uma propagação de outros mercados ilegais, como o tráfico de pessoas e lavagem de dinheiro. Para os especialistas, esse período coincidiu com um ponto de inflexão no país, quando havia um “vazio de poder”, avalia Matías Garretón, pesquisador do Centro de Estudos de Conflito e Coesão Social (Coes), com sede em Santiago.
Os policiais estavam desprestigiados após os protestos em massa de um ano antes, e havia ainda uma falta de controle nas ruas, uma vez que todos os esforços estavam voltados para a situação sanitária. “Dessa forma criaram-se as oportunidades de expandir e diversificar as atividades criminosas”, observa Garretón.
Por outro lado, a chegada de grupos criminosos estrangeiros como o Tren de Aragua, da Venezuela, Los Pulpos, do Peru, e los Espartanos, da Colômbia, “introduziram repertórios de violência extrema nos confrontos entre as quadrilhas”, afirma Sazo.
Os especialistas falam em um contexto de “degradação significativa” que se reflete em um agravamento da violência nos últimos cinco anos. Segundo Sazo, os padrões dessa violência criminal incluem mais gangues, desmembramentos, aumento e sofisticação dos armamentos, assim como confrontos letais entre grupos criminosos e as forças de segurança.
Chile: país inseguro?
Sazo ressalta que, apesar dos números, que mostram apenas dados objetivos, o país “se mantém como um dos mais seguros e menos violentos na América Latina”. O especialista avalia que há algumas situações que permitem conter o pessimismo, como a “resiliência das instituições chilenas”.
Garretón, contudo, não é tão otimista. “A capacidade de reação do Estado é muito mais lenta do que a capacidade de crescimento do crime organizado”, observa. Ele defende que mecanismos para combater a lavagem de dinheiro e frear o sistema financeiro dos grupos criminosos poderiam atingir um aspecto fundamental do funcionamento dessas quadrilhas.
Para Iván Garzón, o grande risco que o Chile corre é o de uma “mexicanização” ou “colombianização”. A preocupação é que “os tentáculos do crime organizado cheguem ao sistema político e à sociedade civil, onde, por medo ou por conveniência, os deixem atuar”.
Em sua opinião, a sociedade chilena está em “fase de negação”, sem um diagnóstico claro do motivo dessa deterioração, para o qual são necessários trabalhos de inteligência, cooperação e a criação de redes de apoio, além de “aprender com os países que lidam com esses fenômenos”.
Apesar do aumento da criminalidade, o Chile é o quarto país mais seguro da América Latina, atrás de Costa Rica, Uruguai e Argentina, segundo o Índice da Paz Global de 2023.