Internacional
Por que Zelenski segue governando Ucrânia mesmo sem eleição?
Mandato de presidente terminou formalmente nesta segunda-feira, e a eleição prevista para março foi adiada devido à guerra. Constituição indica o que pode ser feito nessa situação
O mandato de cinco anos de Volodimir Zelenski como presidente da Ucrânia terminou formalmente nesta segunda-feira (20/05). Em condições normais, uma eleição teria sido realizada em março, mas o Parlamento adiou o pleito pois o país está em guerra contra a Rússia e sob lei marcial. Contudo uma questão importante permanece entre os ucranianos: quem poderá suceder Zelenski quando ele deixar o cargo?
No início de 2024, poucos políticos e comentaristas avaliavam em público quem poderia, ou deveria, suceder Zelenski. No final de fevereiro, quando ele fez uma retrospectiva dos últimos dois anos da luta contra a Rússia, Zelenski descartou qualquer debate que questionasse sua legitimidade como uma “narrativa hostil”.
Em conversa com jornalistas, Zelenski disse que nem os aliados do país nem ninguém na Ucrânia estava fazendo tais perguntas, e que qualquer especulação desse tipo era “parte do programa da Federação Russa”.
Juristas ucranianos consultados pela DW disseram ter a expectativa de que Zelenski permaneça no poder até que um novo presidente seja eleito. “A Constituição ucraniana afirma isso claramente”, disse Andriy Mahera, do Centro de Política e Reforma Legal em Kiev. “O presidente não perde automaticamente seus poderes cinco anos após a posse. Esses poderes só são removidos quando o presidente recém-eleito assume o cargo, ou seja, após as eleições.”
Atualmente, realizar eleições presidenciais e parlamentares está fora de questão. A Constituição da Ucrânia impõe uma restrição temporária à primeira, enquanto a lei marcial proíbe ambas – em parte, segundo as autoridades, para proteger os eleitores de danos.
Zelenski deve renunciar?
A lei marcial também restringe certas liberdades civis. “Alguns direitos e liberdades constitucionais são restritos, por exemplo, o direito à liberdade de expressão, de reunião pacífica e à liberdade de movimento”, disse Mahera. A Comissão Eleitoral Central e o Instituto de Legislação e Perícias Científicas e Legais da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia emitiram avaliações semelhantes no início do ano.
Políticos ucranianos veteranos entraram no debate. Hryhoriy Omelchenko, ex-parlamentar e membro da comissão que elaborou a Constituição em meados da década de 90, disse que não é uma coincidência o fato de a extensão dos mandatos presidenciais não ser regulamentada, acrescentando que isso serve como proteção.
Mesmo assim, Omelchenko escreveu uma carta a Zelenski – publicada no jornal Ukrajina Moloda em março – pedindo que o presidente “não usurpe o poder do Estado” e que renunciasse voluntariamente em maio.
A legitimidade de Zelenski deriva não apenas da lei, mas também do seu amplo apoio popular. Uma pesquisa realizada em janeiro pelo Razumkov Center da Ucrânia apontou que 69% dos entrevistados confiam em Zelenski. Menos de um quarto disse que não confia no presidente.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) no início de fevereiro apontou que 69% dos entrevistados achavam que Zelenski deveria permanecer no poder até o fim da lei marcial. Apenas 15% dos entrevistados apoiavam a realização de eleições nas circunstâncias atuais, e 10% queriam que Zelenski entregasse o poder ao presidente do Parlamento, Ruslan Stefanchuk.
O diretor executivo do KIIS, Anton Hrushetskyi, disse à DW que qualquer um dos dois últimos cenários envolveria o risco de minar a legitimidade do governo e desestabilizar a Ucrânia.
“Milhões de pessoas estão no exterior, milhões vivem sob ocupação, centenas de milhares estão servindo no exército – se os cidadãos não puderem participar das eleições, como eleitores ou candidatos, isso prejudicará a legitimidade dos resultados das eleições”, disse.
Tribunal Constitucional deve se manifestar
Juristas disseram à DW que o Tribunal Constitucional da Ucrânia deverá se manifestar sobre os poderes do presidente e o momento da eleição. “Somente o Tribunal Constitucional pode interpretar a Constituição para verificar se outras leis estão de acordo com ela”, disse Mahera.
O presidente, o governo, a Suprema Corte, um grupo de 45 parlamentares ou o comissário de direitos humanos do Parlamento precisariam recorrer ao Tribunal Constitucional para analisar a questão.
O site de notícias Dzerkalo Tyzhnia informou no final de fevereiro que o gabinete de Zelenski estava preparando em uma petição sobre o tema ao Tribunal Constitucional, que seria apresentada por 45 parlamentares do partido Servo do Povo, de Zelenski.
A legenda afirma que Zelenski tem total legitimidade para seguir no cargo, e a oposição está amplamente de acordo. Vários partidos na Ucrânia disseram que não tinham intenção de recorrer ao Tribunal Constitucional, destacando um acordo interpartidário para não realizar eleições até o fim do vigor da lei marcial.