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Anistia a Bolsonaro e Humberto Lucena: PL 2858/2022 reacende debate sobre limites da democracia no Brasil
O Projeto de Lei 2858/2022, criado pelo ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), dominou os debates no Congresso Nacional. A proposta é polêmica: propõe anistiar os envolvidos em manifestações realizadas em todo o Brasil entre o dia 30 de outubro de 2022 e a data em que a lei, caso aprovada, entre em vigor. A abrangência dessa anistia incluiria, potencialmente, os eventos de 8 de janeiro, que marcaram a tentativa de invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, além de abrir espaço para consequências políticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Substitutivo em discussão:
O projeto encontra-se agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, onde a análise deve ser iniciada na próxima semana. A medida é reminiscente de anistias passadas, como a Lei 8.985/1995, sancionada para anistiar candidatos que haviam violado normas eleitorais nas eleições de 1994. Na ocasião, o senador Humberto Lucena (PMDB-PB), então presidente do Senado, foi um dos principais beneficiários após ter sua candidatura cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder ao distribuir material de campanha pago com recursos públicos.
A anistia concedida a Humberto Lucena ilustra um momento histórico de intensa pressão legislativa para revogar punições consideradas injustas por seus pares no Congresso. À época, o TSE declarou Lucena inelegível por três anos, utilizando a Lei Complementar 64/1990, que pune o uso de recursos públicos em campanhas eleitorais. No entanto, a rápida articulação no Senado levou à aprovação do PL 88/1994, que, em regime de urgência, foi levado à Câmara e recebeu 253 votos a favor, tornando-se a Lei 8.985/1995.
Senador Humberto Lucena (PMDB-PB)
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contestou a constitucionalidade dessa lei, argumentando que o Congresso havia legislado em causa própria, violando princípios de moralidade administrativa. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1231, mas o STF decidiu que o Congresso possuía autoridade constitucional para conceder anistia. Segundo os ministros, o Congresso, como representante democrático, podia perdoar penalidades impostas, contanto que houvesse ressarcimento ao erário.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1231:
Recurso 12.244 pode ser lido aqui:
Na análise da constitucionalidade da anistia concedida a Lucena, o STF destacou que, embora o princípio da moralidade seja importante, ele não deve ser um critério absoluto para a revogação de uma decisão legislativa. Segundo o ministro Gilmar Mendes, o conceito de moralidade é subjetivo e, portanto, insuficiente para fundamentar um controle de constitucionalidade que anule uma decisão tomada pelo Congresso. Esse entendimento, defendido por Mendes e outros juristas, definiu um precedente que pode influenciar a análise do PL 2858/2022.
Embora o caso de Humberto Lucena tenha sido solucionado em um contexto de favorecimento legislativo, a proposta atual de anistia enfrenta um cenário distinto. O envolvimento de figuras públicas e de ex-integrantes do governo Bolsonaro nas manifestações de 8 de janeiro torna o tema ainda mais sensível. Desde então, ministros do STF, como Alexandre de Moraes, têm defendido que crimes que ameaçam a democracia precisam ser punidos com rigor.
Enquanto a anistia tradicionalmente se destinava a crimes de natureza política, a abrangência do conceito foi sendo expandida para incluir outros tipos de penalidades. Historicamente, a anistia foi usada como ferramenta para pacificação social e política, mas agora os limites dessa prática são questionados, especialmente quando aplicada a atos que minam a estrutura democrática.
Para defensores do projeto, a anistia aos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro é uma medida que ajudaria a reduzir as tensões políticas e sociais, permitindo que o país siga em frente. No entanto, a ideia enfrenta resistência daqueles que temem que essa concessão enfraqueça a democracia e incentive novos atos de desobediência civil.
A eventual aprovação do PL 2858/2022 coloca o STF em um dilema jurídico e moral, principalmente após declarações de seus ministros sobre a gravidade dos ataques ao Estado Democrático de Direito. Diferente do caso de 1995, o atual contexto envolve um movimento que questiona a própria legitimidade das instituições democráticas, e a resposta do Congresso e do STF a essa proposta pode estabelecer um novo parâmetro para anistias futuras no país.
A aprovação ou rejeição do PL 2858/2022 terá implicações que vão além dos manifestantes e de figuras políticas específicas, tocando no cerne das políticas de pacificação e das obrigações do Estado em defender a democracia. Se o projeto avançar, será uma sinalização de que o Congresso tem poder de promover uma pacificação em meio às tensões. Porém, caso o STF reforce a posição de que os atos antidemocráticos não podem ser perdoados, consolidará um entendimento de que a democracia exige, acima de tudo, compromisso e responsabilidade.
Este debate, por sua relevância histórica, seguirá acompanhando a trajetória democrática do Brasil e pode definir um marco sobre até onde se estendem as anistias, os direitos dos manifestantes e a integridade das instituições.
Outras documentações para consulta:
Recurso 12.244 pode ser lido aqui.