Internacional
Habeck: “Alemanha sem governo neste momento parece piada”
Colapso da coalizão em Berlim coincidiu com a vitória de Trump nos EUA. Mas vice-chanceler federal Robert Habeck aposta no futuro. Em entrevista, explica por que quer ser o candidato verde à chefia do governo alemão
O vice-chanceler federal e ministro da Economia e Proteção Climática da Alemanha, Robert Habeck, foi às redes sociais em 8 de novembro para anunciar o que muitos já esperavam: ele pretende concorrer à chefia de governo na próxima eleição federal, como principal candidato do Partido Verde.
Está previsto para 23 de fevereiro o pleito antecipado em decorrência do colapso da coalizão “semáforo” que governa a Alemanha – no poder desde 2021, composta pelo Partido Social-Democrata (SPD, “vermelho”) do chefe de governo Olaf Scholz, e o neoliberal Partido Liberal Democrático (FDP, “amarelo”), além dos verdes.
É improvável que o político de 55 anos se torne o próximo chefe de governo alemão, já que tradicionalmente o cargo vai para o líder da sigla mais forte – que no momento é a centro-direitista União Democrata Cristã (CDU), enquanto os verdes contam apenas com 9% a 11% das intenções de voto.
Em entrevista aos repórteres Jens Thurau, da DW, e Oliver Neuroth, da emissora ARD, durante sua viagem a Portugal no âmbito da conferência de tecnologia Web Summit, Habeck mostrou-se profundamente desiludido quanto à atual situação política da Alemanha: “Também do ponto de vista histórico, é muito, muito frustrante que esse governo ‘semáforo’ tivesse uma fama tão ruim, e no fim estivesse condenado ao fracasso.” No entanto, suas conclusões são pragmáticas e proativas.
DW: Por que a “coalizão semáforo” não entendeu que, no atual panorama partidário em mutação crescente, ela é uma das poucas constelações partidárias que representa algo voltado para adiante, talvez progressivo? Por que ela não entendeu, sobretudo após a agressão da Rússia à Ucrânia, que talvez fossem necessárias outras rubricas e prioridades? Ou essa impressão está errada?
Robert Habeck: Sim, está errada. Sempre soubemos que temos grandes discordâncias nas áreas de política econômica e financeira, mas de início elas não eram relevantes. Então veio a guerra russa de agressão contra a Ucrânia, e aí a questão de como financiar a coisa toda, como manter o país estável, rapidamente se tornou preponderante.
Nós conseguimos responder a ela com um fundo de crédito composto por várias fontes de verbas e, apesar das diferenças ideológicas, pudemos seguir trabalhando politicamente. E quando isso não foi mais possível – isto é, com a rejeição da moção [relativa ao orçamento federal] pelo Tribunal Constitucional, em dezembro de 2023 – a situação ficou insustentável, resultando também em rupturas entre figuras atuantes.
Ainda nos arrastamos por mais ou menos um ano, mas já não nos entendíamos mais muito, e precisamente nesta questão: como será o financiamento justo de projetos presentes e futuros? Estávamos cientes que precisávamos mudar de paradigma, mas essa consciência acabou não bastando para concretizar resultados.
Isso é uma explicação, mas na verdade não serve como desculpa. Também do ponto de vista histórico, é muito, muito frustrante que esse governo “semáforo” tivesse uma fama tão ruim, e no fim estivesse condenado ao fracasso.
DW: O senhor visa ser escolhido como candidato ao cargo de chanceler federal na próxima convenção do Partido Verde. Onde os verdes precisam colocar novas ênfases? O que deve estar em primeiro plano para, talvez, recuperar um pouco da confiança perdida?
Acho que todas as legendas têm duas tarefas pela frente – e isso também se aplica, claro, ao meu partido e a mim, pessoalmente. Em primeiro lugar, explicar o que de fato acontece aqui: por que todas as muitas crises, conflitos, desafios, essa atual sensação de dificuldade, tanta briga. Tudo isso tem diversas causas, pois há grandes mudanças em curso. Mas nós estamos justamente no processo de encará-las. Não há o menor motivo para se estar desmotivado e amargo, trata-se simplesmente de abraçar os desafios e agir para frente – e não voltar atrás, como alguns propõem.
Posso dar alguns exemplos? Nesta legislatura, nós “limpamos” a energia, ela está mais verde; na próxima legislatura vamos torná-la barata. Criamos precondições para a eletromobilidade, postos de abastecimento; na próxima legislatura automóveis elétricos com que se pode ganhar dinheiro passarão a ser parte do sistema energético. Vamos tornar a moradia acessível financeiramente durante anos, promover uma nova forma de construção civil em cooperativa.
Esses são exemplos bem concretos, para libertar os cidadãos das preocupações quotidianas. E vamos apresentar essa oferta, de A a Z, e aí tenho certeza de que alcançaremos um resultado eleitoral excelente.
ARD: O senhor está sentado aqui conosco tranquilo, de casaco de moletom. A impressão é de que está realmente gostando de estar numa atmosfera tão relaxada, aqui em Lisboa, enquanto toda a semana de debates da coalizão semáforo ficou em Berlim…
Desculpe interromper: a coalizão semáforo não existe mais, ela é história. E para mim é errado, trágico até, que no dia em que Donald Trump se torna presidente, em que possivelmente a Europa vai ter tanto a enfrentar, que nesse dia a economia europeia mais forte, a Alemanha, perca o seu governo. Parece uma piada de mau gosto histórica. Não sei se é para classificar como trágico ou irônico, mas eu considero errado.
Mas agora aconteceu, e esse olhar retrospectivo, esse “quem disse o quê e quando”, simplesmente me irrita, pois não leva absolutamente nada adiante. Temos que começar bem rápido a falar das respostas políticas ao nosso tempo; esse debate sobre a data da eleição antecipada tem que acabar: não é esse o principal problema do nosso país. Trata-se só de ser rápido, mas sem ser precipitado, não é tão difícil assim chegar a um acordo sobre a data da eleição.
Mas a questão real é o que a Alemanha quer e pode fazer nestes tempos, e essa máquina de concessões da coalizão semáforo não deve estar no caminho. De certo modo, agora é bem simples e claro: livres das limitações da coalizão, enquanto protagonistas políticos, precisamos apresentar a nossa análise do nosso tempo e não ter receio das respostas. Agora é o momento de colocar as cartas na mesa e dar as respostas corretas aos grandes problemas do nosso tempo.
DW: O senhor não está decepcionado com uns ou outros?
Sim, claro, do meu ponto de vista, estou decepcionado. Mas eu sei que do outro lado a recíproca é provavelmente verdadeira. Agora, acima de tudo, eu me pergunto: de que me serve a minha decepção? Como eu já disse: considero um erro histórico não termos mais um governo, nestes tempos atuais – por mais horrível que pudessem ser as coisas na coalizão.
Mas agora isso é um fato, de que serve agora essa coisa de ficar olhando para trás? Quando as relações fracassam, a pior coisa são as “guerras das rosas”. Aí uma diz: “Ele roncava sempre, nunca fazia compras”. E o outro: “Ela era tão impontual…” E quem quer saber disso? Então, vamos agora em frente, diria.