Judiciário
Atentado no STF: ‘querem perdoar sem antes sequer condenar’, diz Barroso
Presidente da Corte se pronunciou no início da sessão da tarde desta quinta sobre atentado na Praça dos Três Poderes
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso fez um pronunciamento no início da sessão da tarde desta quinta-feira (14/11), após atentado na Praça dos Três Poderes. O ministro afirmou que o episódio é um novo capítulo dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
“Algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo”, disse. “Não veem que dão incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar. A gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade que persiste no Brasil”.
Um homem, identificado pela Polícia Civil do Distrito Federal como Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, lançou artefatos sobre o prédio do STF, explodiu seu carro no estacionamento da Corte, e acionou explosivos em seu próprio corpo. Ele morreu na noite de quarta-feira (13/11).
“Uma pequena revolução ética e espiritual é o que estamos precisando”, disse Barroso. “O Supremo Tribunal Federal, com sua função constitucional de guardião da Constituição, continuará a simbolizar os ideais democráticos do povo brasileiro, e a luta permanente pela preservação da liberdade, da igualdade e da dignidade de todas as pessoas”.
Veja a íntegra da fala de Barroso:
Senhoras e senhores, eu abro essa sessão com uma fala institucional e que eu preferiria muito não ter que fazer. Apesar de ainda estarmos no calor dos acontecimentos e no curso das apurações, nós precisamos, como país e como sociedade, fazer uma reflexão profunda sobre o que está acontecendo entre nós. Onde foi que nós perdemos a luz da nossa alma afetuosa, alegre e fraterna para a escuridão do ódio, da agressividade e da violência? Estamos importando mercadorias espiritualmente defeituosas de outros países que se desencontraram na história.
Às 19h30 de quarta-feira, dia 13 de novembro de 2024, um homem que já foi identificado se aproximou com uma mochila e um extintor de incêndio da Estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal, e jogou um pano na estátua. Diante da movimentação, um segurança do tribunal se aproximou para a abordagem. As imagens das câmeras de vigilância mostraram o momento em que o suspeito deixa a mochila no chão e recua, e mais agentes começam a se aproximar. Um homem atirou, então, o primeiro artefato em direção à estátua, e não explodiu. Os agentes corajosamente começaram a cercá-lo. Ele arremessou um segundo artefato, que caiu mais perto da marquise do tribunal e causou uma explosão. A equipe de segurança conseguiu evitar que o homem se aproximasse do tribunal. Diante do cerro, esta pessoa acendeu mais um artefato, se deitou sobre ele e houve uma explosão, causando-lhe morte imediata.
Depois disso, a polícia judicial fez o primeiro isolamento do local. Na sequência, a Polícia Militar e a Polícia Federal assumiram os trabalhos em parceria com a nossa equipe de segurança, para averiguar outros artefatos que estavam na roupa do homem, na mochila e os que ele havia arremessado. Os trabalhos duraram toda a madrugada e o corpo foi retirado às 9 horas da manhã desta quinta. O diretor-geral da Polícia Federal, André Rodrigues, informou que o autor do atentado mantinha um grande número de explosivos na casa alugada por ele em Ceilândia, que foi alvo de operação policial. Uma gaveta que, felizmente, foi aberta por um robô antibombas, gerou uma grande explosão. Ninguém se feriu, mas o episódio mostra o nível de periculosidade das pessoas com as quais estamos lidando.
Eu queria aqui muito especialmente cumprimentar os agentes de segurança e da Polícia Judicial do Supremo Tribunal Federal pela atuação correta e corajosa, bem como a Polícia Federal e a Polícia do Distrito Federal pela presteza e empenho com que trataram do assunto. Esse episódio de ontem se soma ao que já vinha ocorrendo no país nos últimos anos. Em fevereiro de 2021, um deputado divulgou um vídeo com discurso de ódio, ofensas e ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal, num grau inimaginável de grosseria e incivilidade. Em outubro de 2022, um parlamentar notório por esquemas variados desrespeita ordem do Supremo Tribunal Federal e ataca os policiais federais com fuzis e granadas. Disse que fazia isso em nome da liberdade.
Em abril de 2022, uma parlamentar persegue de arma em punho um cidadão que havia se manifestado criticamente, em tom, aliás, muito menos grave do que aquele a que todos nós víamos sendo submetidos. Ao longo dos meses de novembro e dezembro, após bloqueio de estradas, milhares de pessoas acamparam nas portas de quarteis por todo o país, pedindo desrespeito ao resultado das eleições e golpe de estado. Muitos deles insuflados pela afirmação criminosamente mentirosa de que teria havido fraude nas eleições.
No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas mancomunadas via redes sociais, com a grave cumplicidade de autoridades, invadiram e depredaram a sede dos três poderes da República. Relativamente a esse último episódio, algumas pessoas foram da indignação à pena, procurando naturalizar o absurdo. Não veem que dão incentivo para que o mesmo tipo de comportamento ocorra outras vezes. Querem perdoar sem antes sequer condenar. A gravidade do atentado de ontem nos alerta para a preocupante realidade que persiste no Brasil.
A ideia de aplacar e de deslegitimar a democracia e suas instituições numa perspectiva autoritária e não pluralista de exercício do poder inspirada pela intolerância, pela violência e pela desinformação, reforça também e sobretudo a necessidade de responsabilização de todos os que atentem contra a democracia.
Mas nos perdemos nesse mundo de ódio, intolerância e golpismo. Por que subitamente se extraiu o pior das pessoas? Pessoas com visões diversas podem ter respostas diferentes para esse fato, para essa pergunta. Porém, para procurar os inspiradores dessa mudança na alma nacional, que nós precisamos é fazer um caminho de volta. De volta à civilidade e ao respeito mútuo. Superar essa crença primitiva de que quem pensa diferente de mim só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa escusa. A vida não deve ser vivida assim.
A sociedade brasileira é plural. O Supremo Tribunal Federal é plural. Aqui estão pessoas que pensam de modo diferente acerca de muitos temas, mas nós nos tratamos com respeito e consideração e estamos todos irmanados nos valores que nos unem como nação e que se encontram na Constituição. E por evidente, a não violência é um deles. A democracia, como sempre digo, tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. Somos todos livres e iguais. Só não há lugar para quem não respeita as regras da própria democracia, para quem não respeita os direitos fundamentais dos outros, para quem pensa que a violência é uma estratégia de ação. Uma causa que precisa de ódio, de mentira e de violência não pode ser uma causa boa.
Repito, ninguém tem um monopólio da verdade, ninguém tem um monopólio da virtude, nem tão pouco do amor ao Brasil. Amanhã nós celebramos a proclamação da República. É uma boa hora de renovarmos nossos votos e nossas crenças nos valores republicanos. É uma boa hora para um novo recomeço. Cada um pensando de acordo com suas convicções, mas sem desqualificar ou agredir quem pensa diferente. Uma pequena revolução ética e espiritual é o que estamos precisando. O Supremo Tribunal Federal, com sua função constitucional de guardião da Constituição, continuará a simbolizar os ideais democráticos do povo brasileiro, e a luta permanente pela preservação da liberdade, da igualdade e da dignidade de todas as pessoas.
O episódio de ontem será apenas mais uma cicatriz na história. Uma história de superação e progressiva construção de um país melhor e maior. Em nome do Tribunal, queria agradecer a solidariedade de todos os que assim se manifestaram e de novo fazer esse apelo a toda a sociedade brasileira por um novo recomeço com civilidade, com respeito, com a capacidade de divergir sem precisar desqualificar quem pensa de maneira diferente. Nós estamos precisando retomar um tempo de civilidade, fazer essa pequena revolução ética e espiritual de volta a ser o que nós sempre fomos, um povo afetuoso, um povo alegre, um povo em que as pessoas se gostam e se tratam com respeito e consideração.