Internacional
Juristas dos EUA discordam sobre constitucionalidade do impeachment de Trump
O julgamento do impeachment do ex-presidente Donald Trump no Senado dos EUA está programado para começar no dia 9 de fevereiro. Antes de tudo, porém, há uma questão controversa, que já está nos jornais, no plenário da Casa e poderá avançar para o processo de acusação e defesa no julgamento: o impeachment de um presidente, depois que ele já deixou o cargo, é constitucional? Há juristas para o “sim” e para o “não”.
Os que dizem que é inconstitucional saíram na frente, argumentando que, de acordo com as cláusulas de impeachment da Constituição, apenas um presidente em pleno exercício do cargo (incumbent president) pode ser condenado e removido do cargo pelo Senado.
No entendimento desses juristas, o único propósito do poder de impeachment é remover do cargo um presidente ou outra autoridade, antes que ele cause mais danos à nação, com o poder que o cargo lhe confere. Eles citam dois artigos da Constituição:
Artigo II, Seção 4: “O presidente, vice-presidente e todas as autoridades civis dos Estados Unidos devem ser removidos de seus cargos através de impeachment e condenação por traição, corrução e outros altos crimes e contravenções penais”.
Artigo I, Seção 3: “O julgamento em casos de impeachment não deve se estender além da remoção do cargo e desqualificação para ocupar qualquer cargo de honra, confiança ou lucro nos Estados Unidos”.
Para esses juristas, o argumento de que o objetivo da condenação de Trump não é removê-lo do cargo, mas sim o de cassar seus direitos políticos, é incorreto. Isso porque a cassação dos direitos políticos do presidente só é possível depois da condenação por processo de impeachment. Se o impeachment é inconstitucional, o processo de cassação não chega a acontecer.
Medida constitucional
Em um discurso no plenário do Senado, o novo líder da maioria, o democrata Charles Schumer, disse que conhece esses argumentos, mas que já tem pareceres de juristas que consideram o impeachment de Trump constitucional, apesar de ele já estar afastado do cargo.
A melhor sustentação será, provavelmente, baseada em precedentes. Houve dois casos em que o Congresso aprovou o impeachment de autoridades, depois de eles haverem renunciado a seus cargos: o impeachment do senador William Blount, em 1797, e o impeachment do secretário da Guerra, William Belknap, em 1876.
Juristas argumentam que a Constituição estabelece as situações em que um presidente pode ser condenado em um processo de impeachment, mas não diz nada sobre o momento em que o impeachment e o julgamento podem ser realizados.
Essa omissão faria sentido porque presidentes podem cometer crimes sujeitos a impeachment nos derradeiros momentos de seu mandato. O cometimento de crime, por ser tardio, não garante imunidade ao presidente e ele fica sujeito a um processo de cassação de seus direitos políticos, de qualquer forma.
Há situações em que a má conduta de um presidente é sujeita a processo de impeachment, embora não se possa processá-lo criminalmente na justiça comum, porque a tal má conduta não pode ser considerada um crime ou contravenção penal. Mas, nem por isso, o presidente pode escapar de responsabilização.
Procedimentos do impeachment
Se o julgamento do impeachment de Trump for em frente, o que é provável, deputados nomeados “gerentes do impeachment” irão apresentar a acusação aos senadores – exercendo o papel de promotores no julgamento. A acusação está contida em apenas um artigo de impeachment: a de que Trump incitou a insurreição que resultou na invasão do Congresso.
A defesa, que será liderada pelo advogado Butch Bowers, tentará isentar o ex-presidente de responsabilidade pela invasão do Congress. Mas, antes disso, irá provavelmente disputar a constitucionalidade do impeachment. Essa disputa tem chance de chegar à Suprema Corte, se for em frente.
Preço político
A condenação de Trump precisa dos 50 votos democratas no Senado, mais 17 votos de senadores republicanos. Isso constituiria dois terços dos 100 votos no Senado. Provavelmente, há mais de 17 republicanos dispostos a condenar Trump, pelas acusações e, para num passo seguinte, pela cassação de seus direitos políticos permanentemente.
No entanto, haverá um preço político para isso. Entre os 75 milhões de eleitores que votaram em Trump nas eleições de novembro, há uma considerável base eleitoral. Trump já ameaçou, caso seja deserdado pelo Partido Republicano, fundar um novo partido: o Partido Patriota (Patriot Party). Isso iria rachar o Partido Republicano no meio. E deixá-lo incapaz de vencer eleições para os principais cargos do governo.
“Patriots” é o adjetivo que membros dos movimentos de extrema direita comumente usam para se qualificar – ou o que eles são e o que justifica suas ações. E o ex-presidente Trump já se referiu a eles com o mesmo adjetivo.
Alternativa ao impeachment
Por todas essas razões, um grupo de democratas duvida que o impeachment vai passar no Senado. Por isso, está insistindo na ideia de passar uma resolução, declarando que Trump violou a 14ª Emenda da Constituição. Tal emenda proíbe autoridades federais de voltar a exercer qualquer cargo público novamente, “se eles se engajaram em insurreição ou rebelião contra o governo”.
Essa seria uma forma de se livrar de Trump – isto é, de cassar seus direitos políticos e impedir que ele se candidate a presidente em 2024, como vem falando. Com isso, os parlamentares conseguiriam evitar as complexidades do processo de impeachment – incluindo a de que ele termine na Suprema Corte.
As probabilidades de a Suprema Corte se voltar contra Trump não são grandes. A corte tem seis ministros conservadores (indicados por presidentes republicanos) e apenas três liberais (indicados por presidentes democratas).