Internacional
Ondas de frio não negam mudanças climáticas
É um chavão: toda vez que uma nevasca atinge a Europa, climacéticos se apressam para perguntar “onde está o aquecimento global”. Um argumento facilmente desbancado cientificamente
“Cadê as mudanças climáticas?” O chavão reaparece toda vez que é noticiado sobre uma nevasca ou uma frente fria, como a que atinge atualmente partes da Alemanha. A conclusão implícita: se as temperaturas estão baixas, não pode haver aquecimento global causado pelo homem.
Mas esta suposição é errada. Os efeitos do aquecimento global, na verdade, podem favorecer frentes frias mais agudas.
As causas do frio atual na Europa
A frente fria atual na Alemanha é muito mais do que apenas um inverno rigoroso. Ela resulta da “quebra” do vórtice polar no Polo Norte. Ele se forma ali no inverno, como um círculo de ar extremamente frio na estratosfera.
O vórtice polar está intimamente ligado às correntes de jato, faixa de ventos fortes a uma altitude de cerca de 10 quilômetros. Na região da frente polar, ela flui entre as massas de ar quente dos trópicos e subtrópicos e o ar polar frio. Nas camadas inferiores do ar, formam-se zonas de alta e baixa pressão nesta área de transição, como a “depressão da Islândia” e o “anticiclone dos Açores”.
A corrente de jatos geralmente determina como será o inverno na Europa: se é forte e flui de oeste para leste, traz do Atlântico um clima ameno, com ventos e chuvoso e segura o ar frio do Ártico. Mas se o jato for fraco e ondulado, o vórtice polar também se torna fraco ou se rompe completamente. Assim, o ar frio do Ártico pode penetrar para o sul.
O clima de inverno atual no norte da Europa é o efeito de uma corrente de jato fraca – ou, mais precisamente, de um mergulho profundo dela. O resultado: uma quebra particularmente forte e prolongada do vórtice polar – e temperaturas geladas mais ao sul do que o normal.
O papel das mudanças climáticas
É aqui que entra em jogo o aquecimento desproporcional do Ártico, explica Stefan Rahmstorf, chefe do departamento de pesquisa de Análise do Sistema da Terra do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK). Segundo Rahmstorf, as temperaturas no Ártico subiram quase três vezes mais que a média global durante os últimos 40 anos. “E estas mudanças no Ártico estão afetando o clima na Europa”, comenta.
O aquecimento do Ártico é particularmente forte no inverno, diz Dörthe Handorf, que conduz pesquisas sobre a física da atmosfera no Instituto Alfred Wegener do Centro Helmholtz para Pesquisa Polar e Marinha (AWI).
“O aquecimento do Ártico, como mostram muitos estudos, está causando o enfraquecimento da corrente de jatos”, diz Handorf. A corrente de vento, explica ela, está começando a “quebrar”. Como resultado, isso pode levar cada vez mais frequentemente a frentes frias mais ao sul da Europa, como a atual.
O inverno na Europa está ficando mais frio?
Não necessariamente. Por um lado, as frentes de ar frio podem variar de intensidade. Por outro, não é apenas o Ártico que está aquecendo. Há também um forte aquecimento nos subtrópicos, que também tem um impacto sobre as correntes de jato, explica Handorf.
Enquanto o aquecimento do Ártico tende a direcionar as correntes de jato para o sul e pode causar mais frio na Europa, o aquecimento subtropical tende a direcionar a corrente para o norte. Quando isso acontece, o inverno na Europa fica mais ameno.
Qual tendência de aquecimento predominará no futuro, ou seja, qual tendência influenciará as correntes de jatos, e com ele o inverno na Europa, ainda não pode ser claramente previsto.
Mudança climática não significa necessariamente menos neve
Para começar, o fato de que atualmente há tanta neve em cidades distantes das montanhas na Alemanha é uma condição muito rara. Para que isso ocorra, ar quente e úmido tem que encontrar ar muito frio. Nas terras baixas da Europa Ocidental, o ar é raramente muito frio.
Mas foi exatamente isso que ocorreu no norte e no centro da Alemanha neste ano. O anticiclone (centro de alta pressão) Gisela trouxe grandes quantidades de ar frio do Ártico. No meio da Alemanha, Gisela encontrou os ciclones (centros de baixa pressão) Tristan e Reinhard, que traziam consigo o ar quente do mar. O resultado: muita neve.
O motivo: quanto mais quente o ar, mais umidade ele pode absorver e transportar. E é exatamente aqui que o aquecimento global entra novamente em jogo: se as massas de ar ficarem mais quentes em média, elas podem transportar mais umidade. E esta umidade pode então se transformar em neve no inverno onde quer que esteja frio – geralmente em regiões mais altas.
Foi isso que causou as enormes nevascas nos Alpes no inverno de 2019. Na época, como explica Peter Hoffmann, meteorologista da PIK, os oceanos ainda estavam bastante quentes no inverno devido ao longo verão quente, e muita água evaporou. Transportada pelas correntes de ar para os Alpes, uma enorme quantidade de neve caiu em altas altitudes, causando caos.
Clima regional é uma coisa, clima global é outra
Vez ou outra os dados meteorológicos para uma região parecem estar em desacordo com o aquecimento global, que é cientificamente comprovado. Isso causa regularmente confusão e falsas suposições.
Na verdade, o aquecimento global não tem efeito em todos os lugares e nem sempre resulta em mais calor. Por exemplo, nos últimos 20 anos, os invernos em muitas áreas de zonas temperadas não têm sido muito mais quentes em média do que a média a longo prazo, diz a meteorologista Handorf.
As atuais temperaturas negativas na Europa também afetarão as estatísticas de temperatura para o inverno alemão de 2020/2021. Mas, por um lado, o frio atual, como descrito, é devido a um mergulho anormalmente grande das correntes de jato, ou seja, um evento climático muito específico favorecido pelas mudanças climáticas. E mesmo que fevereiro seja particularmente frio neste ano, o mês de janeiro pode ter sido significativamente quente demais – em comparação com a média de longo prazo.
“Embora nem sempre vejamos o aquecimento regional ou local, não temos evidências de que o aquecimento global esteja enfraquecendo, muito pelo contrário”, conclui Handorf.
E o verão? A mudança das correntes de jato também têm um efeito, diz a especialista.
“Há estudos que mostram que também temos uma corrente de jato mais tortuosa no verão. Se o ar quente do Saara chegar à Europa através dos jatos, como aconteceu em junho de 2019, por exemplo, uma longa onda de calor pode acontecer. Durante tais períodos de calor, fica óbvio para muitos que a crise climática chegou às suas portas – mas na verdade isso também acontece quando neva.