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Judiciário

As consequências jurídicas e políticas da anulação do processo de Lula

Analisamos as consequências do fato de Lula ter sido impedido de concorrer nas eleições de 2018 em virtude de um processo decretado nulo

RESUMO: O presente trabalho analisa, por meio de uma metodologia investigativa e exploratória, as consequências jurídicas do fato de Lula ter sido impedido de concorrer nas eleições de 2018 em virtude de um processo decretado nulo. Assim, foram vistas as consequências penais, civis e políticas do referido fato, sendo analisados três atores principais: o Ex-Presidente Lula, o Ex-juiz Moro e o Presidente Bolsonaro. Em relação ao primeiro, foi visto que, além de recuperar seus direitos políticos, o mesmo tem o direito de ser indenizado civilmente. Em relação ao segundo, foi visto que ele deve responder penal e civilmente pelos seus atos. Em relação ao terceiro, foi visto que a eleição do mesmo dificilmente poderá ser anulada, mas que se trata de um governo ilegítimo.

Palavras-Chaves: Lula – Moro – Anulação


INTRODUÇÃO

O contexto fático inicial do objeto de estudo do presente artigo é fácil de perceber: o candidato que estava em primeiro lugar nas pesquisas é impedido de concorrer por causa de uma condenação penal não transitada em julgada e, em seguida, é preso. O segundo lugar das pesquisas é eleito e, imediatamente, o juiz responsável pela sentença e pela instrução probatória do processo que condenou o primeiro colocado nas pesquisas abandona a magistratura e vira ministro do candidato eleito. Passado um tempo, o processo que impediu o primeiro colocado de concorrer é declarado nulo pelo Supremo Tribunal Federal em dois processos diferentes e por dois motivos diferentes: o ex-juiz era incompetente e suspeito.

Diante dos fatos narrados, a dúvida que fica é: quais as consequências jurídicas e políticas da condenação anulada do primeiro colocado nas pesquisas?

A resposta ao questionamento acima é o que, por meio de uma metodologia investigativa e exploratória, pretende se fazer no presente estudo.

1. DAS CONSEQUÊNCIAS PARA O EX-PRESIDENTE LULA.

De antemão, importante frisar que a prisão de Lula teria sido indevida ainda que o processo julgado por Sérgio Moro não tivesse sido nulo, sendo por essa razão que Lula acabou sendo solto antes da decretação da nulidade.

O artigo 5º da Constituição da República é expresso ao afirmar em seu inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Assim, concordasse ou não concordasse com a condenação de Lula, achasse normal ou não o juiz que instruiu o processo de Lula ter virado Ministro da Justiça e Segurança Pública, o fato é que o processo de Lula nunca chegou a transitar em julgado, de modo que, pela Constituição, ele sempre foi inocente e não poderia ter sido preso.

Nesse sentido, o Código de Processo Penal afirma em seu artigo 283:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Desse modo, a lei é clara: a pessoa só pode ser presa em flagrante, por meio de prisão preventiva, por meio de prisão temporária ou em virtude de sentença condenatória TRANSITADA EM JULGADO.

Lula não foi preso em flagrante, não foi preso temporariamente e não foi preso preventivamente, ele foi preso em decorrência de uma sentença penal condenatória proferida na Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR que NUNCA CHEGOU A TRANSITAR EM JULGADO.

A lei não é dúbia, não dá margem para mais de uma interpretação e não deixa qualquer dúvida: se a condenação não transitou em julgado, a pessoa não pode ser presa em virtude da mesma.

O entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal-STF que implicou na prisão de Lula foi uma aberração jurídica contrária ao que está expresso na Constituição e na lei, sendo por essa razão que o próprio STF em 2019 mudou novamente de entendimento a passou a entender que só com o trânsito em julgado alguém poderia ser preso em virtude de uma sentença penal condenatória[1], sendo Lula solto no dia seguinte[2].

Entretanto, mesmo solto, Lula continuou condenado em segunda instância e, em consequência, inelegível por força da Lei de Ficha Limpa[3] até a decretação da nulidade dos processos contra o mesmo no HC 193.726 em virtude da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-presidente[4], decisão que foi inicialmente proferida monocraticamente, mas que foi confirmada pelo plenário do STF[5]. A referida nulidade tornou Lula, então, apto para disputar novamente a eleição presidencial, passando o mesmo novamente a ser o primeiro colocado nas pesquisas[6].

Em seguida, a Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR foi novamente decretada nula, incialmente por uma das turmas do STF, mas já com maioria formada no mesmo sentido no plenário da Suprema Corte[7], em virtude do reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, que, além de ter virado ministro do político beneficiado por sua decisão, também dialogava com o procurador responsável pela acusação estratégias processuais.

Diante do exposto até aqui, a situação atual é a seguinte: Lula foi impedido de disputar a eleição presidencial e ficou 580 dias preso por causa de um processo penal duplamente nulo.

A realidade aqui exposta lembra um trecho do livro “O Processo” de Franz Kafka:

– Não busco os efeitos fáceis do orador – disse K. seguindo o fio da sua argumentação –, seria aliás incapaz. O Senhor Juiz de Instrução fala sem dúvida muito melhor, isso faz parte do seu ofício. O que desejo é que seja discutida publicamente uma prepotência do serviço público. Escutem: há cerca de dez dias, fui preso; as próprias condições desta prisão fazem-me rir, mas não é essa a questão agora (…) Senti dificuldade em manter a calma. Mas consegui-o, e perguntei ao inspector com a maior calma… se ele aqui estivesse, seria obrigado a confirmá-lo… por que motivo estava sob prisão. Ora, qual foi a resposta deste inspector, que ainda estou a ver à minha frente, sentado na poltrona da senhora que acabo de evocar, encarnação da mais estúpida arrogância? Meus senhores, no fundo nada me respondeu; talvez não soubesse realmente nada; tinha-me prendido, e isso bastava-lhe. Tinha-se até mostrado zeloso ao trazer para o quarto desta senhora três funcionários subalternos do meu banco, que se puseram a examinar e a desarrumar fotografias pertencentes a essa senhora. (…)até a Senhora Grubach foi suficientemente inteligente para compreender que uma tal detenção não significa nada mais do que uma agressão feita na rua por rapazolas entregues a si próprios. Repito: todo este caso só me proporcionou dissabores e uma cólera passageira, mas não podia ter consequências mais graves?

Quando K. se interrompeu e lançou uma olhadela na direcção do juiz de instrução, julgou observar que este, sem nada dizer, fazia justamente sinal com os olhos a alguém na assistência. K. sorriu enquanto dizia: – Neste mesmo instante, o juiz de instrução a meu lado dirige um sinal combinado a algum de entre vós. Há, portanto, entre vós gente que é manipulada a partir deste estrado. Ignoro se este sinal tinha por fim provocar os assobios ou os aplausos, e ao divulgar desde já este facto, renuncio em perfeito conhecimento de causa a descobrir o significado desse sinal. Ême completamente indiferente e autorizo publicamente o Senhor Juiz de Instrução a transmitir aos seus empregados, ali na plateia, as suas ordens em voz alta e inteligível em vez de sinais furtivos, dizendo: «Agora assobiem!», ou «Agora aplaudam!»”[8].

Na história do livro acima mencionado K. é preso por meio de um processo absolutamente obscuro, cheio de nulidades e possivelmente com regras aplicadas sob medida. No meio jurídico, sempre que nos deparamos com um processo parecido, chamamos o mesmo de um “processo kafkaniano”.

Pois bem, o que aconteceu com K. foi exatamente o que aconteceu, tal como foi reconhecido pelo próprio STF, com Lula, de modo que deve existir alguma consequência, Lula deve ser ressarcido pelos prejuízos que sofreu.

Entretanto, a doutrina não é uníssona em defender a responsabilidade do Estado pela prática de atos jurisdicionais[9].

Os argumentos para a tese da irresponsabilidade são variados, como a soberania do Poder Judiciário, a independência funcional dos magistrados, bem como a preservação da coisa julgada[10].  

No entanto, ousamos discordar dos referidos entendimentos.

No que tange a autonomia, ou soberania como dizem alguns, do Poder Judiciário, não conseguimos enxergar como a mesma pode impedir a responsabilidade estatal. Não podemos, como base na autonomia, dar carta branca para arbitrariedade, além do mais, cabe ao próprio Poder Judiciário avaliar a sua responsabilidade, não havendo, assim, o que se falar em ofensa à separação de poderes.

Também não podemos aceitar a tese da autonomia funcional do magistrado. Em verdade, todos aqueles que exercem uma carreira de Estado possuem autonomia, como os promotores, os advogados públicos e os defensores públicos, nem por isso se fala que há irresponsabilidade pelos atos praticados pelos mesmos, não se fala que eles não poderão se responsabilizar quando agirem com dolo ou culpa. Não pode existir um agente público irresponsável. Isso fere a segurança jurídica dos cidadãos e os mais comezinhos princípios do direito público.

No que tange a preservação da coisa julgada, também não enxergamos como a mesma pode vir a ser prejudicada, não estamos querendo levantar mais uma tese acerca da desconstituição da coisa julgada, estamos apenas querendo que exista a responsabilização do Estado pela sentença mal elaborada ou mal-intencionada, o que não implica em fulminar a mesma, mas apenas em ressarcir a parte que foi prejudicada. De qualquer forma, existem mecanismos para desconstituir a própria coisa julgada, como a ação rescisória[11].

 Assim, acreditamos que deve existir responsabilidade estatal pelos atos jurisdicionais.

Nesse sentido, o inciso LXXV, do artigo 5º, da CF88 prevê a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário[12], prevendo ainda o seguinte no mesmo artigo: “LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Desse modo, a Constituição expressamente prevê a responsabilização civil do Estado por erro judiciário para quem ficar preso além do tempo previsto na sentença, devendo ser aplicada a mesma lógica para Lula, que ficou preso em decorrência de uma sentença não transitada em julgado e que ainda foi decretada nula, situação muito mais grave do que ficar preso além do tempo previsto em uma sentença não viciada.

Assim, Lula, além de já ter recuperado seus direitos políticos, pode entrar com uma ação indenizatória contra o Poder Público pedindo o ressarcimento pelos danos sofridos, sejam eles materiais ou morais, em virtude de ter ficado preso indevidamente por 580 dias e ainda por ter perdido a chance de concorrer para a eleição presidencial na qual havia uma probabilidade de êxito tendo em vista os resultados das pesquisas, sendo a dita probabilidade um requisito essencial para indenização pela perda de uma chance[13].

2. DAS CONSEQUÊNCIAS PARA O EX-JUIZ MORO.

Uma questão pouco discutida até o momento é: qual a responsabilidade do ex-juiz Sérgio Moro por ter condenado Lula sendo incompetente e suspeito?

Bem, de antemão, não existe mais a possibilidade de Sérgio Moro sofrer sanções de ordem administrativas porque ele pediu exoneração do cargo de Juiz Federal, não podendo mais retornar ao mesmo nem mesmo após também ter pedido exoneração do cargo de Ministro de Estado.

Entretanto, no âmbito penal facilmente as atitudes de Sérgio Moro se enquadram na atual Lei de Abuso de autoridade, que em seu artigo 9º traz o seguinte tipo penal perfeitamente aplicável ao caso aqui estudado: “Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Outro artigo da Lei de Abuso de Autoridade que aprece se encaixar ao caso é o seguinte:

Art. 23.  Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

 Além disso, tendo em vista a divulgação indevida de conversa entre Lula e a ex-presidenta Dilma[14], Sérgio Moro também praticou o seguinte ato atualmente tipificado como crime na lei de Abuso de Autoridade: “Art. 28.  Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Desse modo, claro está que as condutas de Sérgio Moro podem se amoldam em mais de um tipo previsto na atual Lei de Crimes de Abuso de Autoridade. Entretanto, a referida lei é de 2019, ou seja: ela foi promulgada após os atos praticados por Moro no caso aqui analisado, não podendo a lei penal retroagir para prejudicar um acusado.

Entretanto, o tipo do artigo 9º da atual Lei de Abuso de Autoridade já existia na antiga Lei de Abusivo de autoridade, senão vejamos:

Lei 4896/65 (revogada).

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

Já a parte final do artigo 28 da nova lei se encaixa com outro inciso do artigo 4º da antiga lei, que prevê como abuso de autoridade praticar: “h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal.”

Desse modo, ao menos em relação à prisão indevida de Lula e aos atos lesando sua honra, não houve “Abolitio criminis” na conduta realizada pelo ex-juiz, devendo o mesmo responder penalmente pelo referido fato.

Naturalmente, Sérgio Moro deve ter amplo direito de defesa, só podendo ser preso caso venha a ser condenado em uma sentença com trânsito em julgado, pois a inocência, apesar dos atos praticados pelo mesmo, ainda se presume no nosso país.

Outrossim, Sérgio Moro também pode ser responsabilizado civilmente pelos seus atos.

Oparágrafo 6º do artigo 37 da Constituição, ao falar da Responsabilidade Civil do Estado, afirma que ficará “assegurado o direito do regresso nos casos de dolo ou culpa”. Desta feita, o dispositivo constitucional acima consagrou o entendimento de que o agente público que praticou o ato danoso não responderá de forma objetiva, e sim, tão-somente, se ficar comprovado que o mesmo agiu com dolo ou culpa.

Por outro lado, em relação especificamente aos magistrados no exercício de função jurisdicional, a Lei Complementar 35/79(Lei Orgânica da Magistratura Nacional- LOMAN) prevê: “CAPÍTULO III Da Responsabilidade Civil do Magistrado:  Art. 49 – Responderá por perdas e danos o magistrado, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude”.

Desse modo, para que Sérgio Moro seja responsável civilmente urge a necessidade dos seguintes requisitos:

– Comprovação de que o mesmo agiu com dolo ou fraude e que dessa ação foi gerado um dano;

– A condenação da Administração Pública ao pagamento dos prejuízos decorrentes do referido dano;

-O pagamento efetivo realizado pela Administração, uma vez que não há o que se falar em ressarcimento se não houve prejuízo por parte da mesma.

Diante dessa situação, surge a seguinte dúvida: É possível Lula entrar diretamente com a ação de responsabilidade civil contra o Moro?

O Supremo Tribunal Federal entende que não seria possível a responsabilização “per saltum” dos agentes estatais, pois responder apenas por meio de uma ação de regresso é uma forma de proteger o próprio servidor, existindo, assim, uma dupla garantia: uma para o lesado, de ser ressarcido e outra para o servidor público, de só responder por meio de uma ação de regresso. (vide: Recurso Extraordinário 327.904).

Desse modo, cabe ao presidente Lula entrar com a ação contra a União (tendo em vista que o processo correu perante a Justiça Federal), cabendo ao Poder Público, caso condenado, entrar com uma ação de regresso contra Sérgio Moro para que o mesmo responda pela indenização paga no caso de comprovação de dolo ou fraude, tendo em vista que o mesmo como magistrado era um agente do Estado[15].

Frise-se, por fim, que Sérgio Moro não tem foro privilegiado, pois no momento não é nem juiz nem ministro, devendo ser julgado por um juiz de primeiro grau.  

3. DAS CONSEQUÊNCIAS PARA O PRESIDENTE BOLSONARO.

De antemão, importante lembrar qual é o nosso recorte de pesquisa: analisar as consequências da nulidade dos processos de Lula. Assim, não vamos analisar aqui questões como “rachadinha”, má gestão na pandemia do Novo Coronavírus ou gastos excessivos em viagens presidenciais.

Sobre o tema aqui proposto, é natural a desconfiança da existência de um conluio entre o juiz e o presidente eleito para interferir no resultado das eleições, tendo em vista que o primeiro foi nomeado ministro do segundo logo no início do atual Governo Federal.

Desse modo, é possível pensar que a presente situação se amolda aos casos de anulação da eleição previstos no Código Eleitoral quando o mesmo afirma:

Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.        

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

Entretanto, ainda que Bolsonaro tenha sido beneficiado e eleito em face das decisões de Moro e ainda que a conduta deste último de ter aceitado virar ministro levante suspeitas, esses meros indícios não são suficientes para se anular uma eleição, pois em um estado democrático de Direito, como ainda é o caso do Brasil, não deve se julgar nem mesmo se acusar por meras convicções, sendo necessária a existência de provas.

Por outro lado, ainda que no aspecto jurídico não seja possível visualizar qualquer chance de anulação da eleição presidencial de 2018, no aspecto político não podemos dizer o mesmo, pois, mesmo havendo legalidade da eleição de Bolsonaro, não há o que se falar na existência de legitimidade.

Bolsonaro foi eleito sim pelo voto popular em uma eleição sem nenhuma fraude detectada e realizada de forma eletrônica por meio de um sistema extremamente seguro e que é referência mundial.

Entretanto, não podemos confundir o conceito de legalidade com o de legitimidade, pois para primeira existir basta o respeito ao direito posto[16]. Já legitimidade, como afirma Paulo Bonavides, é um conceito mais delicado, pois representa a “legalidade acrescida de sua valorização”[17], sendo a adequação com a vida social[18].

Lula era o primeiro colocado nas pesquisas quando foi impedido de concorrer e voltou para a primeira colocação nas pesquisas imediatamente após recuperar seus direitos políticos. Assim, uma eleição presidencial sem a presença do mesmo não se adequa à vida social, não está em consonância com a vontade popular.

Sendo mais claro: Bolsonaro foi eleito em uma eleição na qual o candidato preferido da população pelas pesquisas foi impedido de se candidatar.

Assim, ainda que não se encontre nenhum vício legal na eleição de 2018 e ainda que o atual presidente chegue ao fim do seu mandato sem ser impedido por outros motivos, como o negacionismo diante de uma pandemia, não há o que se falar em um governo legítimo, o que é algo extremamente preocupante, principalmente em se tratando de um governo com viés reformador.

Desse modo, como é que um governo sem legitimidade poderia ter feito uma reforma tão significativa na previdência social tal como aconteceu em 2019? Como pretende um governo ilegítimo e que pode se encerrar pelo voto popular no próximo ano fazer uma reforma administrativa mudando toda a lógica do serviço público existente desde 1988? Ou até mesmo como pode o dito governo ser responsável por conduzir uma reforma tributária e, principalmente, uma reforma política? Além disso, como pode se permitir a um governo ilegítimo abrir mão de ativos da nossa Administração Pública por meio da privatização de empresas estatais?

Enfim, espera-se que o atual governo receba os freios devidos, principalmente por parte dos outros poderes da República, para que o Chefe do Executivo Federal, caso chegue ao final do seu mandato, o faça sem mudar por completo a estrutura pública e privada do nosso país.

CONCLUSÃO

O ex-presidente Lula foi impedido de se candidatar para a presidente e ficou 580 dias preso por causa de um processo que foi anulado duas vezes. Assim, o mesmo deve procurar ser ressarcido civilmente pelos danos sofridos.

O Juiz Sérgio Moro, ainda que esteja por opção sem qualquer cargo público, aparentemente vem saindo ileso pelos atos praticados, mas o mesmo pode vir a ser responsabilizado penalmente e civilmente, devendo ser assegurado ao mesmo o direito a todas as garantias processuais devidas a qualquer cidadão.

Por fim, ainda que o caso aqui estudado não venha a trazer nenhuma consequência jurídica para o Presidente Bolsonaro, o mesmo deve assumir o ônus político de ter sido eleito em um pleito no qual o primeiro colocado nas pesquisas foi impedido de se candidatar em virtude de um processo anulado por dois motivos diferentes, não podendo a população sofrer as consequências dos atos praticados por um governo ilegítimo.   

Autor

  • Ricardo Russell Brandão Cavalcanti – Doutorando em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho-Braga, Portugal. (subárea: Direito Administrativo). Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-Graduando em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco – IFPE, lecionando Direito Administrativo e Legislação para cursos técnicos e tecnológicos na área de Ciências da Administração. Defensor Público Federal.
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