Internacional
Tuítes de adolescência perseguem políticos, anos depois
Para uma jovem política alemã, postagens inflamadas de quando tinha 14 anos de idade valeram até ameaças de morte. Debate ressalta responsabilidade pessoal e das plataformas, assim como a reação da sociedade e da mídia
A alemã Sarah-Lee Heinrich deixou rastros comprometedores no Twitter. Algumas de suas postagens são ofensivas, outras pejorativas, homofóbicas, há até mesmo fantasias de assassinato. São os desabafos de uma adolescente de 13, 14 anos. Uma menina, portanto – que, passados cerca de sete anos, se transformou em jovem política.
Quando Heinrich foi eleita porta-voz da Juventude Verde, imediatamente seus tuítes reaparecem, desencadeando um debate que se exacerbou ao ponto de ela se retirar da cena pública. Segundo o partido, ela recebera ameaças de morte, apesar de anteriormente ter se dissociado das mensagens e se desculpado. Houve quem defendesse Heinrich, alegando “pecados de juventude”, enquanto para outros suas antigas mensagens eram mais do que uma bobagem de infância.
Num tuíte de 10 de outubro de 2021, ela própria comentou: “Moral da história: não escrevam qualquer merda na rede! No futuro, vocês podem tranquilamente contar a minha história à mesa de jantar e usar na escola como exemplo de dissuasão, para os mais jovens aprenderem a usar a internet com senso de responsabilidade.”
Independente da gravidade concreta das transgressões, a discussão atual suscita questionamentos que vão muito além do caso da jovem política. Como lidar com “pecadilhos digitais juvenis”? Que função têm as redes sociais? E como a sociedade encara essa temática?
Quando a internet vira um pelourinho
A cultura de debate está fundamentalmente transformada, explica Christoph Neuberger, do Instituto para Estudos de Jornalismo e Comunicação da Universidade Livre de Berlim: “Vivenciamos um acirramento, frequentemente acompanhado de moralização e forte personalização. Assim, se explora com mais intensidade o potencial da internet de ser usada como pelourinho.”
Há muito é sabido que a cultura de debate se tornou mais crua e impiedosa. Contudo, reforça o colaborador científico do Instituto de Pedagogia Midiática na Pesquisa e na Prática (JFF) Georg Materna, o caso Heinrich revela novas dimensões, sobretudo no tocante aos jovens.
Enquanto, até algum tempo atrás, as redes sociais eram acima de tudo vistas como locais em que os jovens interagiam com seus iguais e forjavam a própria identidade, cada vez mais se enfatiza o potencial das redes de serem também entendidas como painéis políticos públicos.
“Isso tem a ver também com a emergência do populismo de direita e do islamismo, que, de modo proposital e hábil, utilizaram as redes sociais para levar ao público suas posições impublicáveis nos veículos de massa”, analisa Materna.
Espaço privado se torna público
Quando redes como Twitter, Facebook e TikTok não servem apenas ao entretenimento, as velhas regras de conduta deixam de valer. Aí os usuários não têm só que prestar atenção às fotos de festa constrangedoras, mas também a suas declarações políticas.
“Estudos mostraram que os jovens estão perfeitamente cientes de que, com suas postagens sobre temas políticos nas redes sociais, se arriscam a provocar uma shitstorm, e consequentemente agem com comedimento”, registra Materna.
Uma consulta online do austríaco Instituto de Pesquisas sobre a Juventude, por exemplo, revelou entre esse grupo a tendência de recorrer a postagens limitadas no tempo, a fim de proteger a própria privacidade – como é o caso das stories do Instagram, que após 24 horas não são mais visíveis.
Porém isso tampouco é uma garantia: “Quem está disposto pode documentar tudo. Não há proteção total, do ponto de vista técnico”, ressalva Neuberger. Tão mais importante, portanto, em especial para as jovens usuárias e usuários, ter internalizada uma atitude básica de comedimento.
Também Georg Materna registra mais autorresponsabilidade entre os jovens ativos no Twitter e em outras redes. Por outro lado, os operadores comerciais da plataformas também estão pouco a pouco compreendendo que são “enfim, palcos políticos públicos, e não apenas redes sociais neutras”.
O mais importante, contudo, é como a sociedade em geral reage à transformação da esfera pública, à mudança dos discursos políticos e ao aumento dos conteúdos disponíveis na internet, frisa o perito em pedagogia midiática.
Mais rápido, mais duro, mais implacável
Afinal, gerações anteriores também foram confrontadas com acontecimentos comprometedores da própria juventude. Em 2001, a revista de notícias Stern publicou fotos do então ministro do Exterior, Joschka Fischer, participando de manifestações violentas na década de 70. O político expressou contrição, e não houve consequências políticas.
No caso de Sarah-Lee Heinrich, porém, os tuítes não são de 30 anos atrás, mas de menos de sete. E ela, aos 20 anos, se encontra no princípio de carreira. “A caça às prevaricações no âmbito digital vai aumentar”, prevê Materna. “O fato de ela afetar especialmente jovens políticas e políticos se deve provavelmente ao fato de eles circularem desde muito cedo nas redes.”
Entretanto também cabe aos veículos de massa, aos jornalistas, decidirem como lidarão no futuro com esses “pecados juvenis” que estão publicamente acessíveis. E aí não se trata apenas de, anos mais tarde, cobrar de alguém seus posicionamentos quando era menor de idade, mas do fato de que algumas dessas shitstorms são iniciadas por usuários da ultradireita.
Isso foi o que provou a revista Die Zeit, por exemplo, no caso da jornalista Nemi El-Hassan. Quando estava prestes a ser contratada como apresentadora na emissora pública de TV WDR, ela foi acusada de “curtidas” problemáticas nas redes e de participação numa passeata antissemita.
“Uma coisa é, durante as pesquisas como jornalista, esbarrar em postagens comprometedoras. Outra, porém, é lançar mão de conteúdos espalhados de propósito por grupos extremistas, assim aumentando ainda mais o seu alcance”, alerta Materna.
Seja como for, a transformação da esfera pública, a caça aos deslizes digitais e a cultura de debate mais impiedosa significa que as políticas e políticos jovens devem estar preparados mais cedo. Mais do que gerações anteriores, devem estar cientes de que seus rastros digitais podem ter consequências – rastros que deixaram muito antes de sequer imaginar uma trajetória política.