Saúde
Covid-19: como se determina o fim de uma pandemia
A notícia de que São Paulo e outros oito Estados não registraram nenhuma morte por covid-19 na segunda-feira (8/11) foi recebida com muita comemoração e otimismo
Embora o acontecimento seja simbólico e reforce a melhora contínua da pandemia no país durante os últimos meses, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que é preciso colocar o fato em perspectiva e ter em mente que ainda há um longo caminho a ser percorrido antes de decretar o fim da crise sanitária.
“Estamos de fato na melhor fase desde o início de 2021, com um decréscimo imenso em casos, hospitalizações e óbitos. Mas os anúncios de que ninguém morreu de covid-19 devem ser analisados com cautela, até porque existe um atraso nas notificações”, pondera o médico Guilherme Werneck, membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
“E é preciso deixar claro que o fim da pandemia, quando realmente chegarmos lá, não significará o fim da covid”, completa o profissional da saúde, que também é professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
O virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), concorda. “Com base no que sabemos sobre outros tipos de coronavírus, é provável que o Sars-CoV-2 [o responsável pela pandemia atual] se atenue com o passar dos anos e se torne um causador de resfriado comum. Mas a atual reemergência de casos na Europa mostra que ainda estamos longe disso”, analisa.
Já a médica Lucia Pellanda, professora de epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, destaca a importância da saúde coletiva e o caráter global do desafio que enfrentamos. “Como o próprio nome já diz, a pandemia é um problema mundial. E, enquanto a situação estiver ruim em alguma região, todos nós continuaremos sob risco.”
Mas como chegamos até aqui? E quais são as perspectivas mais otimistas e mais pessimistas para os próximos meses? Entenda a seguir como uma pandemia acaba — e o que pode acontecer na sequência dela.
Cenário positivo no Brasil e preocupante na Europa
Após um primeiro semestre muito duro, com centenas de milhares de casos e de mortes por covid-19, o Brasil está numa situação bem mais tranquila desde o final de julho e o início de agosto.
Para ter ideia, a média móvel diária de óbitos (que leva em conta os registros dos últimos sete dias) está atualmente em 236, de acordo com o painel do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).
Um número desses só havia sido observado em abril de 2020, quando o vírus começou a se espalhar pelo país. No pior momento da crise sanitária, essa taxa chegou a atingir, em abril de 2021, um pico de 3.124 mortes diárias.
A sequência de boas novas culminou com a notícia, divulgada na segunda-feira (8/11), de que São Paulo não registrou nenhuma morte por covid-19 em 24 horas, fato que não havia acontecido nenhuma vez desde o início da crise sanitária.
Nesse mesmo dia, outros oito Estados brasileiros não tiveram óbitos pela doença: Acre, Amapá, Goiás, Minas Gerais, Piauí, Rondônia, Roraima e Sergipe. O Acre, aliás, está sem nenhum registro de morte há mais de dez dias.
Segundo os especialistas, há três ingredientes que ajudam a explicar essa melhora.
“É evidente que a vacinação é o principal deles. A partir de junho, momento em que a campanha ganhou força e a cobertura vacinal na população brasileira aumentou, tivemos uma queda substancial nas hospitalizações e nas mortes”, observa Werneck.
“Não podemos nos esquecer também do enorme número de casos que tivemos, o que certamente contribuiu para criar uma imunidade, e a adesão às medidas não farmacológicas, especialmente o uso de máscaras”, complementa o médico.
O cenário mais ameno permitiu que muitas cidades brasileiras aliviassem as restrições, que mantinham espaços de convivência, como restaurantes, bares e shoppings, fechados ou com horário de funcionamento e taxa de ocupação bem reduzidos.
Alguns prefeitos e governadores foram além e chegaram até desobrigar mais recentemente o uso de máscaras em alguns locais abertos.
Os especialistas, no entanto, temem que essa onda de otimismo e relaxamento reverta a tendência positiva e desperdice todas as conquistas do momento.
“É claro que a notícia de um dia sem mortes é excelente, mas não dá pra comemorar demais. Trata-se de uma data isolada e, quando vemos as estatísticas, ainda estamos com médias razoáveis de casos e óbitos por covid”, diz o médico Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
“Temos que ter cuidado para que a situação no Brasil não volte a piorar, como acontece agora na Europa, que está com uma nova subida nos casos e nas hospitalizações após fazer a reabertura”, aponta o especialista.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Europa voltou a ser o epicentro da pandemia, com uma piora considerável da situação no Reino Unido, na Alemanha, na Hungria, na Áustria e na Ucrânia.
Durante uma coletiva de imprensa no dia 4 de novembro, Hans Kluge, diretor regional da OMS, disse que a situação representa uma “grave preocupação” e que a região está “num ponto crítico para a ressurgência pandêmica”.
A explicação para esse recrudescimento, segundo a avaliação do próprio representante da entidade, está no relaxamento das medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras e a prevenção de aglomerações, e a baixa taxa de vacinação em alguns países.
Não é possível afirmar que o mesmo cenário acontecerá no Brasil (até porque a campanha de imunização por aqui conta com uma maior participação popular), mas, até agora, a piora do cenário na Europa se repetiu alguns meses depois em nosso país.
“É possível escaparmos disso, a depender do comportamento das pessoas e das políticas públicas. Precisamos continuar com a vacinação e seguir com as camadas de proteção, como o uso de máscaras e o cuidado com as aglomerações e com a circulação de ar pelos ambientes”, indica Pellanda.
Como uma pandemia acaba?
Por algum tempo, aventou-se a possibilidade de que a imunidade coletiva (ou imunidade de rebanho) seria capaz de dar um fim à covid-19: conforme as pessoas ficassem doentes (ou, preferencialmente, fossem vacinadas) o Sars-CoV-2 não encontraria mais hospedeiros e deixaria de circular.
Mas o surgimento de novas variantes, como a Alfa, a Beta, a Gama e a Delta, junto com o conhecimento de que a imunidade contra esse coronavírus não dura para sempre e varia muito de pessoa para pessoa, praticamente descartou essa ideia.
Hoje em dia, há uma maior concordância entre os cientistas de que a pandemia de covid-19 se transformará aos poucos em uma endemia.
Isso significa que a doença continuará a ser frequente em uma (ou em várias) regiões do planeta, com um número de casos e de mortes esperados todos os anos.
É isso o que ocorre com uma série de outras enfermidades, como a malária, a febre amarela ou a própria gripe.