Internacional
Merkel escolhe música de ícone punk para a sua despedida
Nesta quinta, uma cerimônia militar marcará o fim dos 16 anos da era Merkel. A chanceler federal alemã causou surpresa ao escolher para a ocasião uma canção de Nina Hagen que foi sucesso na Alemanha Oriental
Angela Merkel está finalmente se despedindo do cargo de chanceler federal da Alemanha, após 16 anos na posição mais importante do país. Embora ela siga no cargo interinamente até que o próximo chanceler seja confirmado, o que deve ocorrer em breve, será realizada na noite desta quinta-feira (02/12) uma cerimônia em sua homenagem.
A chamada Großer Zapfenstreich é a cerimônia militar mais importante da Alemanha, e inclui uma procissão de soldados carregando tochas, tocando músicas e marchando.
Como ocorreu com seus antecessores, foi pedido a Merkel que ela escolhesse três canções para a banda militar tocar.
Duas não devem provocar surpresa. Uma é o hino cristão do século 18 Großer Gott, wir loben dich (“Santo Deus, Louvamos o Teu Nome”), provavelmente um aceno às raízes cristãs de seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), e à sua origem familiar – seu pai era pastor protestante.
A outra é uma canção popular da cantora alemã Hildegard Knef, Für mich, soll’s rote Rosen regnen (“Devem chover rosas vermelhas para mim”), que tem uma melodia melancólica sobre sonhos e ambições adolescentes e uma letra com versos como “Eu quero tudo ou nada”.
Hino da lenda punk Nina Hagen
No entanto, uma canção escolhida pela chanceler surpreendeu muitos: o sucesso da Alemanha Oriental de 1974 cantado pela roqueira punk Nina Hagen, Du hast den Farbfilm vergessen (“Você esqueceu o filme colorido”).
Estrela pop iconoclasta da então República Democrática Alemã, Nina Hagen tornou-se um ícone punk da Alemanha Ocidental após a queda do Muro de Berlim.
É uma escolha musical ímpar, pois Merkel raramente refere-se à sua criação na Alemanha Oriental, na cidade de Templin, região de Brandemburgo. Na sua juventude, ela ouviu a canção na qual Hagen reclama com seu namorado por ele ter trazido apenas um filme preto e branco para as suas férias.
Foi um sucesso tão grande na época que muitos que viviam na antiga Alemanha Oriental ainda se lembram da letra, especialmente da famosa frase: “Ninguém irá acreditar em como aqui era lindo”.
Embora não tenha sido censurada pelo governo, a canção foi amplamente interpretada como uma crítica à comunista República Democrática Alemã, onde o filme colorido era uma mercadoria rara.
A escolha pode indicar Merkel revelando a sua Ostalgie, a nostalgia da Alemanha Oriental. Ou talvez a chanceler esteja mostrando o seu lado bem-humorado.
Há cerca de 30 anos, Merkel, então ministra da Mulher e Juventude, conheceu Nina Hagen em um programa de TV. Durante uma discussão sobre o vício em drogas, Hagen a atacou diante das câmeras: “Estou farta de suas mentiras, de sua hipocrisia”, disse a cantora. Merkel provavelmente a perdoou.
Despedida militar com longa história
A despedida dos chanceleres federais, presidentes e ministros da Defesa alemães com uma cerimônia militar é uma tradição que remonta ao século 16. Na época, a cerimônia nos campos militares era marcada por muita bebida alcoólica e jogos de aposta.
Uma rotina tinha que ser introduzida para sinalizar o fim das festividades. Um oficial ou sargento, acompanhado por um percussionista e um flautista, caminhava pelo campo militar e batia nas torneiras dos barris de bebidas alcoólicas com seu sabre ou bastão, o que significava que não se podia mais servir cerveja, destilados ou vinho. Aqueles que não cumpriam a ordem estavam sujeitos a severas punições.
Ao longo dos anos, a Zapfenstreich evoluiu para a cerimônia que é hoje. No entanto, alguns a veem como uma adesão impertinente a um simbolismo que remonta a tempos mais sombrios.
Quando soldados alemães que retornaram do Afeganistão neste ano foram recebidos por uma procissão militar com centenas de soldados usando capacetes de aço reluzentes em frente ao Reichstag, sede do Parlamento alemão, por exemplo, críticos disseram que isso os fazia lembrar das marchas nazistas.
Listas musicais do passado
Nas últimas décadas, alguns pedidos musicais iluminaram a cerimônia. O ex-ministro da Defesa Thomas de Maiziere escolheu o hit de 1985 Life is Life, da banda Opus, em sua lista musical – uma canção popular entre os alemães que passam férias na ilha de Maiorca.
Quando o presidente Christian Wulff teve que renunciar após somente 20 meses no cargo devido a um escândalo, ele foi recebido com o som irritante de vuvuzelas tocadas pelos espectadores, que manifestavam sua desaprovação. A orquestra da Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha, executou com força Somewhere Over The Rainbow numa tentativa de abafar o barulho.
O ex-chanceler Gerhard Schröder desafiou a orquestra com a balada da década de 20 Mack the Knife, da The Threepenny Opera de Bertolt Brecht e Kurt Weill, e Summertime, de George Gershwin. Mas ele também foi ridicularizado por ter escolhido o clássico de Frank Sinatra My Way.
Uma canção parece ser a favorita entre os políticos que estão deixando seus cargos. O hino Ode à Alegria, de Ludwig van Beethoven. Ele já foi pedido três vezes, inclusive pela ex-ministra da Defesa alemã e atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Esperança para o futuro
A conclusão da letra de It should rain red roses for me, de Hildegard Knef, uma das canções escolhidas por Merkel para sua cerimônia de despedida, talvez indique algo sobre a esperança da chanceler para o futuro: “Devo submeter-me, contentar-me… Eu ainda quero ganhar; quero tudo ou nada”.
Aos 67 anos, Merkel vai se aposentar da política quando deixar a chefia de governo. Mas, se a letra da canção der alguma pista, o fim da sua jornada ainda está distante.