Internacional
Toque de recolher na Colômbia desafia tentativa de dar fim a organização criminosa
No dia em que o líder de um dos cartéis mais poderosos da Colômbia, Dairo Antonio Úsuga, foi preso, o presidente da Colômbia, Iván Duque, comemorou: “Com este golpe, marca-se o fim do Clã do Golfo”
Era outubro de 2021, e no mesmo discurso, Duque anunciou que pretendia providenciar a extradição de Úsuga para os Estados Unidos. Também conhecido como Otoniel, o líder do cartel é ex-guerrilheiro, paramilitar, traficante de drogas e membro de uma família poderosa do noroeste do país.
Na semana passada, finalmente a promessa do presidente colombiano se concretizou: Otoniel foi extraditado para os EUA. Duque acompanhou a operação de transferência ao vivo, por videochamada.
Mas enquanto as autoridades celebravam o “triunfo da justiça sobre a impunidade”, membros do clã, também conhecido como Autodefensas Gaitanistas de Colombia (AGC), estavam se preparando para responder à extradição com um rigoroso toque de recolher que paralisou metade do país — e em plena campanha presidencial.
Em 5 de maio, a AGC fez circular um panfleto no qual decretou “4 dias de paralisação armada”, não sendo possível “abrir negócios de qualquer natureza” e “se movimentar através de qualquer tipo de transporte”. Aqueles que descumprissem as ordens passariam por “consequências desfavoráveis”.
Pelo menos 74 comunidades em 11 Departamentos (Estados) ficaram confinadas, quase 200 veículos foram queimados e pelo menos oito pessoas foram mortas — algumas por descumprimento das ordens do grupo criminoso e outras em confrontos com forças policiais.
Na segunda-feira (9/5), um suposto comunicado da AGC anunciou o fim do toque de recolher. Depois, outra suposta comunicação do grupo desmentiu a anterior. Ainda não se sabe com precisão se as atividades nestes locais voltaram à normalidade.
Duque, por sua vez, viajou a Urabá, berço do grupo criminoso, para visitar empresas e anunciar novas extradições e ofensivas contra lideranças do Clã. Ele anunciou que 300 prisões já haviam sido feitas e que 60 toneladas de cocaína foram apreendidas.
Poder da organização criminosa é amplo e ramificado, explicam especialistas
Mas a Fundação Ideias para a Paz (FIP), dedicada aos estudos sobre a violência no país, afirmou em um relatório que a posição do governo de que a captura de Otoniel constituiria o fim da AGC é “apressada e distante da realidade”.
De acordo com a fundação, a AGC mantém seu poder sem Otoniel por quatro motivos: a organização criminosa continua controlando parte de Urabá; não perdeu conflitos por território ou renda com outros grupos armados; expandiu-se para regiões distantes de seu território núcleo; e consolidou uma estrutura de funcionamento heterogênea, conseguindo atuar em diferentes áreas ao mesmo tempo.
Por isso, os especialistas da FIP avaliaram que “os efeitos da captura de Otoniel no mercado de drogas podem ser leves e limitados, mas as repercussões em termos de violência — massacres, deslocamentos, confinamentos, recrutamento de menores ou violência sexual — podem apresentar mudanças importantes”.
O Urabá é uma região próspera para a agricultura e pecuária, fica próximo à fronteira com o Panamá e tem acesso ao Oceano Pacífico. É um ponto estratégico para qualquer atividade comercial, e na Colômbia, o é também para o tráfico de drogas e armas.
A região foi dominada na década de 1990 pelos guerrilheiros do Exército Popular de Libertação (EPL) e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Depois, vieram as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), o exército paramilitar que enfrentava a insurgência.
O EPL e a AUC marcaram a origem da AGC, já que ex-membros de ambos os lados, em teoria opostos e desmobilizados, se uniram no que acabou por se tornar um grupo mais voltado a atividades criminosas do que políticas. O próprio Dairo Antonio Úsuga, extraditado na semana passada, fez parte do EPL.
“O Clã do Golfo é uma organização sofisticada que tem uma estrutura estável, uma âncora em negócios legais como a pecuária e um amplo portfólio de atividades criminosas que incluem extorsão e venda coercitiva de serviços”, explica Víctor Barrera, pesquisador do Centro de Pesquisa e Educação Popular (CINEP), em Bogotá.
Mas especialistas alertam que há muito desconhecimento sobre esse grupo. A multiplicidade de grupos armados associados a ele em todo o país — alguns permanentes e outros contratados, alguns autônomos e outros não — impossibilita conhecer a extensão de seu poder.
Há estimativas que falam de 3 mil membros da AGC; outras chegam a 13 mil, número semelhante ao das FARC, o maior grupo guerrilheiro do país, em seu auge. Inclusive, Duque já afirmou que, ao lidar com a AGC, insistiria em uma estratégia do governo de Álvaro Uribe contra as FARC: derrubar os principais líderes.
Mas, segundo Mauricio Romero, assessor da Fundação Paz e Reconciliação, a perseguição por si só não é uma solução: “É preciso ter em mente que essas organizações criam empregos, oferecem renda e mantêm a economia das regiões onde atuam.”
“Para acabar com eles, devemos gerar economias regionais vinculadas a negócios legais.”
E a Colômbia, apesar dos esforços para transformar suas atividades, continua sendo o maior exportador mundial de cocaína.