Internacional
Guerra da Coreia pode estar perto de um fim definitivo?
O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, disse nesta semana que Estados Unidos, China e Coreia do Norte fecharam um acordo de princípios para declarar formalmente o fim da Guerra da Coreia, substituindo um acordo de armistício que acabou com as hostilidades entre os dois países em 1953.
Analistas, porém, não têm certeza de que o fim do conflito será oficializado ou se o passo é aconselhável devido a preocupações com a situação de segurança no nordeste da Ásia.
Moon anunciou o acordo durante uma coletiva de imprensa conjunta com o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, após conversas bilaterais na segunda-feira (13/12). O presidente sul-coreano disse que seu governo vai trabalhar duro nos próximos meses para transformar o armistício em vigor na península há quase 70 anos num tratado de paz permanente, sustentado por todos os países envolvidos no conflito.
O mandatário sul-coreano acrescentou que uma declaração que finalmente acabe com a guerra deverá injetar nova energia em diálogos envolvendo os Estados Unidos, a Coreia do Sul e a Coreia do Norte – as conversas estão estagnadas há mais de dois anos.
Moon já havia feito uma declaração semelhante em seu discurso diante da Assembleia-Geral das Nações Unidas em setembro, exortando os beligerantes a “se unirem e declararem que a guerra na Península Coreana acabou”.
Com isso, segundo o presidente, as duas Coreias poderiam “progredir de forma irreversível na desnuclearização e caminhar em direção a uma era de paz completa”.
O plano de Moon é realista?
Entretanto, o tom otimista de Moon ocorre em meio a repetidos testes que Pyongyang descreve como sendo de novos mísseis “avançados”, enquanto relatórios de inteligência dizem que a Coreia do Norte continua desenvolvendo ogivas nucleares na usina atômica de Yongbyon.
Editorial recente do jornal sul-coreano JoongAng Daily apontou que o Norte não fez nenhum esforço para acabar com suas armas nucleares ou mesmo participar de negociações com os EUA ou a Coreia do Sul. O texto descreve a determinação de Moon em assinar um acordo para acabar formalmente com a guerra como “totalmente desvinculado da realidade”.
“Eu acho que é tão importante para Moon e seus apoiadores porque ele vê o assunto como uma questão pendente”, diz Duyeon Kim, pesquisadora especializada em assuntos de segurança no Centro Americano para Nova Segurança (CNAS, na sigla em inglês).
Moon foi chefe do Estado-maior durante a administração progressiva do presidente Roh Moon-hyun entre 2003 e 2008 e, na época, queria que Seul pressionasse por um acordo para encerrar o conflito.
A iniciativa só foi interrompida quando diplomatas do alto escalão e assessores de segurança, além do ex-presidente americano George W. Bush, convenceram Roh de que seria um erro dar uma concessão à Coreia do Norte antes de Pyongyang abandonar seu programa nuclear, explica Kim à DW.
“Não acredito que uma declaração sobre o fim da guerra com uma Coreia do Norte armada com ogivas nucleares seja benéfica para a região, além de ser uma ideia prematura”, diz a pesquisadora.
“Há riscos políticos e de segurança significativos para Coreia e região, já que cria uma falsa sensação de segurança e permite à Coreia do Norte fazer demandas, como a retirada de forças americanas da península e a abolição do Comando da ONU.”
Ameaças de segurança na Península da Coreia
Repetidamente, analistas expressaram a preocupação de que a abolição de um armistício apoiado pelas Nações Unidas permita a Pyongyang e seus aliados-chave – principalmente a China e a Rússia – aumentar suas objeções a uma presença militar permanente dos Estados Unidos e da ONU no chamado paralelo 38, onde a Zona Desmilitarizada divide as duas Coreias.
O objetivo da Coreia do Norte, dizem, seria elaborar um consenso para a retirada de tropas estrangeiras da península, reduzindo dramaticamente a habilidade da Coreia do Sul de se defender de movimentações agressivas pelo Norte, além de enfraquecer a capacidade dos EUA de proteger seus parceiros de segurança regionais, que incluem o Japão e Taiwan.
Daniel Pinkston, professor de relações internacionais do campus da Troy University em Seul, avalia que Moon “perdeu de vista a ameaça de segurança” e que os perigos de uma declaração de fim da guerra superam amplamente os possíveis benefícios.
“Moon está tentando atingir algo por seu próprio legado político, mesmo que seja largamente simbólico. Ele tem pouco apreço pelas gestões que seguirão a dele e precisarão lidar com o impacto negativo de qualquer acordo”, explica.
“Acho que a ideia é realmente perigosa, porque não faria nada para aumentar a segurança na península, e o Norte poderia usá-la como outro trunfo para vencer seus rivais”, acrescenta Pinkston.
O professor lembra ainda “que o Norte continua comprometido em combater o que descreve como sua própria revolução, tomando controle total da península. Isso não mudou, e o Norte nunca renunciou ao uso da força para atingir seus objetivos”.
O “profundo ceticismo” de Pinkston se estende também às expressões de apoio de Pequim à iniciativa, destacando que a China “não quer mais nada, a não ser os EUA deixando a Península da Coreia e sendo obrigados a se retirar da região”.
E, apesar da insistência de Moon de que Washington apoia sua campanha para finalmente acabar com a Guerra da Coreia, analistas não estão convencidos. “Os EUA iriam querer uma desnuclearização significativa ou suficiente antes de qualquer declaração real sobre o fim da guerra”, afirma a pesquisadora Duyeon Kim.
O interesse dos EUA
O presidente americano, Joe Biden, tem “os olhos bem abertos” sobre o assunto, diz Kim. Pode ser que os EUA “não tenham razão para se opor ao conceito de uma declaração de fim da guerra, mas a chave estará nos detalhes, na linguagem usada e no impacto que terá”, diz a especialista.
“A princípio, eles não vão se opor, mas os detalhes e o encadeamento importam para a gestão Biden, e isso inclui a desnuclearização do Norte”, acrescenta.
Já Pinskton diz que a administração de Moon só tem mais três meses para fechar o acordo. Porém, enquanto o líder sul-coreano parece desesperado para finalizar sua iniciativa, não há uma urgência similar em Washington.
“Os Estados Unidos têm tantos assuntos para lidar agora – situações domésticas, a Ucrânia, a Otan – que isso nem está no radar deles no momento”, afirma. “Não está chamando a atenção de que precisaria para avançar e o tempo está acabando. Não acho que vá acontecer.”