Internacional
Arena feita para comícios de Hitler vai sediar casa de ópera
Decisão da prefeitura de Nurembergue de transformar antigo prédio nazista em sede de eventos gera polêmica. Críticos dizem que a cultura não deve diluir memória das atrocidades do Terceiro Reich
A administração da cidade de Nurembergue confirmou que uma antiga construção nazista abrigará temporariamente a Ópera de Nurembergue.
O edifício em forma de U visava representar todo o poder do regime nazista: o pavilhão de congressos do antigo Reichsparteigelände (arena de desfile do partido nazista) foi construído para abrigar gigantescos comícios e eventos de propaganda do Terceiro Reich.
Hitler imaginou proferir seus discursos no lugar diante de cerca de 50 mil pessoas – o dobro do número de pessoas que caberia no Coliseu de Roma.
Entretanto, o prédio não chegou a ser concluído. Tal como aconteceu com muitos outros gigantescos projetos arquitetônicos do Terceiro Reich, o partido fascista não tinha dinheiro e mão de obra para realizar essas visões – a Segunda Guerra Mundial consumiu todos os recursos.
No final, o enorme pavilhão de congressos tornou-se um grande pátio emoldurado por paredes de tijolos de quase 40 metros de altura, tornando-o uma reminiscência de antigas arenas de batalha.
O edifício permaneceu como um símbolo do fracasso da megalomania nazista. Junto com o complexo de edifícios Colosso de Prora na ilha de Rügen, é um dos maiores edifícios monumentais preservados da era nazista.
Agora, a ópera e o balé do Teatro Estatal de Nurembergue passarão para o gigantesco pátio, que terá um telhado provisório construído sobre ele. As apresentações acontecerão no local. Oficinas, salas de ensaio e escritórios ficarão localizados no prédio em forma de U.
A atual sede da Ópera de Nurembergue precisa de sete a dez anos para sua renovação e, portanto, vale a pena investir na estrutura temporária da velha construção nazista. A secretária de Cultura de Nurembergue até propôs que o prédio seja usado permanentemente como centro cultural.
“A memória não deve ser diluída”
Mesmo assim, o projeto tem muitos críticos. “O que me dá dor de cabeça é a pergunta: vocês querem converter um prédio desses em um centro cultural chique?”, disse o chefe do Centro de Documentação do Reichsparteitagsgelände, Florian Dierl, à agência de notícias alemã DPA. Ele enfatiza que a cultura não deve diluir a função do lugar do memorial.
Historiadores de várias associações se manifestaram em uma carta aberta, escrevendo que o prédio é um dos mais importantes legados arquitetônicos do nazismo na Alemanha e não uma propriedade que pode ser usada à vontade.
O historiador Hans-Christian Täubrich acredita que as apresentações de ópera ficariam deslocadas nesse local.
“Isso simplesmente seria uma distração em relação ao foco principal, que é essa monstruosidade”, disse ele à rádio pública alemã Bayerischer Rundfunk. “Essa monstruosidade também é sinônimo de todas as coisas monstruosas que aconteceram em nome da Alemanha durante o regime nazista.”
Eterno foco de disputas
Durante anos, houve uma série de disputas sobre o uso do prédio. Logo após a Segunda Guerra, abrigou exposições e reuniões. Na década de 1960, havia propostas para convertê-lo em um estádio esportivo. Em 1987, a administração da cidade rejeitou a ideia de um investidor de transformar o edifício em centro comercial e de lazer.
Desde 2001, a ala norte do edifício abriga o Centro de Documentação do Reichsparteitagsgelände, enquanto a ala sul abriga a Orquestra Sinfônica de Nurembergue desde 1963. No verão, a orquestra faz concertos ao ar livre em parte do pátio interno.
O diretor artístico da orquestra, Lucius A. Hemmer, disse ao site de notícias Nordbayern.de que considera “encantadora” a ideia da companhia de ópera se mudar para lá. Ele diz estar feliz porque as conversas finalmente estão evoluindo e as decisões estão sendo tomadas após anos de debate.
Há muito tempo ele esperava uma decisão sobre como o prédio deveria ser usado. “Até hoje, ainda não sabemos: este é agora um memorial ou devemos desenvolver o prédio? É uma ruína, um memorial, um museu ou um local de eventos?”
A cultura deve abordar a história
Esta questão surgiu em relação a muitos edifícios nazistas e continuará. Em Berlim, há planos de converter também em um centro cultural o aeroporto de Tempelhof, que foi concebido como uma espécie de porta de entrada para a utópica Germania de Hitler.
Lidar com o legado do nazismo continua sendo um tema delicado na Alemanha e uma grande importância é atribuída à cultura da memória. Para alguns críticos, privar uma estrutura nazista de seu significado como um lugar da história, mudando seu uso, é visto como atitude irresponsável.
Seria concebível, entretanto, que a ópera lidasse com a história sombria do local em seus programas. Afinal, a cultura oferece muitas oportunidades para iniciar uma discussão sobre a história – especialmente o passado nazista – em vez de ofuscá-la.