Internacional
Temendo ataque russo, Ucrânia dá treinamento militar a civis
Milhares participam de programas criados por governo e grupos privados. Meta é criar resistência para dificultar ocupação. Moscou retira 10 mil soldados da fronteira ucraniana, mas continua manobras no local
Milhares de civis participam na Ucrânia de programas de treinamento para combate criados e administrados pelo governo e por grupos paramilitares privados e que integram o plano estratégico de defesa do país no caso de uma possível invasão pela Rússia.
O objetivo do governo ucraniano não é superar o poderio militar russo, algo virtualmente impossível para a Ucrânia, e sim criar uma forma de resistência civil que torne impraticável uma ocupação por uma força estrangeira.
Uma reportagem publicada neste domingo (26/12) pelo jornal americano The New York Times afirma que, com a iniciativa, a Ucrânia parece tirar lição das guerras combatidas nas últimas duas décadas pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, quando guerrilheiros forneceram resistência duradoura em face de um poder de fogo americano muito superior.
“Temos um exército forte, mas não forte o suficiente para nos defendermos da Rússia”, afirmou ao periódico a médica Marta Yuzkiv, que se inscreveu para participar do treinamento. “Se formos ocupados, e espero que isso não aconteça, nos tornaremos a resistência nacional.”
Ameaça russa estimula iniciativa
O treinamento para civis patrocinado pelo governo está ganhando força na Europa Oriental. Estimulados por ameaças russas, países como Estônia, Letônia e Lituânia têm programas que incentivam a posse de fuzis para alguns civis e treinamento formal de combate de guerrilha durante uma ocupação militar.
Treinamentos militares de civis não são novidade na Ucrânia; onde brigadas voluntárias formaram a espinha dorsal da força do país em 2014, o primeiro ano da guerra contra os separatistas russos, quando os militares ucranianos sofriam com falta de estrutura.
A medida está sendo formalizada através da criação de unidades das recém-formadas Forças de Defesa Territorial, uma parte das forças armadas do país. No ano passado, o Exército ucraniano começou o treinamento de fim de semana para voluntários civis nessas unidades.
Grupos paramilitares privados, como a Legião Ucraniana, realizam outras sessões, pelas quais seus membros pagam todos os custos, afirma o The New York Times.
O general Anatoliy Barhylevych, vice-comandante das forças terrestres da Ucrânia, afirma que o país pretende reunir cerca de 100 mil voluntários em caso de conflito. Mas um porta-voz das Forças de Defesa da Ucrânia disse ao jornal americano que não poderia revelar quantas pessoas se alistaram formalmente nos programas de treinamento.
Apoio popular e críticas
Pesquisas de opinião sugerem haver algum apoio o esforço na população. Uma pesquisa no segundo semestre deste ano mostrou que 24% dos ucranianos dizendo que resistiriam “com uma arma na mão”” se a Rússia invadisse seu país. Entre os homens, 39% disseram que resistiriam com armas.
Mas os céticos duvidam que os militares ucranianos poderiam contar com grande número de civis se tornando guerrilheiros.
Críticos apontam para perigos de tal plano de defesa civil. Uma preocupação é que as divisões políticas no país possam desencadear a violência de milícias armadas. Alguns analistas dizem que Moscou poderia aproveitar essa vulnerabilidade e transformar as milícias nacionalistas em uma ameaça desestabilizadora para o governo.
Outros temem que o esforço incentive a posse privada de armas, o que acarreta riscos de crime, suicídio e violência doméstica.
Manobras russas na fronteira continuam
Enquanto isso, a Rússia continua realizando exercícios militares na fronteira com a Ucrânia, tendo iniciado novas manobras no local, informou nesta segunda-feira (27/12) a agência de notícias Interfax. Desta vez foram realizados treinamentos de defesa contra um ataque aéreo, com o envolvimento de cerca de mil soldados.
Mais de 10 mil soldados teriam, segundo informações militares russas, deixado a área perto da fronteira ucraniana e voltado às suas bases, após concluírem um mês de exercícios militares.
Segundo estimativas, entre 60 mil e 90 mil soldados russos estão estacionados há semanas na fronteira com a Ucrânia. Isso levou a temores de que a Rússia planeje um ataque ao país vizinho, algo que o Kremlin tem repetidamente negado.
Desde então, a Rússia vem pressionando a Otan e o Ocidente com uma série de exigências, propondo um veto russo à admissão de futuros membros da Otan, em vista de uma possível entrada da Ucrânia na aliança militar.
Os Estados Unidos, entre outros, rejeitaram a proposta do Kremlin. Além disso, a Rússia pediu à Otan que retire seus batalhões multinacionais da Polônia e dos estados bálticos Estônia, Letônia e Lituânia.
O presidente russo, Vladimir Putin, pôs mais lenha na fogueira na última quarta-feira, quando disse que a Rússia tomaria as medidas “retaliatórias apropriadas” em resposta ao que chamou de “postura agressiva” do Ocidente. Mas ele baixou o volume no dia seguinte, ao dizer ter testemunhado uma reação “positiva” de Washington às propostas de segurança da Rússia.
Negociações entre EUA e Rússia, além da Otan, estão programadas para ocorrer em janeiro.