Educação & Cultura
Apoio pedagógico é elemento-chave para a recomposição de aprendizagens
Estratégias devem garantir o direito de aprendizagem a todos os estudantes, valorizar o protagonismo dos alunos e favorecer o desenvolvimento das habilidades e competências consideradas essenciais
Ao longo da vida escolar, em diferentes momentos, com maior ou menor frequência e intensidade, é comum os alunos precisarem de apoio para lidar com dificuldades de aprendizagem. Caso isso não seja feito no momento certo e da forma adequada, essas dificuldades podem aumentar e se transformar em graves defasagens. Na volta às aulas presenciais, após o período pandêmico, os professores perceberam com mais clareza as desigualdades que se aprofundaram com o ensino remoto, e essa necessidade de suporte se tornou ainda maior para a recomposição das aprendizagens.
Nesse contexto, ganha força o conceito de apoio pedagógico. Renata Capovilla, formadora de professores e participante do Grupo de Educadores Google, define esse apoio como as estratégias utilizadas para que o estudante avance do que já sabe para o que precisa saber. “O papel do apoio pedagógico é ter a visão do todo, com base nas avaliações diagnósticas, para traçar estratégias a curto, médio e longo prazo que levem os alunos ao desenvolvimento das habilidades elencadas como essenciais naquele momento.”
Hoje, termos como “recuperação” e “reforço escolar” não estão mais sendo utilizados pelos educadores, pois, geralmente, estão relacionados a atividades e modos de ensinar tradicionais, que enfatizam a “culpa” ou “fracasso” de um pequeno grupo de alunos e tiram a responsabilidade da escola. Agora, entende-se que a aprendizagem é um direito de todos e, se o aluno não está aprendendo, cabe à escola encontrar outras estratégias para ajudá-lo. E, no retorno presencial, os estudantes que precisam de apoio não são mais uma minoria.
Além dos conteúdos clássicos, também é importante considerar o ensino dos chamados “hábitos de estudante” – concentração, cuidado com o material, comportamento em grupo – que as crianças podem ter deixado de desenvolver durante a pandemia. Rosângela Veliago, formadora de professores alfabetizadores e autora de livros didáticos de Língua Portuguesa, explica que essas práticas devem ser consideradas conteúdos – e que tudo o que é conteúdo precisa ser ensinado.
“Se as crianças não sabem se organizar, respeitar o momento de falar e usar o caderno, isso gera um problema em toda a vivência escolar. Às vezes, os adultos se esquecem que esses conhecimentos, que parecem básicos para nós, precisam ser ensinados e desenvolvidos com o tempo: sentar na carteira, organizar um tempo de estudo, fazer uma pesquisa”, exemplifica.
A importância das avaliações contínuas
Para começar a traçar ações de apoio pedagógico, é necessário entender que não existe uma fórmula mágica. Conhecer experiências de outras escolas e redes é muito importante para fomentar ideias e possibilidades, mas o plano geral deve ser construído de acordo com a realidade de cada comunidade escolar – e toda a comunidade precisa estar envolvida.
A partir desse entendimento, é preciso olhar com atenção para os dados das avaliações diagnósticas, que irão revelar o que os alunos, individual e coletivamente, já sabem e a que distância estão do que é considerado essencial. As avaliações não precisam acontecer só no começo ou no final de cada bimestre, mas devem fazer parte da rotina como mais uma ação contínua de formação e diagnóstico.
“É importante que as avaliações não sejam quantitativas, mas qualitativas, no sentido de mostrar para o professor as necessidade de planejamento e replanejamento. Às vezes, uma simples pergunta aos estudantes, como ‘O que foi mais fácil e mais difícil de compreender nessa aula?’, já orienta sobre o que está acontecendo e qual precisa ser o foco. Uma avaliação não é necessariamente uma prova escrita realizada com alunos em silêncio”, diz Renata. Veja nesta matéria como utilizar dados de avaliações para o replanejamento contínuo.
Rosângela comenta alguns cuidados necessários na hora de avaliar os alunos, principalmente os que têm mais dificuldade de aprendizagem. “Quando o professor avalia as crianças é importante tentar enxergar o que há de ganhos, não só o que falta. Também é preciso fazer avaliações ao longo do tempo para reorganizar e flexibilizar a entrada e a saída dos grupos de apoio. Temos de tomar cuidado para que esse apoio não seja uma marca de alunos que ‘não sabem nada’ e ‘nunca aprendem’.”
Renata e Rosângela afirmam que há muitas formas de apoio pedagógico e que elas podem ser realizadas e combinadas de acordo com as condições oferecidas pela rede e as da própria escola, como tempo, espaço e equipe. Confira no box a seguir algumas possibilidades.
Estratégias de apoio pedagógico
Conheça algumas formas de suporte aos alunos e de que modo podem ser realizadas
Quando
Período regular: as propostas acontecem no período das aulas. Podem ser realizadas em sala de aula ou em um breve momento fora da sala, com professores auxiliares.
Contraturno: as estratégias ocorrem em um período extra. Uma possibilidade é realizar o apoio logo após ou antes das aulas regulares. Caso haja um grande intervalo de tempo, será necessário pensar no transporte escola-casa-escola ou na oferta de alimentação para os alunos que permanecerem na escola.
Ampliação de dias letivos: realização de encontros aos sábados ou em dias de férias escolares.
Como
Priorização e continuum curricular: flexibilização do currículo de acordo com as habilidades essenciais que foram estabelecidas.
Agrupamentos produtivos: organização de duplas ou pequenos grupos nos quais os alunos estejam em níveis próximos de aprendizagem. A premissa é que as diferenças ajudam no aprendizado entre pares.
Atividades personalizadas: o trabalho em torno de uma mesma competência ou habilidade pode ser feito com atividades diferenciadas, segundo o nível de desenvolvimento de cada grupo de alunos. Elas podem ser propostas na aula, no contraturno ou em atividades para casa.
Monitoria com alunos mais velhos: o intuito não é que os estudantes ministrem aulas expositivas, mas que colaborem em projetos e atividades específicas. Por exemplo, os alunos dos Anos Finais podem fazer rodas de leitura com os dos Anos Iniciais.
Parcerias com cursos de Pedagogia de faculdades e universidades: a presença de estagiários na escola pode ir muito além da observação, contribuindo com atividades práticas em sala de aula e com projetos extracurriculares.
Para Renata Capovilla, independentemente da estratégia utilizada, é importante estar atento às concepções atuais sobre ensino e aprendizagem embasadas por estudos e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Entre elas, está o desenvolvimento gradual da autonomia dos estudantes.
“O aprendizado se dá quando o aluno é ativo em seu processo de desenvolvimento. O uso de metodologias ativas é essencial, e a BNCC aborda a importância desse protagonismo, de colocar o aluno no centro do processo”, destaca. Segundo ela, isso está muito relacionado à recomposição de aprendizagens, pois o estudante se engaja, a evasão diminui e ele passa a pensar ativamente sobre as suas próprias dificuldades e potencialidades.
Ensino em tempo integral e apoio transversal
O ateliescola acaia é uma escola experimental mantida pelo Instituto Acaia, entidade sem fins lucrativos que atende, em sua maioria, crianças e adolescentes de comunidades carentes e em situação de vulnerabilidade social em São Paulo (SP). Além do currículo regular, a instituição conta com ateliês diversos – como cerâmica, serigrafia, capoeira, marcenaria, música e literatura –, o que proporciona um ensino de tempo integral.
No retorno às aulas presenciais, foram realizadas atividades diagnósticas, análises de desempenho e tabulação dos dados. Com base nisso, foi possível identificar quem precisa de atividades adaptadas ou de um pequeno apoio para conseguir cumprir o currículo, aqueles que cumprem e os que podem ser desafiados a ir mais além. O apoio pedagógico está sendo feito com os professores que dão suporte às classes e por meio do envio de atividades diferenciadas para casa. “Com três meses de trabalho, já observamos que muitos alunos que precisavam de apoio já estão agora dentro do currículo”, diz a diretora pedagógica Teca Soub.
Segundo ela, apesar de terem percebido que algumas crianças precisam mesmo de atendimento individualizado, o foco da escola é o trabalho em grupo. Por isso, quando necessário, os professores auxiliares acompanham as crianças com mais dificuldade dentro da sala de aula, para que ela não perca o contato com a turma. Além disso, encontros entre turmas de diferentes anos também são propostos. “A filosofia da escola já valorizava a diferença de saberes e, depois da pandemia, ficou evidente que há trocas que só acontecem no encontro do coletivo.”
A experiência da rede municipal de Bertioga
Em Bertioga (SP), as estratégias de apoio pedagógico da Secretaria de Educação para o ano de 2022 começaram ainda no ano anterior. No final de 2021, foram aplicadas avaliações diagnósticas em todas as escolas. Com base nos resultados, a Secretaria organizou um curso de férias para os alunos do 2º ao 4º ano ainda não alfabetizados. Os professores responsáveis passaram por uma semana de formação e planejamento com coordenadores da Secretaria, que acompanharam de perto as ações realizadas.
Além de Língua Portuguesa e Matemática, as crianças também participaram de aulas de natação e xadrez e de atividades lúdicas. O curso de férias aconteceu no espaço físico de quatro escolas, e foram disponibilizados ônibus que levavam os alunos de suas escolas até o local mais próximo.
No início de 2022, os educadores da rede tiveram uma formação sobre projeto político pedagógico (PPP) e a importância da capacitação contínua. Todas as escolas foram convidadas a analisar e reformular seu PPP para que ele contemplasse a recomposição de aprendizagens.
As propostas elaboradas pelos coordenadores passam pela Secretaria e, se houver necessidade, é dado suporte pedagógico. “Uma escola queria separar os alunos em salas por hipótese de escrita. Aí conversamos para explicar que esse tipo de proposta é segregadora e que precisávamos trabalhar com agrupamentos produtivos”, conta Susana Félix Paes Correa Leite, formadora de coordenadores e de professores do Ensino Fundamental da rede.
De acordo com Rosângela, o maior erro no apoio pedagógico é formar classes muito homogêneas. “Pode ser um desastre porque, se você só tem crianças com dificuldades, não circula informações, não cria situações em que eles possam se auxiliar. O que mais ajuda é ter diversidade. Não dá para pensar em situações nas quais os alunos só se encontram com os de igual nível de aprendizagem. A discordância é produtiva.”
Uma das estratégias utilizadas pelas escolas do município para a recomposição de aprendizagens são as aulas no período do almoço (das 12h às 12h50), oferecidas duas vezes por semana para as crianças que apresentam mais dificuldade. Como nem todas as escolas dispõem de espaço para realizar atividades no contraturno, essa foi uma saída possível. Todos os professores e coordenadores têm abertura para propor projetos. Uma vez analisado e aprovado pela Secretaria, o docente recebe hora extra para aplicá-lo. Assim, algumas escolas que dispõem de espaço e docentes realizam atividades no contraturno ou aos sábados.
Na EM José de Oliveira Santos, as aulas de apoio acontecem no período entre aulas, e a diretora Maria Paula Rollo afirma que os resultados são bastante satisfatórios. “Nós já tivemos a primeira reunião de conselho de classe do bimestre e pudemos observar o desenvolvimento e o avanço das crianças.” Segundo ela, caso haja necessidade, o horário de atendimento do apoio será ampliado no segundo semestre, com aulas no contraturno e reagrupamento dos alunos de acordo com as suas necessidades.
O papel das formações no apoio pedagógico
Em 2022, na rede de Bertioga, a formação continuada passou a ser híbrida: uma parte é virtual e outra acontece nas reuniões presenciais. A Secretaria está oferecendo dois cursos para os professores, um sobre literatura e outro sobre raciocínio lógico. Susana é responsável pelas formações de Língua Portuguesa e conta ter percebido a necessidade de aproximar os docentes da prática dos agrupamentos produtivos, que nem todos conheciam.
Além das formações oferecidas pela rede, a diretora Maria Paula planeja capacitações a partir das demandas dos professores. Quando a necessidade é de todos, as propostas são realizadas em textos e vídeos postados no Google Classroom durante o Horário de Trabalho Pedagógico Virtual (HTPV). Há também orientações individuais, grupos de estudo por WhatsApp, reuniões por ano escolar e, em alguns casos, convocação para formação no contraturno.
As capacitações também fazem parte do cotidiano do ateliescola acaia. Desde antes da pandemia, havia formações gerais semanais, um estudo mensal sobre educação antirracista e duas reuniões mensais dos núcleos (de etapas de ensino, áreas de conhecimento, comunicação e ateliês). O que mudou foi a priorização das áreas nas quais as crianças apresentam mais dificuldade. No caso dos Anos Iniciais, foram produção de texto e resolução de situações-problemas em Matemática.
Renata avalia a importância das formações pedagógicas. “O que o professor não sabe e o que precisa saber para trabalhar de forma adequada? Se precisamos recompor as aprendizagens é porque ninguém conseguiu atingir todo o necessário. Assim como os alunos, os professores também não estavam nas condições ideais. Então, agora precisamos trabalhar todos juntos.”
Como envolver todos os atores – gestores, professores e famílias – no apoio pedagógico
Saiba o que cada um dos membros da comunidade escolar pode fazer para participar das ações de recomposição de aprendizagens
Secretaria de Educação: oferecer a infraestrutura necessária para a realização dos projetos (espaço e material adequados e profissionais), analisar a realidade da rede, pensar em estratégias que possam ser compartilhadas por todas as escolas e oferecer formação continuada.
Gestores: organizar formações, acompanhar o planejamento das aulas dos professores, auxiliar com ideias de atividades e projetos, organizar momentos de troca de experiências entre a equipe, tabular os dados das avaliações e planejar reuniões de pais com os docentes – não apenas quando há problemas de comportamento do aluno.
Professores: planejar e aplicar ações de apoio, dialogar frequentemente com a coordenação e pedir ajuda quando necessário, manter contato e planejar projetos com outros professores e participar da reunião de pais.
Famílias: acompanhar a vida escolar dos estudantes, ajudar na organização do tempo de estudo, apoiar a realização das atividades enviadas para casa quando possível e ler e contar histórias para as crianças.