Internacional
Alguém precisa de ópera em pleno século 21?
Como um gênero teatral-musical inaugurado há 400 anos pode ainda ter relevância? A ópera nasceu nas cortes nobres, foi adotada pela burguesia e se reinventou através do tempo e espaço. Uma mostra em Bonn traz a prova
A Alemanha é o país com o maior número de casas de ópera em todo o mundo: 83. Entre as mais ilustres está a Casa do Festival de Bayreuth, fundada por Richard Wagner (1813-1883). Desde a temporada de 1876, apenas composições do genial artista polivalente são lá executadas, no contexto de um evento anual que atrai hordas de celebridades.
No entanto esse gênero teatral-musical, em si, é uma invenção italiana: na corte dos Médici, em Florença, por volta do ano 1600, foram apresentadas as primeiras óperas, para entreter os ricos e poderosos da capital toscana e também expressar sua magnificência.
Uma das principais inovações musicais do gênero foi a adoção do recitativo, que aproximava o canto dos ritmos e acentos da linguagem falada. Jacopo Peri e Giulio Caccini foram os compositores das primeiras óperas, sobre texto das peças teatrais em verso La Dafne e L’Euridice, de Ottavio Rinuccini. Em 1607 estreava em Mântua L’Orfeo, de Claudio Monteverdi, um marco da história da ópera e a mais antiga em repertório até hoje.
A nova forma de arte logo encontrou ressonância junto ao público. Para a nobreza europeia, ela se prestava com perfeição para ostentar sua riqueza, poder e superioridade, em espetáculos que chegavam a durar cinco horas. Nos séculos 17 e 18, os melhores compositores, cantores e cenógrafos afluíram para a corte vienense. O imperador Carlos 6º (1685-1740), da dinastia dos Habsburgos, chegou a assumir a função de maestro.
A partir da década de 1630, as abastadas famílias patrícias de Veneza fundaram as primeiras casas de ópera. Sua meta era menos ostentação e luxo do que fazer dinheiro; assim, para maximizar os lucros, as récitas foram abreviadas e o coro e a orquestra, reduzidos.
Entre os maiores custos estavam os cachês de astros como o castrato Farinelli e os espetaculares cenários, resultando em grandes shows que atraíam multidões: os espertos patrícios venezianos haviam encontrado uma fonte de enriquecimento.
Mais uma morte anunciada da ópera
“A intenção era empolgar e maravilhar os espectadores”, confirma a historiadora de arte Katharina Chrubasik. Juntamente com o dramaturgo Alexander Meier-Dörzenbach, ela é curadora da exposição Die Oper ist tot – Es lebe die Oper (A ópera está morta – Viva a ópera), que pode ser visitada no salão Bundeskunsthalle de Bonn até 5 de fevereiro de 2023.
Até 2019, 3,8 milhões frequentavam anualmente a ópera na Alemanha, um número que se mantivera estável por muitos anos. Mas aí eclodiu a pandemia de covid-19, e as casas fecharam as portas. Um golpe de morte para o teatro musical erudito?
“A ópera teve sua morte anunciada repetidas vezes e, mesmo assim, reinventou-se sempre, redefiniu-se após todas as crises, fossem guerras ou reviravoltas sociais”, tranquiliza Chrubasik.
Na opinião da diretora geral do Bundeskunsthalle, Eva Kraus, a ópera apela a todos os sentidos como nenhum outro gênero, amalgamando música, canto, poesia, artes plásticas, teatro e dança numa espetacular obra de arte total. Para ela, trata-se de “uma das formas artísiticas mais inebriantes que existem”.
O curador Alexander Meier-Dörzenbach resume as qualidades operísticas numa fórmula dramática: “A intenção da ópera é sacudir a alma humana.” Embora tudo o que o público vê seja uma ilusão, ela o afeta, e “esse efeito é real e verdadeiro”.
O compositor e regente Gustav Mahler também visava esse efeito inigualável sobre o público, ao assumir a partir de 1897 a direção da recém-fundada Ópera da Corte de Viena. Além de reger cantores, coro e orquestra, ele assumiu a direção de cena e introduziu uma inovação que se mantém até hoje: passou-se a apagar as luzes da plateia e fechar as portas da sala após o início da récita. Todos deviam se concentrar inteiramente nos eventos no palco, encenados e compostos até o último detalhe.
Do Scala de Milão ao Metropolitan de Nova York
No decorrer de sua história, a ópera oscilou entre diversas concepções e ambições, explorada como símbolo de status, erguida como empresa econômica e cultuada como reduto da arte de alto nível.
No século 19, o Teatro Scala de Milão era o endereço nobre entre as casas de ópera. Seu diretor, Domenico Barbaja, ex-garçom e jogador de cartas, integrou um cassino à instituição e tinha uma boa relação com os compositores Gioachino Rossini (1792-1868), Vincenzo Bellini (1801-1835) e Gaetano Donizetti (1797-1848), encomendando-lhes diversas obras.
A editora milanesa Ricordi detinha os direitos de execução e cuidava da distribuição mundial. Mais adiante, a casa será local de estreia de alguns dos maiores evergreens do repertório, promovendo compositores do calibre de Giuseppe Verdi (1813-1901) e Giacomo Puccini (1858-1924). Sob a batuta de Arturo Toscanini, a partir de 1898 o Scala atingirá um nível musical sem precedentes.
Enquanto isso, na América, no fim do século 19, 22 novos-ricos de Nova York – entre os quais as famílias Rockefeller, Vanderbilt e Roosevelt, esnobadas pela aristocracia estabelecida local – fundaram sua própria Metropolitan Opera (“Met”, para os íntimos), que de início apresentava todas as obras em italiano, independente da língua original. O mais tardar 40 anos depois, ela estava em pé de igualdade com a Staatsoper de Viena e o Scala de Milão.