Internacional
Onze bispos franceses são alvo de acusações de abuso sexual
Entre os acusados está um bispo emérito e atual cardeal que confessou ter abusado de uma menina de 14 anos na década de 1980. Todos deverão enfrentar processo criminal ou procedimentos disciplinares da Igreja Católica
A Igreja Católica da França revelou nesta segunda-feira (07/11) que 11 bispos franceses eméritos ou em exercício foram acusados de violência sexual ou de não denunciar casos de abuso, incluindo um cardeal que confessou ter abusado de uma adolescente de 14 anos décadas atrás.
O presidente da Conferência Episcopal da França, Eric de Moulins-Beaufort, disse a repórteres que todos os acusados enfrentarão um processo criminal ou procedimentos disciplinares da Igreja, ou ambos.
Entre eles está Jean-Pierre Ricard, nomeado cardeal pelo papa Francisco em 2016, e que admitiu ter cometido um ato “repreensível” contra uma menina.
“Há 35 anos, quando eu era padre, me comportei de forma repreensível com uma menina de 14 anos”, escreveu Ricard em comunicado enviado à Conferência Episcopal e lido por De Moulins-Beaufort.
“Não há dúvida de que meu comportamento causou consequências sérias e duradouras para aquela pessoa”, disse o cardeal.
Ricard afirmou que falou com a vítima e lhe pediu perdão, sem especificar quando isso ocorreu. O cardeal disse também pedir perdão “a todos aqueles que feri” por meio do seu comunicado.
Ricard, de 78 anos, foi padre na arquidiocese de Marselha nos anos 1980 e bispo em Coutances, Montpellier e Bordeaux entre 2001 e 2019. Ele se aposentou da função de bispo, mas continua sendo um cardeal, cargo normalmente ocupado até o fim da vida.
Num momento em que a Igreja Católica da França começa a pagar compensação financeira a vítimas de abuso sexual infantil, Ricard afirmou que decidiu “não silenciar mais sobre a [sua] situação” e se colocou à disposição da Justiça e das autoridades eclesiásticas.
“Choque” para bispos franceses
Os bispos franceses estão reunidos em Lourdes, no sudoeste da França, em sua conferência de outono, para discutir formas de melhorar sua comunicação e transparência em relação a alegações de crimes sexuais.
A confissão de Ricard foi recebida “como um choque” pelos bispos, disse De Moulins-Beaufort, que, além de ser presidente da Conferência Episcopal da França, é arcebispo de Reims.
O arcebispo afirmou que seis antigos bispos já haviam sido acusados de abuso sexual “pelo Judiciário de nosso país, ou pelo Judiciário da Igreja”, sendo que um deles morreu desde então.
Segundo o arcebispo, Ricard será agora adicionado a essa lista, assim como Michel Santier, que foi sancionado pelo Vaticano por “abuso espiritual que levou ao voyeurismo envolvendo dois homens adultos”.
Dois bispos eméritos estão sendo investigados pelo Judiciário francês e são também alvo de um procedimento eclesiástico. O nome de um outro bispo, cujas funções já foram reduzidas pelo Vaticano, foi comunicado às autoridades, mas os promotores ainda não reagiram, apontou De Moulins-Beaufort.
Um bispo, Andre Fort, foi condenado em 2018 a uma pena de prisão suspensa de oito meses.
Acobertamento “sistêmico”
Olivier Savignac, da associação Parler et Revivre, que apoia vítimas de violência sexual, disse à agência de notícias AFP estar “abalado” pelas revelações desta segunda-feira.
“Tantas coisas estão escondidas. Quantas mais vão surgir?”, questionou. “A Igreja só reage quando está contra a parede.”
A associação Agir Pour Notre Eglise, que defende uma reforma da Igreja diante das acusações de abuso, exortou os bispos a fazerem “anúncios claros” até o encerramento de sua conferência, nesta terça-feira. “É com grande tristeza que tomamos conhecimento de tudo isso”, afirmou Alix Huon, membro da associação.
No ano passado, a Igreja Católica da França foi abalada por um relatório que denunciou o abuso generalizado de menores por padres, diáconos e membros leigos da Igreja desde os anos 1950.
Elaborado por uma comissão independente, o relatório apontou que 216 mil menores haviam sido abusados pelo clero nas últimas sete décadas. O número de vítimas chega a 330 mil se considerados também agressores leigos que trabalham em instituições da Igreja Católica, como professores de escolas.
A comissão que elaborou o relatório denunciou o “caráter sistêmico” dos esforços para proteger o clero de processos judiciais, e instou a Igreja a pagar indenização às vítimas.