Internacional
Merkel diz que estava sem poder para lidar com Putin em 2021
Ex-líder alemã afirma que tentou criar canal de diálogo entre a UE e Putin sobre a Ucrânia, mas não teve apoio, e que na sua última reunião com o presidente russo sentiu que seu poder político já havia acabado
Angela Merkel, que foi chanceler federal da Alemanha de 2005 a 2021, afirmou que estava “sem poder” para influenciar o presidente russo, Vladimir Putin, na reta final de seu mandato, segundo uma reportagem publicada pela revista alemã Der Spiegel.
Em sua última visita oficial a Moscou, em agosto de 2021, quando reuniu-se com Putin no Kremlin, Merkel disse ter percebido que “em termos de poder político, acabou. (…) [E] para Putin, somente o poder conta”.
A ex-líder alemã costumava conversar a sós com Putin, mas disse que, nesse último encontro, o russo trouxe também para a reunião o seu ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov.
Tentativa de envolver a UE fracassou
Merkel, que vem sendo criticada por não admitir erros em sua política sobre a Rússia no período em que chefiou governo alemão, disse à Der Spiegel que, no final de seu governo, tentou convencer outros líderes europeus da necessidade de estabelecer um novo formato para dialogar com Putin a respeito da Ucrânia, mas se deu conta que já não tinha influência para tanto.
Ela disse que o Protocolo de Minsk, criado para evitar a escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia após a anexação da península de Crimeia por Moscou, em 2014, estava “esvaziado” e que em meados de 2021, depois de uma reunião entre Putin e o presidente americano, Joe Biden, tentou ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, estabelecer um diálogo europeu independente com o líder russo no âmbito do Conselho da União Europeia (UE), mas não obteve sucesso.
“Alguns colocaram objeções, e eu já não tinha forças para me impor porque todos sabiam que eu sairia no outono [do Hemisfério Norte]”, afirmou, referindo-se às eleições alemãs em setembro de 2021.
Merkel disse ter perguntando a outros líderes no Conselho da UE: “‘Por que não se manifesta? Diga algo.’ Um disse: ‘Isso é muito grande para mim.’ O outro apenas deu de ombros: isso é o que os grandes deveriam fazer. Se eu fosse candidata novamente em setembro, teria insistido mais”, disse.
Merkel relatou também compartilhar da mesma avaliação do ex-presidente americano Barack Obama sobre Putin. “Depois da anexação da Crimeia pela Rússia, tentamos de tudo para impedir novas incursões russas na Ucrânia e coordenamos nossas sanções detalhadamente.”
Fim de “fase eufórica” na história
Ela avaliou que a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, marcou o fim de uma “fase eufórica” da história. “Hoje estamos diante de um mundo que novamente está cheio de complicações”, afirmou Merkel. “A história não se repete, mas creio que padrões se repetem. O horror desaparece com as testemunhas. Mas o espírito de reconciliação também desaparece.”
A ex-chanceler afirmou que a Alemanha não deve ser o primeiro país a enviar os tanques mais modernos à Ucrânia, porque “ainda é possível criar um bom sentimento com a Alemanha” na Rússia.
Ao mesmo tempo, ela elogiou a resistência dos ucranianos, e demonstrou admiração pelo presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, que se recusou a apoiar a guerra de Putin. “Creio que é necessário uma força incrível para um homem como esse se colocar contra a Rússia.”
Era a hora de uma “nova abordagem”
A ex-chanceler federal alemã disse não se arrepender de não ter se candidatado a mais um mandato. “Alguém novo tinha que assumir. A política interna já estava velha. E na política externa no final eu não havia conseguido um milímetro de progresso em tantas coisas que tentamos insistentemente. Não somente em relação à Ucrânia. Transnístria e Moldávia, Geórgia e Abecásia, Síria e Líbia. Era a hora para uma nova abordagem”, disse.
Em seguida, ela ponderou: “Mas você não pode agora fingir que é necessário somente ter a atitude correta que dará certo”. Questionada pela Der Spiegel se se referia à atual ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, e sua política externa orientada por valores, Merkel apenas esboçou um pequeno sorriso e ficou em silêncio.
Em outro momento da entrevista, Merkel alertou contra fazer exigências altas demais a outros países em política externa. “Temos que ser cuidadosos em não colocar o nível tão alto que no final não sobra ninguém que possa satisfazer nossos padrões.”