Internacional
Produtores orgânicos da Alemanha estão no limite
Um em cada oito fazendeiros aposta na agricultura orgânica, e o plano de Berlim é que até 2030 seja um em cada três. Porém, com a explosão nos custos de produção, muitas fazendas lutam para sobreviver
Nos últimos dias, a atenção da imprensa alemã se voltou para Lützerath, um vilarejo no oeste da Alemanha que se tornou um ímã de ativistas do clima e símbolo da luta por um futuro menos poluente. Além de figuras conhecidas, como a ativista sueca Greta Thunberg, o agroprodutor orgânico Bernd Schmitz também fez parte dos que protestavam contra a demolição do vilarejo para extração mineral.
O criador de gado alerta, porém, para uma questão que quase se perdeu no acalorado debate sobre Lützerath: não se trata apenas dos esforços da Alemanha por mais proteção climática, mas também da reviravolta agrícola no país. Ou seja, não se preocupar apenas com o carvão abaixo do solo, mas também com o que está na superfície.
“Como pode ser que produzamos produtos sem sentido para os quais gastamos muita energia e, ao mesmo tempo, a nossa base alimentar é esgotada? E como fazer quando nós, como agricultores, somos obrigados a não emitir carbono, enquanto em Lützerath milhões de toneladas de CO2 serão lançadas na atmosfera?”
Cada vez mais agricultores desistem
Há alguns anos, talvez apenas alguns agricultores na Alemanha fizessem tais questionamentos, mas hoje a realidade é outra, e muitos estão no limite. A cada dia, seis propriedades agrícolas encerram suas atividades na Alemanha, principalmente por causa da explosão dos custos de produção. Atualmente, há 256 mil delas, mas a tendência é descendente. Para dar uma ideia: em 2005 havia quase 400 mil fazendas na Alemanha.
A administrada por Schmitz apareceu pela primeira vez em documentos oficiais em 1850, e já passa pela quinta geração da família. Ela é agora a menor da região, todas as outras propriedades menores desistiram de produzir.
Questionado sobre quantos anos mais iguais a 2022 seu negócio poderia aguentar, ele desabafa: “Um ano. Gastei 50% a mais do que no ano anterior apenas com combustível e eletricidade. Não podemos compensar isso no longo prazo. Minhas filhas querem assumir a fazenda, mas temos que pensar se ela ainda tem futuro.”
E ainda há a questão das mudanças climáticas. Devido à seca, Schmitz teve que reduzir o número de vacas para 35: suas pastagens não forneciam mais comida suficiente para todo o gado. Um círculo vicioso: sem chuva a grama não cresce, e os rendimentos também caem com a diminuição no número de animais. “Nos últimos anos, chegou a ficar sem chover durante três meses”, conta Schmitz.
Falha na conversão para a agricultura orgânica
Um em cada oito produtores da Alemanha aposta na agricultura orgânica. Porém, os atuais 35 mil agricultores orgânicos têm sido particularmente afetados pela inflação recorde decorrente da invasão russa à Ucrânia. E em 2022, pela primeira vez em sua história, o mercado de orgânicos sofreu uma queda no faturamento. Segundo a Associação Alemã de Agricultores, no fim de outubro as vendas caíram 4,1%.
Até 2030, o governo federal quer elevar a participação da agricultura orgânica para 30% da produção nacional. Muitos especialistas consideram esse ambicioso plano uma meta ilusória. Se por um lado há a mudança no comportamento do consumidor, por outro se vê uma transformação lenta das áreas cultivadas e, por fim, a falta de apoio político.
Bernd Schmitz critica: “Se a sociedade quer uma mudança, então tem que haver financiamento. Isso inclui também o ministro das Finanças, que barateia a gasolina, mas ao mesmo tempo não fornece apoio financeiro adequado para o bem-estar animal. Se isso não acontecer, não haverá uma conversão para a agricultura orgânica.”
Menos consumo de carne, porém mais importações?
Também há críticas aos acordos de livre comércio. Uma aliança da União Europeia com os países do Mercosul pode ser firmada ainda em 2023, e uma nova tentativa do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os Estados Unidos também parece possível com a guerra na Ucrânia.
Para Schmitz, já basta o acordo Ceta, com o Canadá: “Queremos que se consuma menos carne na Alemanha para proteger o clima e, ao mesmo tempo, ratificam um tratado que permite a importação de 60 mil toneladas de carne bovina do Canadá?”
O agroprodutor também faz parte do movimento Wir Haben Es Satt (Estamos fartos), que desde 2011 protesta por uma reviravolta ecológica no setor agrícola da Alemanha. “Exigimos uma mudança na política agrícola que não apenas recompense o crescimento, mas também a produção de qualidade”, reforça Bernd Schmitz.