Internacional
A União Europeia está pronta para viver sem diesel russo?
Bloco já havia imposto embargo a petróleo bruto russo transportado por via marítima, mas abrir mão do diesel vindo da Rússia pode ser bem mais doloroso. Nesse contexto, China e Índia podem desempenhar papel importante
A União Europeia (UE) se juntou aos EUA e ao Reino Unido no último domingo (05/02) ao proibir as importações de diesel e outros derivados de petróleo refinado russos. Devido à guerra contra a Ucrânia, o bloco vem buscando pôr fim aos laços energéticos com a Rússia, que durante anos foi sua maior fonte de energia.
O veto vem acompanhado de um limite de preço para o diesel refinado russo, que deve continuar a ser exportado para países como China e Índia. A ideia é prejudicar as receitas da Rússia e, ao mesmo tempo, garantir que o embargo não acabe elevando os preços globais do diesel, que já estão altos.
O embargo de produtos petrolíferos ocorre dois meses depois de uma proibição semelhante ao petróleo bruto russo trazido por via marítima . Ambos os vetos foram anunciados em junho passado como parte do sexto pacote de sanções da UE contra a Rússia em resposta ao “ataque brutal e não provocado” de Moscou à Ucrânia.
Embora o embargo do petróleo bruto e o teto para o preço do petróleo, tenham entrado em vigor, em 5 de dezembro, sem grandes problemas, a proibição de combustíveis refinados — em particular do diesel, com amplo uso industrial e doméstico — provocou incertezas no mercado, em meio a um cenário de estoques de diesel historicamente baixos na Europa.
“O petróleo bruto é mais fungível”, explicam Eugene Lindell e Joshua Folds, da consultoria de energia FGE. “É muito mais difícil produzir diesel/gasóleo enquanto, para petróleo bruto, a produção upstream é muito mais variada em escala global. Há muito mais tipos de petróleo no mercado”, afirmam.
A proibição aumentará os preços do diesel?
Isso dependeria em grande parte do sucesso dos países europeus em encontrar fornecedores alternativos para ajudar a preencher o rombo causado pela proibição e da eficácia de Moscou em encontrar novos mercados para seu combustível rejeitado pela UE. Se essas duas coisas acontecerem, o impacto sobre a oferta e os preços será moderado e de curta duração.
Caso contrário, a sanção pode levar a grandes transtornos em setores dependentes do diesel, como transporte e agricultura, com o aumento do preço do combustível prejudicando ainda mais o combate à inflação.
Os temores de transtornos já têm elevado os preços do diesel, que de um ano e meio para cá já vinham subindo continuamente. Com a alta dos preços do gás natural no ano passado, aumentou a demanda por diesel para aquecimento, diminuindo os estoques do combustível na UE. Embora a situação tenha melhorado nos últimos meses graças a um inverno ameno na Europa, os estoques permanecem em níveis problemáticos.
No curto prazo, os preços do diesel podem subir ainda mais para refletir um aumento nos custos de transporte — já que os suprimentos agora precisam vir de regiões mais distantes —, custos de produção mais altos em países como os EUA e o prêmio de risco.
“No momento, o mercado está muito sensível e muito preocupado”, dizem os analistas da FGE à DW. “O mundo ainda precisa ver esses fluxos russos sendo redirecionados e que não haverá uma interrupção sustentável nos mesmos. Uma vez que o mercado reconhecer isso, o prêmio de risco deve cair.”
De quem a UE poderia importar diesel?
Antes da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, a UE dependia da Rússia para suprir quase metade de sua demanda por diesel. Essa parcela caiu no ano passado, mas permaneceu significativa, com os membros da UE comprando mais de 200 milhões de barris de diesel no ano passado, de acordo com empresa de análise de energia Vortexa.
De fato, no período que antecedeu a proibição, o bloco aumentou suas compras do país para os níveis pré-invasão, em preparação para se libertar da dependência do combustível russo. Para Kevin Wright, analista da empresa de dados de energia Kpler, foi um ato de despedida antes do início do embargo. “A última chance de comprar da grande fonte mais próxima, mantendo os custos de frete baixos em comparação com o fornecimento vindo de mais longe”, analisou.
O veto deixa a UE com um rombo de cerca de 600 mil barris de diesel e derivados de petróleo relacionados por dia, uma lacuna que o bloco pretende preencher com mais importações do Oriente Médio, da Ásia e dos EUA. Com sua própria capacidade de refino sob pressão, a UE já vinha contando com essas regiões nos últimos meses para compensar o déficit.
Tal dependência só deve aumentar com a alta da produção de grandes refinarias, como a de Al-Zour, no Kuwait, e a de Jazan, na Arábia Saudita. Além disso, a Alemanha assinou um acordo com a Abu Dhabi National Oil Co, dos Emirados Árabes Unidos, que permitiria à empresa fornecer 250 mil toneladas de diesel por mês em 2023.
O bloco também poderia se beneficiar da chamada lavagem, em que o diesel russo seria misturado a outros produtos não russos em países como a Turquia e reexportado de volta para a Europa.
O papel da China e da Índia
A China e a Índia, que emergiram como os maiores compradores de petróleo bruto russo nos últimos 12 meses, podem desempenhar um papel importante na ampliação dos estoques de diesel da UE. O diesel é produzido a partir do refino do petróleo bruto.
As exportações de diesel da Índia para a Europa dispararam desde a invasão da Ucrânia, com as refinarias aproveitando os baixos custos da matéria-prima, com o petróleo bruto russo vendido com grandes descontos, e os elevados preços do diesel.
Em um sinal dos tempos vindouros, no ano passado, quando greves de trabalhadores fecharam o setor de refino francês, a UE viu um aumento nas importações de diesel e produtos relacionados da Índia, que não é um fornecedor tradicional de combustível para a Europa.
A China, por sua vez, elevou seu primeiro lote de cotas de exportação de 2023 para diesel e outros derivados de petróleo refinado, cujas vendas para o exterior aumentaram nos últimos meses. Espera-se que isso mantenha as exportações chinesas de diesel em níveis recordes, o que poderia ajudar a redirecionar barris de outros produtores para a Europa.
“A política da China é o divisor de águas”, disse Mark Williams, diretor de pesquisa da Wood Mackenzie, acrescentando em nota aos clientes que o país “detém a chave para toda a capacidade excedente de refino global”.
Para quem a Rússia venderá seu diesel?
A Rússia tem conseguido manter seu petróleo bruto fluindo, em grande parte com o apoio da Índia e da China, que compraram o petróleo rejeitado pelos tradicionais compradores europeus com grandes descontos.
No entanto, redirecionar o diesel para longe de seu até então maior mercado poderá trazer desafios. Especialistas acreditam que o diesel russo antes vendido para a Europa será redirecionado para a Turquia e países da América Latina e África.
“A Rússia já foi forçada a dar grandes descontos em seu diesel para vendê-lo a quem não necessariamente precisa dele”, disse Lindell.
Lindell, que é o chefe de produtos refinados da FGE, espera que uma grande parte do diesel russo vá para a Turquia e depois seja reexportado para a Europa como “diesel turco”. Nos últimos meses, o país registrou um grande aumento nas importações de diesel da Rússia.
“Existem países que estão dispostos a acomodar e aceitar barris com desconto”, disse Lindell, uma razão pela qual a FGE não prevê um declínio nas exportações russas de derivados de petróleo em 2023.
No entanto, há outros que dizem que a Rússia teria dificuldades para realocar todo o seu diesel e poderia ser forçada a cortar a produção.
Qual será o impacto do teto do preço do diesel?
A União Europeia e o G7 concordaram na última sexta-feira em estabelecer um limite de preço para o diesel russo de 100 dólares por barril e de 45 dólares por barril para produtos com desconto, como óleo combustível.
O teto de preço busca garantir que o diesel e outros derivados de petróleo russos ainda possam ser vendidos a países terceiros e evitar qualquer aumento maciço nos preços após a proibição da UE.
Com isso, seguradoras e empresas de navegação europeias poderiam continuar oferecendo seus serviços a transportadoras de derivados de petróleo russo para países terceiros, desde que o combustível seja adquirido a um preço que não ultrapasse o limite máximo acordado.
O limite de preço dos derivados de petróleo terá um impacto mínimo nas operações de refino de petróleo bruto e nas exportações de destilados, disse Williams, da Wood Mackenzie, acrescentando que, com os preços do petróleo russo a meros 40 dólares por barril, as margens do refino ainda permaneceriam altas.
“Nesses níveis, a economia de refino russa ainda é muito forte, então o incentivo para refinar petróleo bruto e transformá-lo em derivados de petróleo permanece alto”, disse Williams.
O teto de preço reflete uma medida semelhante implementada para o petróleo bruto russo. O limite do preço do petróleo bruto de 60 dólares por barril ajudou a manter do petróleo russo fluindo, mas com grandes descontos, como era a intenção.