Judiciário
Júri popular inocentou acusados em caso de morte de sem-terra na Paraíba
Manoel Luiz da Silva, trabalhador rural e sem-terra, foi assassinado em maio de 1997 na Fazenda Engenho Taipu, em São Miguel de Taipu–PB, e, 12 anos após o crime, o julgamento por meio de júri popular inocentou os dois principais acusados pelo crime.
O caso resultou, 26 anos depois, em um pedido de desculpas do governo brasileiro à família de Manoel. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) analisou o caso na última quinta-feira (8/2) e foi constatada negligência, principalmente por parte das autoridades policiais, na investigação do assassinato.
A fazenda em que o crime aconteceu estava em processo de expropriação para fins de reforma agrária. Manoel e outros três trabalhadores foram ameaçados no local por seguranças que afirmaram, ao avistar os sem-terra, que o dono do terreno havia ordenado o assassinado de quem o invadisse.
“(Os seguranças) Os advertiram de que não poderiam circular pelo lugar, informando-os de que haviam recebido instruções de seu patrão no sentido de que deveriam matar os trabalhadores sem-terra que encontrassem em sua propriedade. Depois de uma discussão entre os dois grupos, um dos seguranças atirou em Manoel, que morreu no local”, sustentou a organização Justiça Global.
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Segundo o Ministério Público da Paraíba, Manoel foi assassinado e o homem que estava com ele, o também trabalhador sem-terra João Maximiniano da Silva, foi ameaçado e teve de implorar pela sua vida. A Polícia Militar de Itabaiana atuou no caso.
No processo, houve negligência por parte das autoridades, que demoraram para promover diligências e ignoraram o contexto de conflito agrário. Também houve falha na busca pela arma do crime. O assassinato, que aconteceu em maio de 1997, teve seu julgamento encerado apenas em novembro de 2013.
O MP-PB ofereceu denúncia contra um agricultor e um vaqueiro, ambos acusados de homicídio. Eles foram a júri em 2009, na cidade de Pilar, vizinha a São Miguel de Taipu. O júri reconheceu, por 5 votos a 2, a participação dos dois no crime, mas decidiu, por 4 votos a 3, absolvê-los da acusação, conforme dito pelo promotor Aldenor de Medeiros Batista à época. O MP chegou a anunciar que recorreria da decisão, mas não obteve sucesso.
Estado pediu desculpas
Na quinta-feira, o Estado brasileiro reconheceu que errou na condução do processo judicial que apurou as violações de direitos no âmbito do assassinato de Manoel Luiz da Silva. O reconhecimento veio em audiência na Corte IDH, dois anos após o caso ter sido apresentado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ao tribunal e após mais de duas décadas de tramitação.
Na audiência, que teve participação conjunta da Advocacia-Geral da União (AGU), dos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o país reconheceu que errou na condução das apurações e pediu desculpas à família da vítima.
“O Estado brasileiro manifesta publicamente seu pedido de desculpas aos familiares do senhor Manoel Luiz da Silva. O Estado brasileiro, assim, reafirma sua plena disposição em honrar os compromissos assumidos internacionalmente quanto à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, diz um comunicado da AGU.
O caso foi apresentado pelas organizações Justiça Global, Dignitatis e Comissão Pastoral da Terra. Conforme informações divulgadas pela Justiça Global, a CIDH concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos artigos 5 (integridade pessoal), 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, todos relacionados às obrigações que estão dispostas no artigo 1.1 da norma.
O ponto central das violações foi a omissão da polícia no caso, que prejudicou as investigações e, consequentemente, a própria persecução penal dos envolvidos. “O Estado descumpriu o dever de investigar com a diligência quando não coletou ou preservou provas fundamentais para a determinação dos fatos e das responsabilidades”, afirma a Justiça Global em seu site.
Conforme depoimento do advogado e assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em João Pessoa, Noaldo Meireles, ao portal G1, as alegações finais e a sentença definitiva devem ser publicadas em 30 dias.