Internacional
Afinal, a Venezuela terá eleições presidenciais livres?
Maior aliança de oposição do país nomeia “candidato tampão”, após série de entraves impostos pelo regime de Nicolás Maduro. Repressão a opositores continua, apesar de promessa de pleito democrático
A Plataforma Unitária Democrática (PUD), maior aliança de oposição da Venezuela, nomeou um novo candidato para as eleições presidenciais, após dias lutando contra uma série de obstáculos e com o desafio de chegar unida em 28 de julho para enfrentar o presidente Nicolás Maduro, que busca seu terceiro mandato de seis anos – e que pode levá-lo a completar 18 anos seguidos no poder.
O cientista político e ex-embaixador Edmundo González Urrutia foi registrado como candidato provisório, uma espécia de “candidato tampão”, conforme anunciou nesta quarta-feira (27/03) a PUD na rede social X, antigo Twitter. A Plataforma afirmou que a medida visa “preservar o exercício dos direitos políticos correspondentes à nossa organização política até conseguirmos registrar nosso candidato”.
Isso ocorre após a Plataforma Unitária ter sido impossibilitada de registrar duas de suas candidatas para concorrer contra Maduro. Primeiro, sua figura de ponta, a ex-deputada María Corina Machado, foi impedida de concorrer após ter sido considerada inelegível para cargos públicos pelo período de 15 anos, por um Judiciário amplamente controlado pelo governo. A decisão, controversa, foi alvo de críticas internacionais, incluindo da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Nesta semana, foi a vez de a professora universitária Corina Yoris, de 80 anos, nomeada como candidata substituta de Machado, não conseguir se registrar no sistema informático eleitoral.
A Plataforma Unitária denunciou nesta terça-feira ter sido impedida de fazer o registro, após várias tentativas desde quinta-feira passada.
“Fizemos todas as tentativas de inserir os dados, e o sistema está completamente fechado para poder entrar digitalmente”, afirmou Yoris em entrevista coletiva após o encerramento do prazo para registro de candidaturas. A acadêmica nunca se envolveu com política e não tem problemas com a Justiça.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) concedeu uma prorrogação ao bloco oposicionista, já que Yoris não pôde ser registrada. A razão para o entrave não foi esclarecida. De acordo com o CNE, os candidatos presidenciais ainda podem ser substituídos até dia 20 de abril.
Já Nicolás Maduro registrou sua candidatura na segunda-feira com alarde e sem restrições.
Quem são os outros candidatos
Outro candidato da oposição é Manuel Rosales, de 71 anos, que desafiou, sem sucesso, Hugo Chávez nas eleições presidenciais de 2006, e atual governador do estado de Zulia, região rica em petróleo e situada no oeste do país. Ele formalizou sua candidatura momentos antes do encerramento do prazo para registro.
Mesmo assim, nesta terça, María Corina Machado redobrou sua aposta em Yoris, deixando entrever um clima tenso na oposição. “Aquilo para o que alertamos durante muitos meses acabou acontecendo: o regime escolheu seus candidatos”, disse a ex-deputada sem mencionar Manuel Rosales, de quem ela tem sido crítica. “Minha candidata é Corina Yoris”, avisou.
No ano passado, Machado venceu as primárias da PUD com mais de 90% dos votos, e as pesquisas apontam que ela derrotaria Maduro com 70% das intenções de voto, segundo alguns institutos. Por isso, o apoio dela continua sendo vital para um candidato oposicionista de unidade.
Já Manuel Rosales se ofereceu para ocupar esta vaga. “Farei tudo o que for necessário pela unidade”, disse ele em uma coletiva de imprensa, em meio a acusações de ter “traído” María Corina Machado. “Se a Plataforma pedir, concordar, decidir qualquer coisa, eu estarei na Plataforma”, afirmou, se referindo à PUD de Yoris e Machado. “Não me moverei nem um milímetro”, completou.
O ex-diretor eleitoral Enrique Márquez, que fazia parte da coalizão de oposição mas agora se diz independente, também está concorrendo, juntamente com nove candidatos que se apresentam como anti-Chávez, embora sejam rotulados pela oposição tradicional como “alacranes”, um termo usado para descrever “colaboradores” do partido governista.
Repressão à oposição
Enquanto isso, a repressão a oposicionistas continua. Na noite de terça-feira, Maduro classificou de “terrorista” o partido de María Corina Machado, o Vem Venezuela (VV).
O governante havia denunciado na segunda-feira que dois homens armados ligados à sigla haviam sido presos em um comício chavista e que tinham planos de assassiná-lo.
Sete membros do VV foram presos nos últimos dias e há mandados de prisão contra outros sete. O governo da Argentina informou que seis opositores venezuelanos foram recebidos na residência de seu embaixador em Caracas.
Além de Machado, os líderes da oposição Henrique Capriles e Freddy Superlano também foram proibidos pelo Judiciário de exercer cargos públicos. Há cerca de um mês, o governo socialista expulsou do país funcionários das Nações Unidas.
Críticas internacionais
A série de medidas do governo de Nicolás Maduro contra a oposição gerou críticas internacionais. A União Europeia (UE) e os Estados Unidos expressaram preocupação com os obstáculos colocados pelas autoridades venezuelanas à inscrição de candidatos oposicionistas para as eleições presidenciais no país.
“A União Europeia está profundamente preocupada e lamenta o processo irregular e opaco que impediu alguns partidos de registrar os seus candidatos presidenciais. Todos os direitos políticos e civis, incluindo o direito a participar em eleições verdadeiras, devem ser respeitados”, defendeu o porta-voz da Comissão Europeia para Política Externa, Peter Stano.
A porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou ser “muito importante que o regime Nicolás Maduro reconheça e respeite o direito de todos os candidatos a concorrerem” às eleições presidenciais de julho.
Em uma mudança de tom, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil manifestou nesta terça-feira, pela primeira vez, preocupação com o andamento do processo eleitoral na Venezuela, após a Plataforma Unitária Democrática não ter conseguido inscrever Corina Yoris.
“O governo brasileiro acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral”, diz nota do Itamaraty, que marca a primeira manifestação do tipo sobre o pleito presidencial venezuelano pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vinha evitando direcionar críticas às medidas que Maduro vem aplicando para barrar candidatos da oposição.
Caracas respondeu com um comunicado duro, acusando o Itamaraty de “intervencionismo”.
O governo brasileiro ressaltou, em sua nota, que o impedimento do registro da candidatura de Yoris não é compatível com os acordos assinados em outubro do ano passado, em Barbados, entre governo e oposição venezuelanos, para promoção de diálogo, direitos políticos e garantias eleitorais na Venezuela.
Acordo de Barbados e anúncio do pleito
O pacto previu, entre outras coisas, a realização de eleições presidenciais livres em 2024 com presença de observadores internacionais, em troca do alívio das sanções impostas ao país pelos Estados Unidos.
No texto, governo e oposição reconhecem o direito de cada ator político de escolher livremente e de acordo com os seus mecanismos internos o seu candidato às eleições presidenciais, cujas garantias para todos os intervenientes devem ser promovidas conjuntamente.
Mas já na ocasião da divulgação da data do pleito foi possível perceber que Maduro não está disposto a deixar as coisas fáceis para seus rivais. A eleição presidencial foi agendada, no começo deste mês, para ocorrer em 28 de julho – aniversário de Hugo Chávez –, deixando pouco tempo para que a oposição se organize e nomeie um nome de unidade para concorrer.
Atual gestão começou com fraudes
Se candidatando agora a um terceiro mandato, Nicolás Maduro se reelegeu em 2018 num pleito marcado por irregularidades e que não foi reconhecido pela oposição e por grande parte da comunidade internacional.
Logo após o chavista assumir o segundo mandato, no início de 2019, o então presidente da Assembleia Nacional, o opositor Juan Guaidó se declarou presidente interino da Venezuela.
Guaidó foi reconhecido pelos Estados Unidos e por mais 60 países, além da Organização dos Estados Americanos (OEA). O país foi tomado por grandes protestos contra Maduro, que atraíram milhares de venezuelanos. O “governo interino” deveria funcionar até que eleições livres fossem realizadas depois da renúncia de Maduro.
Mesmo com os grandes protestos e a grave crise econômica, a oposição liderada por Guaidó não conseguiu obter apoio dos militares e do Judiciário, e Maduro reforçou ainda mais seu controle sobre as instituições.
Sem resultados e com a comunidade internacional deixando de reconhecer Guaidó, a oposição acabou com o “governo interino” no final de 2022, encerrando a tentativa de isolar Maduro e promover uma mudança de governo no país.