CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Dell World | Especialistas alertam sobre riscos da IA no trabalho
O uso de serviços de inteligência artificial generativa disponíveis publicamente na internet, como ChatGPT, Copilot e Gemini, pode representar riscos para a segurança das empresas devido a possíveis vazamentos de informações e dados do trabalho.
Uma alternativa mais segura, e até mesmo econômica, seria desenvolver uma IA internamente, segundo especialistas ouvidos pelo Canaltech no Dell Technologies World, evento anual da companhia que começou na segunda-feira (20), em Las Vegas (EUA).
Michael Dell, CEO e fundador da Dell, é um dos defensores da “soberania de dados” e afirma que as empresas deveriam ter infraestruturas de armazenamento e processamento pelo menos para dados mais sensíveis. Além disso, treinar uma IA ou Large Language Model (LLM) internamente também pode ser mais barato.
“Estudos recentes mostraram que rodar uma IA generativa em servidores locais pode ser até 75% mais econômico do que pagar para fazer a mesma coisa em serviços de nuvem públicos. Por isso, 83% das empresas consultadas planejam ‘repatriar’ algumas de suas demandas computacionais da nuvem para servidores próprios em 2024. Isso está acontecendo por dois motivos: inferência e gravidade dos dados”, disse Dell ao Canaltech.
A Dell lançou neste ano o IA Factory, uma espécie de fábrica de IA capaz de treinar e rodar LLMs customizados para qualquer tamanho de empresa. Dito isso, é natural que o fundador da marca defenda a ideia de que seus clientes prefiram uma IA própria produzindo mediante modelos open source e com infraestrutura fornecida pela própria Dell, do que pagar por um serviço pronto da OpenAI ou do Google, por exemplo.
A “gravidade dos dados” também foi citada por Michael Dell. Esse conceito indica que os dados têm o potencial de atrair e gerar mais dados conforme são tomadas as decisões.
Nesse cenário, uma empresa que paga por armazenamento na nuvem está basicamente presa em um ecossistema que cobrará cada vez mais para manter suas informações à salvo. E caso ela queria usar uma IA para “deduzir” — ou tirar conclusões a partir desses dados para ajudar colaboradores a realizar tarefas do dia a dia —, o custo será ainda maior.
Empresas que já entenderam essa dinâmica, segundo Michael Dell, estão considerando “pular do barco” do armazenamento em nuvem pública pura e simplesmente devido aos custos.
A questão da segurança de dados é outro fator importante que pesa contra processar dados e via IA em serviços de nuvem pública. Se você tem um código-fonte proprietário na sua empresa, dados sigilosos de clientes ou mesmo algo com propriedade intelectual (filmes, séries, música, esquemas de um produto novo), manter isso na nuvem não seria uma boa prática.
“Algumas das nossas informações mais sensíveis, com propriedade intelectual, precisam ser mantidas apenas localmente e jamais serem enviadas para a nuvem”, alertou Jeff Boudreau, presidente de estratégia de IA da Dell.
Apesar desse dilema do “local contra nuvem” ser uma questão para os gestores de uma empresa resolverem, quem trabalha na ponta precisa ter em mente que jogar qualquer coisa no ChatGPT pode não ser uma boa ideia, dependendo do tipo de trabalho que você faz.
“Essas soluções públicas de Gen IA são ótimas para o consumidor final, mas você precisa lembrar que esses modelos não foram treinados segundo as práticas e dados da sua empresa”, alertou Matt Baker, vice-presidente de estratégia de IA da Dell, aos gerentes de TI do mundo corporativo.
“Se você está trabalhando com conhecimento geral disponível publicamente, use um modelo público. Mas se você quer criar uma tecnologia efetiva para a sua organização, você precisa aproveitar os seus próprios dados, seu conhecimento e informações. E se você decidir fazer tudo isso, por que não rodar seu próprio LLM também? Vai ser muito mais barato”, lembrou Baker.
O executivo também usou a carta da sustentabilidade, que deve apelar para empresas com metas de redução da sua pegada de carbono gerada pelas suas operações. Afinal, manter dados na nuvem ou servidores próprios e “fazê-los trabalhar” para a empresa implica em um uso de eletricidade considerável. E em muitas localidades ao redor do mundo, esse recurso é gerado às custas de queima de combustíveis fósseis até hoje.
“Por que rodar um LLM de 30 bilhões de parâmetros para obter respostas de sobre algo que eu tenho todas as informações localmente? Por que não rodar um modelo de 7 bilhões que é mais eficiente e gastar menos energia e obter a mesma resposta?”, provocou Baker.
Com tudo isso, fica claro que você realmente não deveria estar usando ChatGPT, Gemini ou Copilot para cumprir suas tarefas diárias, mas quem precisa decidir sobre qual ferramenta usar e se realmente vale a pena usar alguma é a gestão, e não o colaborador.
Gen IA e seu potencial de criar uma nova revolução industrial
“As primeiras fábricas foram os moinhos. Água ou vento giravam uma roda, e essa roda fazia algum trabalho. Tudo que você podia automatizar tinha que passar pela roda. Com o advento da eletricidade, o que eles fizeram? Usaram a eletricidade para girar a roda. Demorou muitos anos pra gente decidir levar eletricidade para todo lugar e automatizar muito mais tarefas com máquinas inteligentes e especializadas que a gente podia plugar na tomada. É mais ou menos nesse momento em que estamos agora com inteligência artificial. Então meu conselho é: não usem IA para girar a roda, mas sim reimaginem e reinventem suas organizações para dominar essa hiper-inteligência”.
Essa fala um tanto profética de Michael Dell ao descrever com uma analogia o estado da inteligência artificial pode não apelar para todo mundo, mas ela traz um alerta importante para grandes empresas em especial. Como elas são as maiores detentoras de dados, elas também estão na melhor posição para começarem a treinar suas próprias IAs.
Fornecer isso para uma força de trabalho sobrecarregada após ondas de demissões em diversos setores da economia mundo afora pode gerar ganhos em produtividade a custo relativamente baixo. Em suma, a ideia é que será possível fazer mais com a mesma força de trabalho que as empresas já possuem e, consequentemente, se destacar frente aos concorrentes.
E trazendo a conversa para o contexto do trabalhador, quem tem posições mais criativas ou habilidades mais difíceis de encontrar no mercado tem chances muito baixas de ser impactado pelo uso de IA em larga escala. Contudo, quem faz trabalho mecânico certamente terá que se reinventar mais cedo ou mais tarde.
Uma IA roubará o seu emprego?
Essa questão do impacto da IA no mercado de trabalho é tão presente que se torna evidente onde quer que ela seja adotada. O Canaltech conversou com Yan Chen, arquiteto de estúdio da Kennedy Miller Mitchell (KMM) — produtora do filme Furiosa: Uma Saga Mad Max — para entender como o filme de George Miller usou IA em sua produção, e ficou claro que o objetivo da adoção da tecnologia é fazer mais com menos.
Isso é uma excelente abordagem para empresas ou projetos com recursos limitados. Com uma AI treinada e operada com infraestrutura da Dell, a KMM conseguiu economizar muito no processo de edição e criação de efeitos visuais.
“Tradicionalmente, você termina o trabalho dos efeitos visuais quando acaba o tempo ou quando acaba o dinheiro. Isso porque a mão de obra especializada para isso é muito cara e leva tempo para deixar tudo perfeito. Assim, dificilmente o diretor fica satisfeito com o produto final. Mas esse é o primeiro em que George Miller está 99,99% satisfeito com o visual do filme”, disse Chen.
Chen ainda destacou que, com o uso de Gen IA em Hollywood, os estúdios vão acabar conseguindo produzir muito mais filmes em um mesmo espaço de tempo. Em outras palavras, essa seria a materialização dos ganhos de produtividade transformadores aos quais Michael Dell se referiu em sua keynote de abertura do Dell Technologies World.
No caso da indústria cinematográfica norte-americana, contudo, isso implicará em um problema de distribuição de todo esse novo conteúdo que os estúdios terão que resolver.
“Gen IA é realmente uma revolução industrial porque isso vai nos permitir sair de uns 30 filmes por ano em Hollywood para algo como 300 ou talvez 400. Mas isso requer uma mudança no nosso modelo de distribuição: será que vamos mesmo querer ir ao cinema ver todos esses filmes?”, concluiu Chen.
O caso é que LLMs, e Gen IA na totalidade, têm um potencial transformador inegável a essa altura. Contudo, ainda não sabemos como lidar com toda essa transformação, e quem conseguir resolver esse enigma primeiro provavelmente terá muito dinheiro no bolso nas próximas décadas.
Isso vale tanto para o lado do empresário para o do trabalhador porquê, mesmo que os evangelistas da Gen IA defendam que a tecnologia não roubará o trabalho de ninguém, é inocente pensar que o trabalho em si não será transformado. Ou será que você conhece alguém que trabalha como telefonista em 2024?
Canaltech