Segurança Pública
“Você não vai encontrar quem queira ser militar”: Com atrativos cada vez menores, carreira nas Forças Armadas entra em crise. Escola de Aprendizes Marinheiros tem queda de 58% de interessados, mas não é única a declinar
Apesar de voluntário, início do alistamento militar feminino tem ligação direta com a perda do interesse no serviço militar
Em entrevista à Folha de São Paulo neste domingo, 8 de dezembro, o almirante da Reserva Eduardo Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha (2015-2019), afirmou que as Forças Armadas e a profissão militar estão muito desprestigiadas.
“Nos bons colégios do Rio, você não vai encontrar quem queira ser militar, porque os atrativos são cada vez menores em comparação com outras atividades”.
A conversa foi originalmente sobre as mudanças na previdência militar e a participação de generais em planos de golpe contra o Estado democrático, mas Ferreira e outros oficiais da reserva e da ativa acabaram mostrando preocupação com a atratividade da carreira.
Um deles disse que o sargento de um pelotão de fronteira está muito mais preocupado com quando vai poder passar à reserva do que com a prisão de um general.
Número de interessados em concursos das Forças têm caído
Os números de inscritos em concursos para as 3 Forças nos últimos anos corroboram para essa preocupação e são alarmantes. Para fazer esse levantamento, o Sociedade Militar consultou as tabelas divulgadas pelo Estratégia Militares, curso preparatório pra quem tem interesse em prestar concurso pra instituições militares.
Em 2017, o número de inscritos para o certame da EAM (Escola de Aprendizes-Marinheiros) foi de 29.261 candidatos. Em 2018 caiu para 24.440. Em 2019 e 2020 voltou a subir, mas em 2021 caiu para 16.627 e nunca mais voltou ao melhor patamar. Em 2024 foram 12.166 inscritos, uma queda de 58,42% em 7 anos.
No concurso para Fuzileiros Navais, em 2018 foram 32.045 inscritos e em 2019 foram 19.668 inscritos. Uma queda vertiginosa de 38,62%. Apesar de em 2020 o concurso ter ensaiado uma recuperação, indo para 29.138 inscritos, em 2023 ele voltou para o patamar dos 19.967.
No caso da Epcar (Escola Preparatória de Cadetes do Ar), a situação é mais amena. Em 2017 foram 25.961 inscritos. Em 2018 e 2019 houve aumento dessa quantidade, mas em 2021 foram 22.788 inscritos e em 2022 foram 21.396 inscritos.
O ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) perdeu 21,65% de interessados. Saiu de 12.484 candidatos em 2017 para 9.781 em 2024.
A EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército) já teve 43.757 inscritos em 2019. Em 2024 foram 31.623. Um dos menores números da história.
Preocupação com a carreira foi um dos motivos de atraso do pacote fiscal do governo
O possível impacto na carreira nas Forças Armadas atrasou o anúncio do pacote de corte de gastos elaborado pela equipe econômica do governo. Isso porque ao ser estabelecida idade mínima de 55 anos para aposentadoria, o que hoje inexiste, o tempo na ativa dos militares deve aumentar e impactar diretamente o sistema de promoção. Atualmente, ele prevê média de tempo em que o oficial ou praça fica em cada posto.
Com o aumento do tempo de serviço, existe o risco de quebra da pirâmide da carreira, com o acúmulo de coroneis e subtenentes (últimos postos de oficiais e praças) e redução de militares em cargos menores.
Além disso, a atratividade da carreira também tende a ser prejudicada, já que o aumento do tempo de permanência em postos vai levar os militares a demorarem mais para ter aumento de salário e se aposentar.
Entrada das mulheres nas Forças Armadas é fundamental
Apesar de ser sempre anunciado com viés de inclusão e integração de gênero, o anúncio do aceite de mulheres no Serviço Militar brasileiro como voluntárias a partir de 2025 pode ser mais uma questão estratégica e política do que propriamente preocupação com a diversidade. O mesmo vale para a 1ª Turma de mulheres soldados fuzileiros navais e para a 1ª Turma feminina da Academia Militar das Agulhas Negras.
Em junho deste ano, em entrevista ao Jornal USP, a psicóloga da FAB (Força Aérea Brasileira), Wildyrlaine Cristina Pretko, disse que o grande desinteresse por parte dos homens na carreira militar é um dos motivos para a abertura de vagas para mulheres.
“Os homens tentam se esquivar a todo custo. Eu posso dizer porque fiz parte do processo seletivo para o ano obrigatório dos militares e a maioria foge mesmo. Enquanto isso, nós conhecemos diversas mulheres que adorariam que o serviço militar fosse obrigatório a partir dos 18 anos, e agora existe uma possibilidade de que não seja obrigatório, mas facultativo, e que as mulheres possam também fazer parte desse ingresso aos 18 anos”.
Problemas de recrutamento são históricos e não são particular do Brasil
As dificuldades com recrutamento e retenção de pessoal nas Forças Armadas existem há várias décadas, em especial a retenção, já que há oportunidades muitas vezes melhores no mercado de trabalho civil, com salários superiores e mais benefícios.
No último dia 6 dezembro, em levantamento realizado pelo colunista Pedro Duran, a CNN divulgou que Marinha e Exército perderam 5.247 profissionais nos últimos 10 anos. Na ocasião, os militares ouvidos por Duran apontaram como principais motivos para desistência as jornadas de trabalho, perdas de benefícios pela reforma de 2019, salários defasados em relação a carreiras públicas e privadas e a possível nova reforma da previdência militar. A Aeronáutica não respondeu ao questionamento.
Helena Carreiras, primeira mulher a ocupar o cargo de ministra da Defesa de Portugal, disse em maio que tentou enfrentar esse problema por múltiplas vias no país lusófono.
“Criei melhores condições àqueles que estão nas fileiras, não apenas com remunerações melhores, mas melhorando as condições de habitação e de transição para a vida civil nos fins dos contratos. A vida militar faz grandes exigências, é uma tarefa difícil, mas julgo que o caminho precisa ser tornar a profissão militar uma profissão valorizada”.