Internacional
Ativismo climático contra museus europeus: Portugal na mira?
De Londres a Madri, a onda de protestos ambientais em espaços culturais da Europa parece mover-se em direção ao sul. Diretores portugueses lembram: museus foram criados em resposta à iconoclastia revolucionária
Just Stop Oil em Londres, Letzte Generation em Potsdam, Ultima Generazione em Roma, por último Futuro Vegetal em Madri: há meses museus de arte da Europa são alvos de ativistas que protestam contra a deterioração do planeta provocada pela ação humana.
O procedimento dos manifestantes é tão simples quanto eficaz: primeiro, atirar algum alimento semilíquido (purê de batatas, sopa de tomada) contra uma obra de arte importante ou pichar uma mensagem ambientalista na parede contígua, em seguida colar-se na moldura, possivelmente segurando uma faixa de protesto. O efeito midiático tem sido infalível.
Por enquanto, a onda de protestos não chegou a Portugal, mas ela parece se aproximar, e diretores de museus do país estão preocupados com as ações que classificam como “hediondas” e “de terrorismo”, e intensificam a vigilância do patrimônio cultural sob sua guarda.
Em causa está “a própria natureza democrática” dos museus, que trouxeram a arte para o espaço público, na sequência da Revolução Francesa, e a tornaram “propriedade coletiva dos cidadãos”, sublinharam os chefes de instituições museológicas, num artigo divulgado pela agência de notícias Lusa neste sábado (05/11).
O que arte tem a ver com destruição ambiental?
Para diretores de espaços culturais como o Museu Nacional dos Coches e o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, que guardam, restauram e exibem coleções únicas no mundo, os casos são “preocupantes” porque “colocam em risco um patrimônio que é de todos” e “deve ser protegido para as atuais e futuras gerações”.
Mário Antas, diretor do Museu Nacional dos Coches, um dos mais visitados do país, mostrou-se “obviamente preocupado com um fenômeno que está sobretudo a alastrar na realidade europeia”, e cuja associação à arte lhe suscita muitas dúvidas.
“Não está em causa o direito de protestar, mas o modus operandi para com as obras de arte, que, afinal, são patrimônio da Humanidade para serem fruídas por todos”, declarou à Lusa.
O diretor diz ter “alguma dificuldade em perceber o que os museus e as obras de arte têm a ver com este tipo” de protesto ambientalista: “Está relacionado com a questão do petróleo e da poluição, mas as obras de arte não têm culpa nenhuma. São ações midiáticas, mas é difícil de perceber porque têm as obras de arte de pagar por isto.”
Após o atentado do grupo alemão Letzte Generation a uma obra do impressionista francês Claude Monet, no Museu Barberini de Potsdam, em 23 de outubro, a porta-voz Aimée von Baalen defendeu a ação, explanando a lógica que segue sua organização.
“Monet amava a natureza e capturou sua beleza única e frágil em suas obras. Como é possível que tantos tenham mais medo que uma dessas imagens da realidade seja danificada do que da destruição de nosso próprio mundo, cuja magia Monet tanto admirava?” E acrescentou: “Não haverá mais tempo para admirar a arte quando estivermos lutando por comida e água!”
Resposta histórica à iconoclastia revolucionária
Mário Antas também chamou a atenção para a necessidade de uma “educação patrimonial” da sociedade, numa “via profilática e pedagógica que se pode fazer todos os dias, a começar nas escolas, com a consciencialização da importância do património único existente em Portugal”.
Os receios do diretor do Museu dos Coches são partilhados por seu colega do Museu Nacional de Arte Antiga, Joaquim Caetano: “É óbvio que a situação é preocupante para todos os museus, e estamos a tomar medidas para tentar que não aconteça nada”, comentou, especificando que o reforço tem sido feito “com empresas de vigilância, em princípio, mais preparadas para responder a casos destes”.
O historiador de arte recordou que “uma das razões por que os museus nacionais foram criados a seguir à Revolução Francesa [em 1789] foi precisamente para responder à iconoclastia revolucionária, que, na altura, atingiu um grande peso sobretudo pela ligação da arte à riqueza do antigo regime e à propaganda real”.
O retirar dessas peças dos espaços reais e nobres para a criação dos grandes museus nacionais “foi uma resposta no sentido de retirar a carga propagandística que grande parte da riqueza artística tinha, e transformá-la numa propriedade coletiva dos cidadãos”, lembrou o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga.
“Houve uma descontextualização do caráter de propaganda da arte, e a sua transformação num mecanismo de identidade da própria democracia nascente. É nesse sentido que as obras de arte estão nos museus. Quando essa iconoclastia entra nos museus, quer dizer que se está a pôr em causa a própria natureza democrática destas instituições, e isso parece-me um pouco despropositado como modus operandi”, sustentou Caetano.