Internacional
A Alemanha entra na guerra ao enviar tanques para a Ucrânia?
Com a decisão de fornecer a Kiev os avançados blindados de combate Leopard 2, muitos se perguntam se o país pode agora ser visto como parte diretamente envolvida no conflito. Especialistas dizem que não
Quando a Alemanha decidiu entregar tanques Leopard à Ucrânia após uma longa hesitação, o governo da Rússia reagiu prontamente: “Tudo o que a Otan e as capitais que mencionei, tanto na Europa como nos EUA, fizerem será tratado por Moscou como uma participação direta no conflito”, disse nesta quinta-feira (26/01) o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, segundo uma reportagem da agência de notícias russa Interfax.
“Não há guerra entre a Rússia e a Otan”
Era exatamente esta acusação de Moscou — a de que a Alemanha é parte direta da guerra na Ucrânia — que o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, sempre quis evitar. E foi justamente isso que ele havia negado na véspera através da emissora pública alemã ZDF: “Não, absolutamente não”, ressaltou Scholz.”Não pode haver guerra entre a Rússia e a Otan.”
Avaliação de Scholz é corroborada por especialistas
No geral, especialistas em direito internacional concordam com Scholz. Conforme a Carta das Nações Unidas, “em suas relações internacionais, todos os membros devem abster-se de qualquer ameaça ou uso da força dirigida contra a integridade territorial ou independência política de um Estado ou de outra forma incompatível com os objetivos das Nações Unidas.” E é bastante óbvio que a Rússia violou esse mesmo preceito quando atacou a Ucrânia em fevereiro do ano passado. Neste caso, a Carta estabelece de maneira expressa que todos os países têm o direito de se defender, individual ou coletivamente.
Armas pesadas também são legítimas
Expressamente, isso também significa que outros países podem fornecer armas ou iniciar missões de treinamento. Não há diferenciação entre armas pesadas, como o tanque Leopard da Alemanha, ou modelos de armas mais leves. E até mesmo o destacamento de forças armadas de outros países na Ucrânia seria legítimo, de acordo com o especialista em direito internacional Markus Krajewski, da Universidade de Erlangen-Nuremberg.
“Isso porque cada tiro que a Rússia atualmente dispara na Ucrânia é uma continuação da violação do direito internacional. A Rússia só voltará a se comportar em conformidade com o direito internacional quando retirar suas tropas de volta para dentro de suas próprias fronteiras,” disse Krajewski à rede pública alemã de TV ARD. No momento, porém, não há sinal de que isso vá acontecer.
Rússia teria usado inverno para reabastecer suprimentos
Pelo contrário: especialistas esperam uma ofensiva dos russos já no início do ano.”A Rússia aproveitou o inverno para avançar na mobilização e no treinamento de soldados russos e para tratar do fornecimento de munição e material”, disse à DW o deputado Roderich Kiesewetter especialista em defesa do partido conservador União Democrata Cristã (CDU).
“A Ucrânia mal conseguiu compensar suas perdas materiais. Os veículos blindados e os tanques de batalha, a artilharia e as entregas de munição irão, portanto, inicialmente apenas compensar esta desvantagem flagrante. Além das altas perdas de material, principalmente de tanques, quase não há munição e peças de reposição para os modelos soviéticos. A troca para modelos e cadeias logísticas ocidentais é, portanto, inevitável.”
Momento delicado
Uma mostra de como a situação é delicada e tensa foi a recente polêmica em torno de uma fala da ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, sobre uma “guerra contra a Rússia”:
Na terça-feira, com o intuito de pedir a coesão dos aliados ocidentais, Baerbock se dirigiu aos membros do Conselho da Europa em Estrasburgo com as seguintes palavras: “Estamos travando uma guerra contra a Rússia e não uns contra os outros”. Tal declaração caiu como uma luva para a propaganda de guerra da mídia estatal russa: como prova de que a Alemanha e os outros países da UE são partes diretas do conflito na Ucrânia e estão lutando contra a Rússia.
“Declarações contraditórias”
Nesta sexta-feira, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, exigiu uma explicação do embaixador alemão em Moscou sobre as declarações “contraditórias” de Berlim, argumentando que, “por um lado, a Alemanha declara que não faz parte do conflito na Ucrânia e, por outro, Baerbock diz que os países da Europa estão em guerra com a Rússia. Será que eles mesmo entendem do que estão falando?”, escreveu Zakharova no aplicativo de mensagens Telegram.
O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha classificou a declaração de Baerbock sob uma outra perspectiva: “A Rússia está travando uma guerra brutal contra a Ucrânia. Esta é também uma guerra contra a ordem de paz europeia e o direito internacional. O direito internacional é claro: apoiar a Ucrânia no exercício de seu direito individual de autodefesa contra a guerra de agressão da Rússia, que contraria o direito internacional, não torna a Alemanha parte do conflito, conforme consagrado na Carta da ONU”.
Embora Alemanha e seus aliados ocidentais estejam agindo no âmbito do que diz o direito internacional, suas entregas de armas pesadas são agora cada vez mais o foco da propaganda russa. Até porque Putin nunca deu muita bola para o direito internacional e provavelmente nunca o fará.