Judiciário
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 3 votos a 2, que não é possível a celebração de acordo de não persecução penal (ANPP) em crimes de racismo e injúria racial
Edson Fachin foi seguido por outros dois ministros da 2ª Turma. Nunes Marques e André Mendonça divergiram. Entenda
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 3 votos a 2, que não é possível a celebração de acordo de não persecução penal (ANPP) em crimes de racismo e injúria racial. A decisão foi tomada em julgamento no plenário virtual finalizado nesta segunda-feira (6/2).
Para o relator do RHC 222.599, ministro Edson Fachin, “a dignidade e a cidadania racial não podem constar de objeto de qualquer negócio jurídico, sob pena de a pedagogia inserida na construção do processo de redução das desigualdades raciais perder seu norte substancial: o de aniquilar qualquer significação das pessoas negras como inferiores ou subalternas”.
Despenalizar atos discriminatórios raciais nesta quadra da história, avalia Fachin, “é contrariar o esforço – já insuficiente – para a construção da igualdade racial, levada a cabo na repressão de atos fundados em desprezíveis sentidos alimentados, diariamente, por comportamentos concretos e simbólicos reificadores de pessoas negras”.
Na decisão, o ministro relembra que o Brasil aprovou o texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na Guatemala, “documento mais abrangente que a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1967 e ratificada pelo Brasil em 1969 -, pois reprime as práticas discriminatórias também nos ambientes privados, além de ser contundente ao comprometer os Estados a combater o racismo estrutural e institucional”.
O ministro cita que já há uma excepcionalidade prevista em lei que impede o acordo de não persecução penal nos casos de crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, de forma que essa exceção “não deve ser compreendida como a única”. O voto de Fachin foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Leia a íntegra do voto do relator.
Os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram de Edson Fachin. Mendonça votou para reconhecer a retroatividade do artigo 28-A do CPP e determinar a conversão da ação criminal em diligência, para oportunizar ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina a propositura de Acordo de Não Persecução Penal, caso preenchidos os requisitos.
O ministro considerou que não é cabível exercer analogia em prejuízo ao réu para incluir os crimes cometidos em razão da raça na exceção prevista em lei aos crimes de violência contra mulheres, em razão do sexo.
“A estrita legalidade, no que direciona à ortodoxia na interpretação da Constituição da República em matéria penal, não viabiliza ao Tribunal, em desconformidade com expressa e clara restrição contida na Lei Maior, esvaziar o sentido literal do texto, mediante a complementação de tipos penais. Considerando a natureza híbrida do do ANPP, com conteúdo de direito material, ao deixar de versar sobre a discriminação ou o preconceito considerada a “ raça, cor, etnia ou procedência nacional ”, na nova redação conferida à Lei nº 7.716, de 1989, pela recente edição da Lei nº 14.532, de 2023, não seria possível excluir do recorrente a possibilidade de oferta e celebração de acordo por circunstancia não contemplada pela norma não seria possível excluir do recorrente a possibilidade de oferta e celebração de acordo por circunstância não contemplada pela norma”, escreveu.
Leia a íntegra do voto de André Mendonça.
O ministro Nunes Marques lembra que a redação da Lei n. 13.964/2019 dispôs que, diante da prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público “poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ”.
Mas, no caso, não foi “oportunizada na origem a possibilidade de propositura do acordo de não persecução penal ao acusado”. Desta forma, para Nunes Marques, salvo nos casos de evidente ausência dos requisitos hábeis à celebração do acordo, “não cabe recusa do magistrado em remeter o processo ao órgão acusatório, sob pena de negar vigência ao comando legal do dispositivo”, e “de frustrar a própria natureza do instituto”.
A discussão foi travada no recurso em habeas corpus ajuizado pela defesa de Dany Phillippi de Aguiar, que foi considerado culpado em duas instâncias por injúria racial depois de chamar uma pessoa de “seu negão filho da puta, seu negão sujo, escroto”. Ele foi condenado a 1 ano e 4 meses de reclusão em regime aberto, mas a pena foi substituída por duas restritivas de direitos: a limitação de fim de semana e uma prestação pecuniária, no valor de 3 salários mínimos, a ser revertida em favor da vítima.