Educação & Cultura
O poder como revelador da verdadeira natureza humana
Por Roberto Tomé
A frase atribuída a Maquiavel — “Quer conhecer o caráter de alguém? Dê-lhe poder.” — é uma das mais incisivas reflexões sobre a condição humana. Ela carrega um peso filosófico que atravessa séculos, desnudando uma verdade amarga: o poder não corrompe, mas revela. Ele funciona como um espelho, expondo não apenas o que as pessoas querem aparentar, mas quem realmente é por trás das máscaras que usam no dia a dia.
Muitos caminham ao nosso lado como amigo, irmãos ou companheiros de jornada, mas o poder — seja ele grande ou pequeno real ou simbólico — é o teste definitivo. É sob sua influência que emergem ambições ocultas, egoísmos disfarçados e, acima de tudo, intenções verdadeiras. Como o fogo que purifica o ouro, o poder depura a alma humana, mas, diferentemente do metal precioso, nem sempre o resultado é brilhante. Às vezes, o que sobra é apenas a poeira do interesse e da traição.
O falso amigo aquele que se aproxima por conveniência, é um ator habilidoso. Ele veste a pele do aliado, mas traz no coração o cálculo frio de quem enxerga a amizade como uma moeda de troca. Enquanto a pessoa a quem se diz amigo não tem nada a oferecer, ele se contenta em desempenhar seu papel, mantendo-se nas sombras da neutralidade. Porém, quando lhe é dada uma posição de poder, o teatro desmorona. O palco se torna seu território, e ele já não precisa esconder sua verdadeira face. Suas ações gritam o que suas palavras disfarçavam.
Esse fenômeno ocorre porque o poder amplia o alcance dos desejos humanos. Para aqueles movidos por interesses egoístas, ele é uma oportunidade de dominar, manipular e satisfazer suas vontades sem precisar mais fingir. O poder, portanto, não os corrompe; apenas dá liberdade para serem quem sempre foram. Maquiavel, com sua perspicácia, compreendia isso como ninguém. Para ele, o poder é uma lente de aumento, capaz de expor até os menores fragmentos de caráter, bons ou ruins, que estavam ocultos nos recessos mais profundos do indivíduo.
Confiamo-nos outros porque, em nossa humanidade, queremos acreditar que a lealdade e o amor são constantes. No entanto, ao projetarmos nossas expectativas em quem nos cerca, ignoramos a complexidade e os interesses que os motivam. O erro não está em confiar, mas em esquecer que o ser humano é, antes de tudo, imprevisível. A sabedoria de Maquiavel nos ensina que o poder é a balança que separa o amigo do interesseiro, o justo do manipulador. Quem é leal na sombra será leal à luz. Mas quem é amigo apenas enquanto precisa de algo se mostrará um adversário implacável assim que obtiver o que deseja.
Tal reflexão, no entanto, não deve ser aplicada apenas ao outro. Devemos também olhar para dentro e nos perguntar: e se o poder fosse dado a nós? Quem seríamos? Ele revelaria a generosidade que pregamos em palavras ou o egoísmo que talvez não admitamos nem a nós mesmos? É fácil julgar os falsos amigos e condená-los por sua hipocrisia, mas será que, nas mesmas circunstâncias, não agiríamos da mesma forma? A verdadeira sabedoria ensinaria Maquiavel, é perceber que todos somos suscetíveis ao fascínio do poder.
O poder é inevitável na vida. Todos nós, em algum momento, recebemos algum grau de autoridade — seja sobre uma equipe de trabalho, uma família ou mesmo em um momento de influência social. O desafio é usá-lo como um instrumento de virtude, não de vaidade. É nesse contexto que reside à diferença entre o amigo verdadeiro e o falso, entre o líder justo e o tirano. O amigo verdadeiro não é aquele que permanece ao seu lado porque precisa de algo, mas aquele que, mesmo em posição de poder, honra os laços que os unem.
Maquiavel nos provoca a olhar o mundo com olhos mais críticos e, ao mesmo tempo, a observar nosso próprio reflexo com honestidade. O poder não transforma; ele apenas ilumina as sombras. Quando o amigo, ao receber poder, se torna um traidor, ele não mudou; apenas mostrou o que sempre esteve ali, escondido. Assim, cabe a cada um de nós termos a coragem de não apenas observar, mas agir com sabedoria diante dessas revelações.
O poder, como o tempo, é o grande escultor da verdade. E a pergunta que permanece é: estamos preparados para enxergar o que ele tem a nos mostrar? Portal Informa Paraíba.